29.1.08

A estranha história da fundação
da Câmara de Comércio Luso-Chinesa


A Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, a assinalar 30 anos, foi criada pelo Partido Comunista Marxista Leninista, o único partido português reconhecido pela China depois de 1974

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Assinalam-se em Fevereiro os 30 anos da fundação da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCIL-C), mas para além dos festejos que estiverem previstos e das notícias que saírem há uma história no mínimo curiosa a envolver a criação desta CCIL-C.
Na verdade – e ao contrário do que possa parecer – não foram apenas empresários, muito menos ligados às grandes empresas como hoje acontece com os sócios da Câmara, os fundadores.
A CCIL-C foi criada a partir de uma organização comunista, a única reconhecida como parceira pela República Popular da China, a Associação Democrática de Amizade Portugal-China (ADAP-C), criada em 1975 pelo PCP (ML), isso mesmo, o Partido Comunista Português (Marxista Leninista)!
A fundação da Câmara data de Fevereiro de 1978 e nessa altura Portugal ainda não tinha relações diplomáticas com a China. Por outro lado, os primeiros contactos remontam a 1976, sendo que nessa altura a única entidade que estabelecia a ponte com Pequim, a partir de Lisboa, era o PCP (ML) e a sua Associação Democrática.
A relevância desta ligação era tal que na cerimónia de apresentação da Câmara, a 20 de Fevereiro, estiveram presentes dois ministros, incluindo o dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado (do CDS).

O PCP (ML) de Vilar

Apesar de na página da Câmara de Comércio e Indústria se ler que «Em Outubro de 1976, um grupo de comerciantes e industriais portugueses encetou diligências para a criação de uma Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, com o objectivo de, numa base de mútuo interesse, facilitar e fomentar o intercâmbio económico entre Portugal e a República Popular da China», a verdade é que, havendo alguns industriais nos dez fundadores, foram os elementos da ADAP-C os impulsionadores da Câmara.
E se o primeiro presidente foi António Nolasco, são nomes como Heduíno Vilar, Rogério de Matos ou Carlos Ricardo que estão na base da criação. Os dois últimos farão parte do núcleo fundador da Câmara, desligando-se posteriormente. Já Heduíno Vilar, o líder do PCP (ML) não consta da lista inicial, mas é ele o primeiro destinatário das palavras de agradecimento de António Nolasco, no editorial do primeiro boletim da Câmara (um ano depois).
Vilar – de acordo com as últimas informações, agora militante do PSD – era o cérebro do PCP (ML) e de toda a sua operação, sendo que o partido foi criado em 1972, estava Vilar na Bélgica, exilado. A sua liderança era de tal maneira forte que ainda hoje se podem encontrar referências ao «PCP (ML), ramo Vilar».
Após o 25 de Abril de 1974, e perante a sovietização do PCP, a China encontrou na estrutura de Heduíno Vilar um interlocutor altamente privilegiado.

Três delegações para a China

Numa reportagem publicada por ocasião do restabelecimento de relações diplomáticas com a China, no Expresso, podia ler-se sobre o trabalho da ADAP-C e do seu secretário-geral: «Carlos Ricardo levou à China três delegações ‘representativas das forças democráticas portuguesas’ (o PCP, considerado «um agente do social-imperialismo soviético», estava excluído [sendo hoje o principal aliado da RPC em Portugal]). “As nossas viagens eram concertadas com as autoridades portuguesas e processavam-se paralelamente às conversações que decorriam em Paris.”
Para a primeira viagem, no Verão de 1976, “a Presidência da República indicou o tenente-coronel Hugo dos Santos”. Além de amigo do general Ramalho Eanes, aquele oficial tinha sido adido militar na Roménia, onde teve “alguns contactos” com diplomatas chineses. Ele levava, aliás, “uma mensagem do Presidente português” e em Pequim foi tratado com “especial deferência”.(…) A pioneira delegação integrava ainda o tenente-coronel Geraldo Estevães, oficial da Força Aérea e futuro chefe de gabinete de Eanes em Belém, e quatro representantes dos “partidos democráticos”: Pedro Roseta e Alfredo de Sousa (PSD), Pedro de Vasconcelos (CDS) e Álvaro Guerra (PS). “Os chineses garantiam o alojamento e as deslocações dentro da China. O avião até Pequim era pago pelos partidos, ou pelo Estado, no caso dos militares.” O CDS indicou o nome de um deputado de Macau, mas, “para evitar susceptibilidades”, Carlos Ricardo sugeriu que o partido escolhesse outra pessoa. “Macau não era um problema e sabíamos que mais tarde ou mais cedo o caso seria resolvido, mas tínhamos um certo pudor em falar disso.” “Macau estava associado ao jogo” e, portanto, “nunca se falava de Macau”.
Em Outubro de 77, Carlos Ricardo voltou a Pequim com outra delegação. De novo dois militares (o brigadeiro Pires Veloso e o capitão Tomás Rosa) e, pela primeira vez, um representante do patronato, o secretário-geral da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP), José Manuel Casqueiro. O PS, o PSD e o CDS enviaram, respectivamente, Jaime Gama, Barbosa de Melo e Adelino Amaro da Costa.
A última grande viagem organizada pela ADAP-C – com a equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal – foi em Julho de 78, para o recém-campeão nacional. O futebol chinês era amador e a China não estava sequer filiada na FIFA. Dos três jogos que disputou, em Pequim e Kunming, o Sporting ganhou dois e empatou um.»
Em Fevereiro de 1979 são restabelecidas finalmente as relações e o diálogo entre os dois países entram numa situação de normalidade. O PCP (ML) e a sua Associação satélite desaparecem e a Câmara de Comércio e Indústria é «tomada» pelos seus principais interessados.

