O Centro de Produtos Portugueses
que não existe
Foi uma promessa de Sócrates há um ano, aqui em Macau; um ano depois o Centro de Distribuição de Produtos Portugueses na China não saiu do papel. Ou dos papéis, já que foram muitos os documentos assinados…
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
que não existe
Foi uma promessa de Sócrates há um ano, aqui em Macau; um ano depois o Centro de Distribuição de Produtos Portugueses na China não saiu do papel. Ou dos papéis, já que foram muitos os documentos assinados…
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
Saberá o primeiro-ministro português que uma das principais iniciativas da sua visita à China, há exactamente um ano, não só não avançou como se encontra em situação indefinida – tanto quanto o PONTO FINAL conseguiu apurar?
Na verdade, o Centro de Distribuição de Produtos Portugueses na China, adiante apenas Centro, estava prometido para avançar um ano depois, mas na verdade não chegou a sair do papel – ou dos papéis, porque, ao que parece, estamos na fase da burocracia.
O optimismo, na primeira metade do ano, era tanta que o então delegado do ICEP (agora AICEP) em Pequim chegou a anunciar, em Abril, que o Centro estaria a funcionar no final do Verão. Outras previsões, mais pessimistas, apontavam para o Outono. Agora fala-se no primeiro trimestre deste ano.
O Centro, no entanto, não avançou.
A última iniciativa conhecida foi a assinatura, a 3 de Fevereiro do ano passado, da escritura de constituição do Centro, num acto realizado em Macau. Para trás ficaram a assinatura do acordo para a constituição do Centro, em Setembro de 2006 (à margem do 2º Fórum para a Cooperação) e o próprio contrato de constituição e estatutos da sociedade durante a visita de Sócrates a Macau.
Em Outubro, Basílio Horta, presidente da AICEP, falou em «processo de reorganização», uma vez que a Nam Kwong lhe terá explicado que afinal existiam dificuldades em «registar a sociedade por vários formalismos que não eram cumpridos» (sic). Basílio Horta revelou nessa altura que esperava ter o Centro a funcionar no primeiro trimestre de 2008.
Ou seja, não foi por falta de papéis que o Centro não avançou. Então foi porquê? Que formalismos eram esses que demoraram mais de um ano a serem percebidos? O PONTO FINAL enviou, no final da semana passada, essas perguntas ao AICEP, mas o administrador encarregado do assunto encontra-se fora de Portugal e vai ser preciso esperar alguns dias.
O que se sabe, de acordo com o que foi noticiado por ocasião da visita do primeiro-ministro português à China, é que o então Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP), as associações Industrial de Portugal (AIP), Empresarial de Portugal (AEP), a Escom (Grupo Espírito Santo), o BCP/Millennium e o Banco Efisa assinaram um contrato de investimento e de estatutos da sociedade “Centro de Distribuição de Produtos Portugueses na China”.
Esta empresa – uma sociedade de direito chinês – terá a Nam Kwong como responsável pela gestão do centro, que será constituído por um armazém (no Parque Transfronteiriço com Zhuhai), um núcleo de apoio ao investimento e um centro para o contacto directo entre potenciais compradores.
A empresa pretende funcionar numa base de apoio logístico às companhias portuguesas que, depois de escolherem os mercados onde querem promover os seus produtos, podem recorrer aos serviços do centro para que estes cheguem aos consumidores.
Várias hesitações
Entre estas intenções e a realidade passaram não apenas alguns meses mas também várias hesitações.
Foi por exemplo anunciado que a empresa teria uma sucursal em Xangai e também um escritório em Lisboa, para além da estrutura no Parque Transfronteiriço. Ou seja, algo que nascia com determinada ambição e capacidade evoluiu rapidamente para um plano bem mais ambicioso. Uma fonte do ICEP chegou a dizer à Lusa que a instalação em Macau seria "uma estrutura simples de armazém com escritório” (e que demoraria três meses até tudo estar pronto).
