BRAÇO DE FERRO ENTRE GOVERNO E "ANTENEIROS"
A lei do mais forte
Marta Curto
A lei do mais forte
Marta Curto
Há quem fale em 100 mil casas sem televisão, desde que os "anteneiros" decidiram abrir guerra ao Governo, às oito da noite de terça-feira. A Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT) não avança números concretos mas reuniu-se, ontem, com os representantes das empresas envolvidas. "Não chegámos a nenhum consenso, exigimos que retomassem o sinal de televisão, mas não sabemos quando é que isso acontecerá", explicou Tou Veng Keong, o director.
Cerca das 10 da noite de ontem os sinais pareciam ter voltado às televisões, mas ainda havia interferências. Mas o essencial das posições mantém-se. A DSRT bate o pé pela proibição de novos canais de companhias não concessionadas pelo Governo, e os "anteneiros" recusam que o mercado seja monopolizado pela TV Cabo.
A verdade é que nada desta situação é fácil de resolver. Em teoria, só a TV Cabo pode legalmente transmitir sinais de televisão, já que é a única empresa com contrato de concessão assinado com o Governo, em 1999. Mas, na prática, os "anteneiros" existem há 30 anos, quando nem legislação sobre o assunto existia e, por isso, acabam por ser suportadas pelo Executivo. "Não podemos dizer que os 'anteneiros' são ilegais, porque existe um problema histórico. Desde Junho de 2007 que deixámos clara a nossa posição: respeitamos o funcionamento dos 'anteneiros', mas a situação actual deve manter-se, não serão admitidas novas instalações", explicou Tou Veng Keong.
Sobre esta matéria, o Chefe do Executivo também já se fez ouvir. Em Cantão, onde se encontrava, disse que "o assunto está a ser tratado para encontrar uma solução razoável, esperando-se que a questão do acesso da população aos programas de televisão não seja tomado como moeda de troca".
De quem é o monopólio?
Os "anteneiros" limitam-se a transmitir sinais de vários canais, sem ter licença para o fazer, nem pagar direitos de autor. O Macau Post Daily de ontem dizia que as ilegalidades resultavam num serviço oferecido à população a 30 patacas, quando a TV Cabo cobra 168 patacas pelo pacote básico. Não é por acaso que os "anteneiros" detêm 90 por cento do mercado.
Mas nem isso o Governo põe em causa, desde que as empresas não tentem desenvolver ainda mais os seus serviços. Ora, foi isso que aconteceu.
Os "anteneiros" investiram dois milhões de patacas para trazer o sinal digital de Hong Kong, que permitiria ter televisão de alta definição em Macau. Os cabos ainda não estavam em funcionamento, mas bastou existirem para serem cortados pela DSRT, numa acção de fiscalização anteontem.
Às 16 horas de terça-feira, a DSRT esteve em negociações com as empresas. E às oito, o sinal aberto era desligado por nove "anteneiros". A DSRT estima que haja 15 grandes empresas que se dedicam a esta actividade.
Segundo o Macau Post Daily de ontem, Steve Lam, da Tak Va Antenna Company, garante que os cortes de cabos "estavam a ser feitos repetidamente há dois dias". E também ontem, Ieong Ka Gei, da Sai Kai Instalação Eléctrica, dizia que "esperamos que as autoridades não continuem com estes cortes de cabos, porque, se formos considerados ilegais, não podemos continuar. Queremos defender os interesses dos cidadãos, mas este serviço não pode ser oferecido apenas por uma empresa. Para além disso, o disposto no contrato de concessão não é uma lei".
Tou Veng Keong, por seu turno, não cede. "Esperamos que os 'anteneiros' considerem de forma prudente a nossa posição. Para qualquer acção governamental temos de estimar as consequências positivas e negativas".
Governo de mãos atadas
A verdade é que o Governo não pode muito para resolver a situação. Não admite que os "anteneiros" transmitam novos canais, pois já bastam os que já difundem ilegalmente. Os "anteneiros" não se querem deixar morrer, sem grande espaço de manobra para um desenvolvimento das empresas. "A única maneira de resolver isto é que tanto a TV Cabo como 'anteneiros' tenham os seus âmbitos de exploração. A proposta do Governo é que as duas partes negoceiem entre si", explica o director da DSRT, acrescentando que "já existe uma área exclusiva da TV Cabo, e os 'anteneiros' podem funcionar se não se intrometerem na zona de exploração da TV Cabo".
80 queixas
Até ao meio dia de ontem, a DSRT tinha recebido 80 chamadas com queixas dos residentes de Macau. "A população pede-nos informações, e nós contactamos a TV Cabo para que restabeleça ali a situação. O preço do serviço será apenas de 30 patacas, já que se trata de uma situação provisória", dizia ontem Tou Veng Keong. O Macau Post Daily citava Tou, que dizia considerar que a TV Cabo conseguiria chegar à cidade inteira no espaço de uma semana. O problema é que, nem em situações normais a TV Cabo chega a todos os edifícios de Macau.
Já em Julho de 2006, em entrevista ao Diário de Notícias, Henrique Granadeiro, presidente da PT, na altura dona da TV Cabo Macau, explicava que esta empresa era mal gerida e tinha um tamanho inadequado. Hoje, a empresa pertence a uma das principais "anteneiras", a KONG SENG, que não aderiu ao "blackout" de terça-feira.
A situação não parece ter fim à vista, com nenhuma das partes a querer ceder. Até lá, quem conseguir, poderá ter a TV Cabo ao preço de 30 patacas.
Aos outros, resta esperar. No meio disto tudo, a TV Cabo pode ganhar clientes, cansados dos braços de ferro.
CAIXA
As reacções da ANMD e dos Kai Fong
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Na terça-feira à noite, a Associação Novo Macau Democrático enviou um comunicado de imprensa onde condenava qualquer acção que prejudicasse os interesses da população. "A liberdade dos residentes de Macau em ter acesso aos meios de comunicação tem de ser garantida". Continuava dizendo que, em oito anos de existência da RAEM, a Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações ainda não fez nada para abrir o mercado da transmissão televisiva, e o resultado é um retrocesso na rede existente. A associação explicava que os residentes de Macau estavam incomodados por não poderem receber legal e gratuitamente sinais de televisão de alta definição. O comunicado finalizava comentando que "o Governo devia assegurar que os residentes de Macau pudessem ter acesso a vários meios de transmissão televisiva, de forma a prevenir um monopólio".
Ontem, a União Geral das Associações de Moradores de Macau também enviou uma carta à Direcção dos Serviços de Regulação de Telecomunicações dizendo que "esta situação prejudica o interesse dos cidadãos e pede-se ao governo que resolva a situação o mais rapidamente possível".