A braços com protestos no Tibete, China passa a "atacar o mensageiro"
Pequim dá "lições" de jornalismo
Depois de expulsar os jornalistas estrangeiros do Tibete e de impedir a entrada nas províncias ocidentais da China, Pequim passou a atacar a forma como a imprensa ocidental noticia as manifestações contra o domínio chinês no Tibete
Pequim dá "lições" de jornalismo
Depois de expulsar os jornalistas estrangeiros do Tibete e de impedir a entrada nas províncias ocidentais da China, Pequim passou a atacar a forma como a imprensa ocidental noticia as manifestações contra o domínio chinês no Tibete
A China, que até aos protestos das duas últimas semanas, argumentava que tudo o que se passava no Tibete era uma questão doméstica e que por isso fora da discussão pelos estrangeiros, passou agora a acusar a imprensa ocidental de "hipocrisia", "manipulação"e "distorção" na cobertura das manifestações da passada semana.
Ao enfrentar os maiores protestos desde 1989 contra a administração chinesa no Tibete, que pela primeira vez se espalharam por outras províncias ocidentais da China - Sichuan e Gansu, sobretudo - Pequim usa agora a imprensa chinesa, toda estatal, para sublinhar que as manifestações no Tibete são uma criação do "grupo do Dalai Lama" e da manipulação mediática ocidental.
Tal é, pelo menos, a visão dos acontecimento que o Departamento de Propaganda do Partido Comunista da China -que tem a palavra final sobre o conteúdo dos meios de comunicação social chineses - deseja passar.
A agência noticiosa oficial chinesa Xinhua publicava ontem uma entrevista a "peritos chineses em jornalismo" que "condenam as notícias parciais dos motins em Lassa publicadas na imprensa ocidental".
"As notícias violaram as regras éticas da imprensa de todo o mundo", disse Guan Shijie, professor de Jornalismo na Universidade de Pequim, que acusou também a imprensa ocidental de "querer aproveitar os motins para sujar a imagem da China e servir os seus próprios interesses políticos" que Guan, no entanto, não chegou a especificar.
Numa crítica à falta de independência dos jornalistas ocidentais, o Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista Chinês, acusa a imprensa ocidental de "hipocrisia" por não mostrar a violência por parte dos tibetanos e por chamar de "repressão"os "esforços do governo para restaurar a ordem".
"Como investigadora da comunicação, fiquei em fúria ao ver as reportagens", disse à agência noticiosa chinesa Zhang Kai, professora na Universidade de Comunicações da China, dizendo o que sentiu ao ver nos meios de comunicação estrangeiros aquilo que a agência chinesa chama de "notícias fabricadas e distorcidas", em especial da cadeia britânica BBC.
No entanto, a Xinhua não chega a explicar como Zhang poderá ter tido acesso às notícias ocidentais, uma vez que o governo chinês passou desde o início dos protestos no Tibete, a 10 de Março, a bloquear o acesso aos jornais estrangeiros na Internet e a censurar quase todos os meios de comunicação estrangeiros, incluindo a BBC, que tem o acesso ao sítio na Internet bloqueado e cuja transmissão televisiva - tal como a americana CNN - o governo corta sempre que se fala no Tibete, com os ecrãs negros até ao fim das reportagens específicas.
Ataques de ódio
Numa consequência que talvez o governo chinês esperasse ou não, a vaga de ódio contra a imprensa estrangeira já passou para as páginas de discussão na Internet e daí para a sociedade.
Depois dos contactos de um grande grupo norte-americano de jornalismo terem sido publicados na Internet, a redacção foi invadida por ameaças telefónicas e por fax à segurança dos jornalistas. A empresa teve de fechar por algumas horas até reforçar o número de pessoal de segurança para proteger os repórteres.
O Clube de Correspondentes Estrangeiros alertou ontem para a possibilidade de ataques contra os jornalistas estrangeiros nas ruas das principais cidades chinesas, a menos de cinco meses dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, quando a capital chinesa espera mais de 20 mil repórteres.
Os ataques à imprensa estrangeira fazem-se também por via electrónica. Disfarçados em mensagens que, supostamente, adiantavam números de telefone de familiares das vítimas mortais da repressão chinesa contra os tibetanos, a caixa de correio electrónico da Agência Lusa em Pequim recebeu vários e-mails que continham vírus.
Em contraste com o espaço dedicado à imprensa ocidental, a imprensa chinesa não divulgou nunca até agora quais as razões de queixa dos manifestantes tibetanos, nem disse que o governo chinês isolou o Tibete e as regiões ocidentais da China a todos os estrangeiros, muito em especial aos jornalistas.
A edição do fim-de-semana do jornal oficial China Daily, o maior jornal estatal de língua inglesa da China, clamava na manchete que os "Distúrbios em Lassa mostram manipulação da imprensa ocidental ".
A ilustrar a reportagem, fotografias das páginas da CNN, do jornal norte-americano Washington Post e do jornal alemão Berliner Morgenpost que, de acordo com o China Daily, provam a "manipulação de factos".
Na passada semana, na mesma conferência de imprensa em que exigiu "ver notícias justas e objectivas que sigam a ética jornalista", o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês não conseguiu mais que prometer em termos vagos o acesso dos jornalistas estrangeiros ao Tibete, dizendo que "está ser conduzido o trabalho relevante para uma visita a Lassa, sobre a qual serão dadas mais informações na devida altura".
Em apoio da visão chinesa dos acontecimento no Tibete, a Xinhua chega mesmo ontem a recorrer ao apoio do jornal oficial do regime estalinista da Coreia do Norte, Rodong Sinmun, que afirma que as "forças repugnantes internacionais que tentam politizar e destruir os Jogos Olímpicos de Pequim estão condenadas ao fracasso" e que as manifestações no Tibete foram "obviamente organizadas por separatistas tibetanos, com a intenção de destruir os Jogos Olímpicos".
A notícia da Xinhua nunca refere que não existe liberdade de expressão na Coreia do Norte, nem que Pequim é um dos poucos aliados do regime norte-coreano.
Na sexta-feira, a Xinhua afirmou a versão de Pequim quanto ao balanço dos protestos contra a administração chinesa no Tibete, afirmando que morreram 18 civis "inocentes" e um polícia.
O governo tibetano no exílio no norte da Índia contesta este número e afirma que a repressão chinesa sobre os manifestantes já fez pelo menos 130 mortos no Tibete e nas províncias chinesas vizinhas que abrigam minorias tibetanas.