Novos estatutos (e objectivos)
em 1999

Os estatutos da Câmara do Comércio e Indústria Luso-Chinesa (o «do» faz parte da primeira designação, embora já não conste no editorial do primeiro boletim) mantiveram-se em vigor de 1978 até 1999, altura em que são remodelados na íntegra.
O «do Comércio» é substituído formalmente por «de Comércio», mas esse é apenas um pormenor.
Ao nível dos objectivos da CCIL-C há uma mudança significativa: se antes se falava em «promoção e a dina¬mização das relações entre a República Popular da China e Portugal, numa base de interesse mútuo», na versão de 1999, que está em vigor, já se refere «o fomento e dinamização das relações económicas e comerciais entre a República Portuguesa e a República Popular da China e o entrosamento entre empresas e instituições dos dois países, numa base de interesse mútuo».
As alterações corrigem não só a desadequação que resulta do restabelecimento das relações diplomáticas mas também da própria complexidade do relacionamento comercial entre os dois países.
Mas se a revisão dos estatutos é de 1999, muito antes o núcleo inicial que fundara a Câmara perde interesse.
Se alguns dos fundadores, como António Nolasco ou Nuno Matias se sabe que já morreram, dos outros perdeu-se o rasto. O PONTO FINAL conseguiu apenas falar com Damasceno da Silva Carvalho, que disse não se lembrar de basicamente nada desses tempos. Também tentámos entrar em contacto com Rogério Matos, mas sem sucesso.
Da lista é possível reconhecer um nome com ligação a Macau: Henrique de Jesus foi secretário-adjunto no final da década de 70, com o pelouro económico. Dos restantes, e à excepção do referido Carlos Ricardo, nada mais se sabe. Mesmo a CCIL-C, tanto quanto o PONTO FINAL apurou, não tem mais informações.
Curiosamente no já citado texto de António Nolasco, que é verdadeiramente o primeiro documento da Câmara, aparecem referências a dois nomes: Silas Chou (que não sabemos se tem alguma ligação com o empresário têxtil de Hong Kong com o mesmo nome) e Manuel Bulhosa, empresário e milionário ligado às ex-colónias e ao petróleo, mas também à criação da Livraria Betrand ou o jornal Expresso. De alguma forma Bulhosa foi o primeiro grande empresário ligado à Câmara (como presidente da Assembleia Geral), uma vez que hoje, da PT ao Grupo Amorim, da EDP à Caixa Geral de Depósitos, estão lá os principais grupos económicos e empresários.

Os fundadores

António Nolasco,
Abílio Rogério de Freitas Barbosa de Matos,
Luís Manuel Alçada Padês,
José Luís de Chagas Henriques de Jesus,
Augusto António Campelo de Azevedo Batalha,
António Firmino Branco Rodrigues,
Nuno Filipe Vieira Matias,
António Manuel Campos Batalha Machado da Graça,
Carlos Ricardo
Damasceno da Silva Carvalho

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