28.1.08

"CONTOS DE MACAU - VESTIDO PARA DANÇAR", 16 DE FEVEREIRO NO CCM
Como é que o seu guarda fatos o descreve?

O coreógrafo de Hong Kong Yuri Ng e os designers portugueses Clara Brito e Manuel Correia da Silva juntam-se a 24 dançarinas amadoras para criar um espectáculo inovador e experimental. A dança e a roupa cruzam-se no próximo dia 16, no Centro Cultural de Macau

Marta Curto

Os rolos de celofane vão ficando cada vez mais nus. Os designers portugueses Clara Brito e Manuel CS enrolam 24 jovens, que se inscreveram no workshop do coreógrafo de Hong Kong, Yuri Ng. No próximo dia 16 de Fevereiro, as dançarinas amadoras subirão ao palco do Centro Cultural de Macau no espectáculo "Contos de Macau - Vestido para Dançar", com coreografia de Yuri e guarda-roupa de Clara e Manuel.
O desafio de todos é grande, e a verdade é que, a pouco menos de um mês da actuação, ninguém tem um guião nas mãos. Mas nada disto é desorganização. Segundo o folheto promocional, a actuação basear-se-á em "danças tradicionais chinesas e em danças folclóricas, vertidas numa dança experimental". E tudo isto, com roupa à mistura.
Se o vestuário já serviu de mera protecção aos elementos da natureza, hoje em dia tem uma conotação social. Há roupa para as ocasiões, para estados de espírito ou condições atmosféricas. Há quem goste de roupa simples, confortável, há quem goste dela mais sofisticada, vistosa. Há quem use roupa por obrigação, há quem gaste ordenados inteiros a encher guarda roupas escolhidos a dedo. "Há quem adore uniformes porque sente que pertence a um grupo, há quem os odeie por lhe restringirem a identidade", explica Yuri. "Dê uma olhada no seu guarda-fatos: que tipo de pessoa descortina lá dentro?". É a pergunta que a actuação coloca ao público.
O celofane vai juntando mão com mão, anca com anca, perna com perna, mão com cabeça. O resultado é um aglomerado de gente que não pára de rir, de saltar e tentar mexer, de uma forma mais ou menos harmónica, os poucos membros do corpo que ainda estão soltos. Deixam rapidamente de ser gente, e o conjunto transforma-se num ser difuso, enorme, disforme.
Yuri põe Pink Martini a tocar e ri com o movimento do ser grotesco que se mexe à sua frente. Bate palmas, tira fotografias. É exactamente aquilo que quer, que as jovens tentem improvisar, fugir da dança convencional, onde todos os movimentos são livres. Todas têm formação em dança tradicional chinesa, mas nenhuma é profissional. "Num dos dias do workshop, pu-las a dançar musica tradicional chinesa, depois parei a musica, e pus uma rumba. Ela entenderam que podiam fazer os mesmos passos, mas a outro ritmo. E em vez de ser sempre para o mesmo lado, podiam improvisar. Libertaram-se dos movimentos tradicionais e foram inventando", explica Yuri, conhecido e reconhecido coreógrafo de Hong Kong e o criador do projecto.
Yuri estudou ballet em Hong Kong, no Canadá e na Inglaterra, tendo chegado a integrar a companhia nacional de ballet do Canadá. Em 1993, regressava à Ásia, para coreografar várias companhias de dança, nomeadamente o Ballet de Hong Kong, a Companhia de Dança de Hong Kong, Zuni Icosahedrons, Teatro de Dança Cloudgate 2, em Taiwan, Teatro de Dança de Singapura e Archi-Tanz, no Japão. Até hoje, ganhou inúmeros prémios e foi ele que 'escolheu' Clara e Manuel.
Clara conta que, a primeira vez, que viu Yuri foi quando este lhe entrou na loja Line Lab, que os dois têm no Beco da Melancia, em Macau. Veio comprar umas calças, e pouco depois foi-lhes apresentado como o mentor do projecto para o qual os dois eram convidados a participar. "Eu gosto da maneira de pensar deles, das questões que colocam. Esta ideia do celofane é deles, por exemplo", explica Yuri.
Manuel é português, mas cresceu entre Macau e Lisboa. Tirou o curso de Design Industrial e trabalhou em áreas como a cenografia, o design urbano, de interiores e de produtos. Em 2002, veio para Macau formar a empresa City Furniture Designers e em 2006 criava a Lines Lab Brand/ Laboratory com Clara Brito. Hoje, a dupla tem lojas em Hong Kong, Macau, Banguecoque, Lisboa, Barcelona e Milão.
Clara e Manuel já tentaram perguntar a Yuri o que esperava deles, "mas ele cortou logo a conversa. O objectivo é mesmo esse: ir-se construindo a ideia ao longo dos ensaios. E, no fundo, isso para nós é óptimo, dá-nos toda a liberdade e é o cenário idílico para um artista".

O vestido de noiva da pessoa que mais odeia

Às 24 jovens foi distribuído um questionário com várias perguntas. Escolha a sua cor preferida, a roupa que mais queria ter, a roupa de que quer livrar-se, as cores que prefere, quantos pares de sapatos têm. A roupa que melhor representa a China, Macau, e a si. "Não sei se terei sequer uma resposta a isto, mas eu também gostava de saber até que ponto elas se consideram chinesas, vivendo em Macau", admite Yuri. No fim do questionário, pede-se às dançarinas que desenhem um tipo de roupa: para sair à noite, um uniforme para uma escola de rapazes, roupa ecológica, um fato para um personagem de desenhos animados à prova de água e fogo, o vestido de noiva da melhor amiga, o vestido de noiva da pessoa que mais odeia, o fato ideal para ir a um funeral. "Houve imensas que escolheram o vestido de noiva da pessoa que mais odeia", conta Yuri a rir, acrescentando que as jovens que tem à sua frente não são pessoas simples, mas sim raparigas complexas, com perguntas e questões e debates dentro de si.
O celofane não serviu para testar um possível guarda-roupa, mas para testar as jovens, entendê-las, lê-las. E a verdade é que ao som ritmado, e fugazmente parecido a música sul-americana, as chinesas lá se iam libertando, tentando fazer do ser grotesco, um cisne harmonioso e coerente.
"Claro que eu tenho uma ideia do que irá acontecer em palco. Há certas fórmulas para fazer uma coreografia resultar. Mas não quero nada rígido. A minha ideia era ter as 24 jovens em palco durante a hora e meia de espectáculo, sem mudanças de roupa, sem idas à casa de banho, sem retoques de maquilhagem. Mas nem sei se isso irá acontecer. Logo se verá com o desenvolver do workshop. Nem tenho uma ideia da musica que irei por. Queria reunir uma série de temas que eu gostasse, mas não tenho mais nenhum critério de selecção".
O que se pode esperar do espectáculo de dia 16 é algo inovador. Experimental. Sem fórmulas de sucesso, sem movimentos facilmente previstos. Poder-se-ia chamar de criação de autor, se considerarmos que o autor são as dançarinas, o coreografo e os designers.

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