28.4.08

Viagem do então governador Garcia Leandro ao continente, em 1978
A visita que abriu o espaço de Macau

Garcia Leandro foi o primeiro governador a visitar a China desde 1949. Sem relações diplomáticas. Uma visita que serviu para desbloquear o aeroporto e as ligações de helicóptero a Hong Kong

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Há 30 anos o então governador de Macau visitava a China.
Dito assim, não se percebe o interesse da história. Mas se acrescentarmos que Garcia Leandro foi o primeiro governador a visitar a China depois de 1949 e que nessa altura Portugal e a República Popular da China ainda não tinham restabelecido as relações diplomáticas, já se perceberá a importância histórica desta deslocação, que sem ter tido um carácter oficial foi tratada ao mais alto nível em Lisboa e despertou muito interesse por exemplo em Hong Kong.
Garcia Leandro, a pedido do PONTO FINAL, recuperou memórias e alguns factos, alguns deles certos no livro que vai escrever sobre a experiência de Macau. «Tanto em Macau, como em Hong-Kong, a visita foi muito saudada, tendo havido da parte de HK algum ciúme, já que o convite foi feito a Macau em primeiro lugar; o Governador de HK só uns anos mais tarde visitou a China».

Da diplomacia do pingue-pongue
à visita da família

Depois da Revolução de 1974 Portugal manifestou de imediato interesse em restabelecer as relações diplomáticas com a China. Mas seja porque a China desconfiava do caminho político que Portugal seguiria seja porque a própria China vivia momentos de instabilidade política, a verdade é que só em 1979 é que esse restabelecimento se deu.
Não faltaram nesse entretanto – como descreve Moisés Silva Fernandes na sua «Sinopse de Macau» - sinais de aproximação e manifestações de boa vizinhança – nas quais se deve inserir esta visita de Garcia Leandro, o primeiro governador depois da Revolução.
«O contexto político desta primeira visita à China de um Governador de Macau depois de 1949 foi o da diplomacia de pingue-pongue, como era então conhecida a diplomacia de aproximações sucessivas que a China fazia em relação a outros países», lembra Garcia Leandro, acrescentando que «a eleição do General Ramalho Eanes para Presidente da República em 1976, o comportamento dos I e II Governos Constitucionais chefiados pelo Dr. Mário Soares e a actuação do nosso Governo em Macau foram retirando tais dúvidas», ou seja, de sovietização de Portugal.
Curiosamente o processo de aproximação e de normalização entre Portugal, China e Macau começa de uma forma um pouco insólita. Em Maio de 1977, os pais e a sogra de Garcia Leandro, que visitavam o Território, realizam uma «excursão» (no dizer de Moisés Silva Fernandes) pela província de Guangdong, a convite de Ho Yin (pai de Edmund Ho). O ex-governador recorda que «na altura o assunto foi muito noticiado não só em Macau, mas também em Hong-Kong. Foram acompanhados por ele e pelo Sr. Roque Choi e Esposa. Entretanto, em Macau íamos recebendo delegações artísticas, culturais e desportivas da China e, mais tarde, o Ministro do Comércio Externo e o nº 2 do Ministério da Saúde».

