9.3.08

CCAC apresenta proposta sobre alargar combate ao sector privado até Julho
Corrupção: difícil de definir, fácil de identificar

Marta Curto

"Não queremos ser nós a definir a legislação de combate à corrupção no sector privado. Queremos organizar mais palestras para que a sociedade participe nas iniciativas, dê sugestões e nos mostre as suas vontades e dúvidas", explicou Endy Tou Wai Fong, adjunta do comissário e directora dos serviços de provedoria de justiça do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), durante o fórum realizado ontem sobre Sector Público e Sector Privado: Integridade para a Justiça.
Endy Tou Wai Fong explicou que o Comissariado tencionava ter a proposta pronta no primeiro semestre deste ano, para a entregar, até Julho, à Assembleia Legislativa. "Mas para isso temos de trabalhar muito e ter mais debates como este", admitiu.
O fórum ouviu as opiniões de Tony Kwok (Ex-adjunto do comissariado e director de operações da Comissão Independente contra a Corrupção de Hong Kong), Pang Kin-kee (juiz de primeira instância do Tribunal Superior de Hong Kong), Paulino Comandante (secretário da Associação dos Advogados de Macau), Maria Leonor Assunção (ex-assessora do gabinete da Secretaria para a Administração e Justiça da RAEM e ex-professora de direito penal na Universidade de Macau), Júlio Pereira (procurador - geral adjunto e secretário-geral do sistema de informações da República Portuguesa) e Manuel Simas Santos (juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal). "Organizámos este fórum para ouvir as experiências externas de Hong Kong, que é uma sociedade muito próxima de Macau, mas também quisemos opiniões de especialistas portugueses, porque o nosso direito é feito à luz do direito português", explicou Endy Tou Wai Fong.

Corrupção e crime organizado

"Quando eu estive no CCAC não havia movimentação internacional no combate à corrupção, hoje até há o apoio da ONU", explica Júlio Pereira, que foi adjunto do alto comissariado do ACCCIA (antecessor do CCAC) entre 1992 e 1995.
A verdade é que, embora se tenha começado a falar em corrupção em 1906 no Prevention Corruption Act inglês, só eram tratados crimes de corrupção da função pública. Corrupção é aliás um termo especificamente ligado à administração publica, acabando por ser usado para o abuso de poder no sector privado nos anos 90, quando o assunto começou a ser legislado pelo mundo fora. Em duas décadas, a corrupção privada passou a ser combatida através de convenções internacionais, muito por estar ligada ao crime organizado. Aliás, Maria Leonor Assunção disse mesmo que "a corrupção é um mecanismo indispensável ao crime organizado".
A mesma tentou definir tipos de corrupção do sector privado mas admite que nem as normas internacionais conseguem definir um tipo de ilícito. "Mas podemos dizer que é quem vá contra os seus deveres de boa prática e deontologia da sua função". Júlio Pereira diz que, se perguntarem a um juiz para definir corrupção, ele não conseguirá. "Mas sabe identificá-la se a vir", continua. O problema é que a legislação não se faz (só) de jurisprudência, nem de ângulos de visão. E a missão do CCAC para os próximos meses não se mostra fácil.
"Singapura tem legislação contra a corrupção desde os anos 60, e Hong Kong desde finais de 70. Foi quando quiseram ser um centro económico e financeiro internacional que tomaram medidas contra a corrupção, para transmitir uma confiança no local onde se investe e nos produtos que se compram", explicou Júlio Pereira, seguindo a ideia generalizada do fórum, de seguir o modelo da RAE vizinha por ser a sociedade mais parecida com Macau.
A questão é que, como explicou Mário Chaves, ex-presidente Colectivo do Tribunal Judicial de Base de Macau e moderador da segunda parte do fórum, "temos de ver que a realidade sócio-cultural de Macau, tem mais semelhança com Hong kong do que com Portugal. Há que passar pela análise do sucesso do combate à corrupção em Hong Kong, mas também não podemos negar que a realidade do direito de Macau não tem nada a ver com o direito anglo-saxónico, mas sim de Portugal. Se só virmos Hong Kong vamos largar os valores fundamentais pelos quais a RAEM se rege, que vêm do direito português".

Educação do povo

"Quando há corrupção no sector público, há uma reprovação comunitária, social, e na China, a função pública é vista como um cargo de representação da nação, onde o funcionário tem de ser perfeito, transparente, defendendo os interesses da nação e não os seus próprios interesses", explica Maria Leonor Assunção, introduzindo outro dos problemas com que o CCAC terá de lidar.
"Isto é também uma questão de educação do público. Em Portugal, por exemplo, a nível do sector privado, a população já está preparada para a corrupção no jogo, porque já houve vários processos, mas a nível comercial ainda se falou muito pouco". Poder-se-ia pensar que seria tudo uma questão de valores de cidadania, já que muitas das pistas dadas para a detecção de casos de corrupção provêm de suspeitas civis, sobretudo de empresas concorrentes aquela onde existe corrupção, mas Júlio Pereira admite que "a corrupção em Hong Kong era punida antes de haver democracia. A corrupção é um mal para o qual o mundo tem sido alertado nos últimos anos". Continua, citando uma executiva francesa, "o suborno está para a concorrência económica como o doping está para a concorrência desportiva. Mas no desporto há maneira de detectar o doping. O suborno é denunciado pela concorrência". E em Macau, a concorrência não é pouca, nomeadamente entre os casinos, que como disse Júlio Pereira, é um dos sectores estratégicos de Macau.
"Tal como os bancos e os seguros. Penso que têm de ser criadas medidas que preservem a credibilidade destes sectores, mas não pode haver um regime estanque para certas áreas de negócios senão vamos ter gente a perguntar 'porquê nós e não os outros?'".
Manuel Simas Santos admite que "acho que tem de haver um organismo eficaz de combate à corrupção com meios técnicos, pessoas qualificadas que saibam analisar contas bancárias e outros documentos. Há que ser activo, e procurar apanhar os actos de corrupção em flagrante, não esperando até acontecer alguma coisa para depois analisar três camiões cheios de documentos".
Esta pode ser uma das razões para uma das polémicas que envolvem o CCAC e que já foi alvo de uma petição entregue na Assembleia Legislativa: o facto de não existirem prazos de término para as investigação do comissariado. É por exemplo o que ainda hoje está a acontecer no caso Ao Man Long. A Lei Orgânica do Comissariado contra a Corrupção explica que aos inquéritos abertos não se aplica o artigo 258 do Código de Processo Penal, que diz que "o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de 6 meses, se houver arguidos presos, ou de 8 meses, se os não houver". Portanto, no caso do CCAC abrir um inquérito este poderá durar ad eternum, até ser deduzida uma acusação. Há suspeitas sobre Ao Man Long que estavam a ser investigadas quando ele foi preso e que ainda estão em investigação.
"Os prazos de prescrição de casos são ordenadores, a investigação penal continua sempre independentemente do prazo. O prazo estipulado é o prazo ideal, mas nem sempre é o possível", explica Júlio Pereira.

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