Foi também anunciado que a sociedade criada em Fevereiro teria sete administradores, três dos quais chineses, mas que o capital seria distribuído em igual quantidade entre as partes portuguesa e chinesa. Além do mais, a gestão seria chinesa, além de se tratar de uma sociedade de direito chinês.
A última informação que chegou ao PONTO FINAL é que se discutia a presidência da sociedade, nomeadamente se seria rotativa.
Outro dado que ficou claro, depois de ouvidos vários especialistas, é que a localização oferecia muitas dúvidas – por limitar a acção basicamente à província de Guangdong, enquanto é Xangai que está na moda. A informação de que haveria uma sucursal na zona da capital financeira da China (desconhecendo-se o que isso significa ao nível físico), seria uma resposta a essas inquietações. No entanto, são de relevar, neste contexto, declarações do então delegado do ICEP em Macau, que na altura passaram despercebidas. No próprio dia em que Sócrates presidiu à assinatura do contrato, e portanto já depois de ter sido revelada a localização, Manuel Geraldes anunciou que afinal a localização do Centro não estava completamente assegurada e que além de Xangai o Centro também teria uma delegação em Cantão.
Uma coisa é certa: o Centro sofreu uma paragem a partir de Abril. Se até então se discutiam os papéis, depois disso entrou-se em hibernação. Não voltou a surgir qualquer informação, mas é seguro informar que o Centro, o tal Centro que estaria a funcionar a partir do fim do Verão do ano passado, não existe.
Um dado final, que não é suficiente para pôr em causa o projecto, mas que não deixou de provocar alguma desconfiança: apesar de algumas tentativas, o ICEP não conseguiu atrair para este Centro empresas portuguesas com interesses na China. Tratando-se de uma plataforma para distribuir produtos portugueses neste país, faria sentido que os maiores exportadores estivessem presentes (a corticeira Amorim seria um exemplo). Mas, pelos vistos, a Agência que agora coordena a actuação nos mercados externos limitou-se basicamente a juntar associações empresariais e instituições financeiras. Nessa intervenção em Outubro, por ocasião da abertura do Centro de Negócios de Singapura, Basílio Horta explicou que foi decidido fazer um novo plano de negócios, com os produtos que serão prioritários, e «depois, pegar no plano, ir para Portugal e interessar empresas no projecto». Também o capital inicial da sociedade terá de ser aumentado e rematou com esta frase: «mais importante é ter um centro que funcione, não ter um papel assinado».
Duas outras iniciativas
Mais sucesso está, tanto quanto parecem indicar as informações disponíveis, uma outra iniciativa do governo, apresentada na mesma altura, e que visa tornar os portos portugueses, nomeadamente Sines, num interposto privilegiado para os produtos chineses entrarem na Europa.
Elementos do Ministério das Obras Públicas e Transportes têm realizado várias iniciativas que culminaram, nos últimos dias, com a entrada em funcionamento do primeiro serviço regular directo entre os dois países.
Xangai a Sines passa a demorar 20 dias e de Hong Kong ao mesmo porto apenas 17 dias, via Canal do Suez, de acordo com as informações divulgadas pela armadora suíça que assegura a ligação.
Outra iniciativa relacionada com a visita de Sócrates à China está mais indefinida: o governo gostaria que, aproveitando o próprio acordo para o Porto de Sines, a China criasse em Portugal um Centro de Distribuição de Produtos Chineses na Europa. Seria localizado no distrito de Setúbal (Poceirão), aproveitando uma gigantesca estrutura que está a ser construída e gerida pela Mota Engil (em colaboração com o grupo Espírito Santo, que também está presente no Centro de Zhuhai, através da Escom). A Nam Kwong assinou um primeiro acordo com a empresa portuguesa, mas a Plataforma estará a funcionar apenas em 2009, pelo que até lá pouco se saberá.