Resultados da visita:
a abertura do espaço aéreo

É, pois, neste contexto que surge o convite para Garcia Leandro ir à China, numa visita «classificada de amizade e particular» e a convite de O Cheng Peng [Ke Zhengping], presidente do Banco Nam-Tung, da Sociedade Comercial Nam-Kuong e representante oficioso da RPC em Macau, e de Ho Yin, «tendo sido tratada com Lisboa ao mais alto nível (Presidente Ramalho Eanes e primeiro ministro Mário Soares), como parte desse processo integrado que tinha a sua sede em Paris com o Embaixador Coimbra Martins». De 21 de Abril a 8 de Maio de 1978 o Governador, acompanhado pela mulher, pelo Ajudante-de-Campo, Capitão Caldeira, e pelo secretário, Mendes Lis, mais os casais Roque Choi e Morais Alves, visitaram, entre outras paragens, Cantão, Hangzhou, Guilin, Nanquim e Xangai, por estrada, comboio e avião. O ex-governador lembra-se que em todo o lado foram recebidos «como convidados de honra» e «em todos os locais vimos tudo quanto quisemos dentro do ambiente que existia naquela época, nomeadamente de carácter cultural, económico e turístico».
«O encontro mais importante que tive foi com o Vice-Governador de Cantão já no regresso, a 6 de Maio, numas Termas nos arredores de Cantão, em que foram tratados todos os assuntos com interesse para Macau, até se concretizarem as Relações Diplomáticas, nomeadamente sobre quais os canais a serem utilizados para se ganhar eficácia e rapidez, o futuro aeroporto de Macau e as ligações por helicóptero entre HK e Macau», revela pela primeira vez o então Governador. Estes dois últimos assuntos eram de extrema importância para o futuro de Macau e dependiam sobremaneira da China. «Por coincidência ou não, as autorizações políticas para o Aeroporto e para as ligações via helicóptero com HK foram dadas duas semanas depois do meu regresso a Macau. A ligação por helicóptero começou no tempo do meu sucessor, General Melo Egídio, enquanto que o processo do Aeroporto arrancou a sério no tempo no tempo do Governador Almeida e Costa, para se vir a concretizar mais tarde».

A saída antes da assinatura

A visita deu, pois, os seus frutos e, com mais ou menos peripécias, as relações diplomáticas foram restabelecidas… mas não a tempo de Garcia Leandro.
A sua missão terminara entretanto e será substituído por Melo Egídio (posse a 9 de Fevereiro de 1979, o dia seguinte ao restabelecimento).
O regresso a Lisboa faz-se através de Hong Kong em direcção a Pequim, numa visita particular de amizade, «a convite das suas autoridades, nas vésperas da concretização das relações diplomáticas», e ainda no meio de vários rumores envolvendo esse processo e o estatuto de Macau – Garcia Leandro chega a fazer declarações já em Hong Kong, «totalmente surpreendido» como se pode ler em «As duas transições», de Fernando Lima.
Ao PONTO FINAL Garcia Leandro recorda que em 1978 «a distância por estrada de Macau a Cantão era de 158 km no estuário do Rio das Pérolas, com muitos braços de rio. Nessa altura ainda faltavam cinco pontes, o que obrigava à utilização de batelão. Numa delas, a mais longa, estava pronto o tabuleiro da ponte com dois grandes pilares, mas não existiam os acessos. Estes, estavam a ser construídos com base em algumas centenas de trabalhadores em cada uma das margens, que transportavam a terra e pedra no sistema tradicional de dois cestos suportados por uma ligação apoiada no pescoço. Lembro-me de ter comentado sobre quais seriam as consequências quando pusessem a trabalhar duas máquinas em cada uma das margens. Em 1993, no tempo do Governador Rocha Vieira, voltei a visitar Cantão, agora com relações diplomáticas, e com escolta oficial, por uma auto-estrada com estas pontes todas terminadas e encontrando uma Cantão já diferente. Em apenas 15 anos tinha sido a revolução estrutural, económica e tecnológica de Deng Xiaoping. Não vale a pena comparar com 1999 e ainda menos com 2008».

CAIXA
Presidente Eanes na China em 1976…

A ficção ultrapassa muitas vezes a realidade, mas não é este o caso.
Ao contrário do que diz Beatriz Basto da Silva, na sua «Cronologia da História de Macau» (volume 5, respeitante ao século XX), o Presidente da República Ramalho Eanes não visitou a China em 1976.
Teria sido, sem dúvida, uma visita que poderia ter mudado o curso da história, mas só em ficção se poderia pensar que um Presidente poderia visitar um país com o qual não havia relações diplomáticas. Além do mais o próprio Eanes só foi empossado nesse lugar em Julho desse ano…
De acordo com o livro (página 139), Ramalho Eanes «confirmou que o Estado português respeitaria os compromissos já assumidos para com a RPC e que a data e o modo de transferência de soberania em Macau seria objecto de negociações, numa base de respeito indeclinável pelos interesses de Macau, RPC e Portugal».
Ramalho Eanes, enquanto Presidente, visitou a China em Maio de 1985, como confirma a «Cronologia» de Beatriz Basto da Silva (e tinha estado, em comissão militar, nesta antiga colónia entre 1962 e 1964).

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