Ex-secretário concluiu ontem o testemunho no TJB
Ao sugere frente-a-frente com Carion
O ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes terminou ontem o testemunho no TBJ acusado de dar respostas inferiores às de uma criança de três anos. As contradições e falhas de memória foram uma constante, excepção feita ao facto de não ter viciado concursos públicos. A afirmação choca com o depoimento do director da DSSOPT mas Ao mantém-se firme. A ponto de dizer que está disponível para uma acareação com Jaime Carion
Sónia Nunes
Ao sugere frente-a-frente com Carion
O ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes terminou ontem o testemunho no TBJ acusado de dar respostas inferiores às de uma criança de três anos. As contradições e falhas de memória foram uma constante, excepção feita ao facto de não ter viciado concursos públicos. A afirmação choca com o depoimento do director da DSSOPT mas Ao mantém-se firme. A ponto de dizer que está disponível para uma acareação com Jaime Carion
Sónia Nunes
Ao Man Long concluiu o depoimento no Tribunal Judicial de Base. Nas três sessões como testemunha no processo que tem como arguidos os familiares e três empresários, o ex-secretário manteve-se evasivo, com amnésia em todas as questões que puxassem por dinheiro, incapaz de reconhecer a caligrafia ou de dizer se é o autor dos cadernos da amizade. Depois de o Ministério Público ter classificado as respostas do antigo governante como “ridículas”, ontem a reprimenda coube à juiz presidente do colectivo. Alice Costa realçou a falta de lógica do testemunho e disse que uma criança de três anos daria respostas melhores. Ao Man Long só não hesitou quando garantiu, uma vez mais, nunca ter influenciado concursos públicos e desafiou o tribunal a pô-lo cara a cara com Jaime Carion.
O ex-secretário foi ontem novamente confrontado com as declarações prestadas pelo director da Direcção dos Serviços para as Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) durante a audiência no TJB. Jaime Carion testemunhou que recebeu (e deu seguimento) às instruções de Ao Man Long nas adjudicações de empreitadas públicas e que só desconfiou da ilegalidade do acto quando se apercebeu que o Gabinete de Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) “pendia para uma determinada empresa”. O ex-secretário reiterou que só teve conhecimento do esquema das grelhas provisórias quando foi julgado no Tribunal de Última Instância e ouviu o depoimento dos subordinados. O comentário manteve-se igual ao das sessões anteriores: “Houve um mal entendido entre mim e o Carion nos conceitos. Nunca cheguei a fazer esse pedido [alteração das pontuações]”. O tribunal insistia nas contradições entre depoimentos e Ao Man Long disparou: “Pode fazer acareação. Pode mandá-lo chamar”. A ferramenta jurídica permite que as testemunhas sejam confrontadas com as alegadas divergências, num frente-a-frente sem diálogo entre as partes, possível de ser requerida “sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade”, estipula o Código de Processo Penal.
A sugestão foi deixada por duas vezes. O segundo pedido chegou já na recta final da sessão de ontem (que terminou já depois das 20h00) e depois de a testemunha ter repetido que a DSSOPT já sabia que a Nave Desportiva para os Jogos da Ásia Oriental teria que ser construída por fases – o primeiro projecto, aquando da abertura do concurso era manifestamente incompleto, sublinhou – e que os trabalhos relativos ao terreno do Pac On, na Taipa, eram da responsabilidade do director dos serviços de obras públicas. Ao Man Long tinha já admitido no TJB que tinha “investimentos privados” com Ho Meng Fai no P05, relativos à compra e venda de imobiliário. Ontem, ressalvou que os negócios em nada interferiram com as alegadas facilidades na troca de lotes, construção em altura e mudança de finalidade do terreno que impendem na acusação contra o empresário da San Meng Fai. “As matérias relativas ao P05 eram da competência de Jaime Carion”, repetiu.
O director da DSSOPT declarou que Ao Man Long lhe tinha pedido que se procedesse à troca de parcelas no terreno por forma a compensar o proprietário pela passagem do túnel subaquático que iria ligar Macau à Taipa. A atitude causou estranheza a Jaime Carion – a San Meng Fai também terá feito igual requerimento por escrito – que pediu esclarecimentos junto do GDI. Descobriu que o túnel não iria passar pelo lote do P05 mas não teve oportunidade de confrontar o ex-secretário, entretanto detido. Já Ao Man Long parece destemido para um frente-a-frente e, após ter reiterado que o projecto sobre o túnel era da responsabilidade do GDI e que foi tornado público através dos jornais, insistiu: “O tribunal pode acarear”.
Ao admite que não assumiu
“responsabilidade administrativa"
“responsabilidade administrativa"
O ex-secretário arrancou o depoimento com o descartar das responsabilidades dos familiares arrolados no processo. Repetiu que era ele quem controlava as contas bancárias abertas em nome da cunhada, do irmão e do pai e admitiu que “não era adequado como secretário abrir uma empresa” em nome próprio. Daí ter recorrido a Ao Chan Wa Choi para sócia única da CityGrand. Porém o raciocínio continuou sem substância. A testemunha não consegue dizer uma frase sobre a proveniência do dinheiro, que montantes estavam envolvidos nas transferências bancárias e que serviços de consultadoria – que Ao Man Long diz ter prestado aos empresários, excepção feita a Frederico Nolasco – cobriam. Na sessão de ontem, afirmou que, afinal, a cunhada podia mexer nos depósitos, que as contas na Inglaterra foram abertas a pedido do irmão e de Ao Chan Wa Choi e que “parte” do dinheiro depositado na imediata abertura das contas em nome de Ao Veng Kong pertencia ao pai. A frase chave do testemunho de Ao “Não me recordo, era muito confuso” permaneceu inalterável apesar dos confrontos – motivados quer pelos advogados quer pelas juízes – com o Caderno da Amizade e com os documentos que constam da acusação.
Ao Man Long foi convidado pela defesa de Ho Meng Fai a traduzir uma nota deixada na “agenda pessoal”, na qual se faz referência (alegada) ao pavilhão desportivo do Instituto Politécnico, seguida do número 100 e assinalada com um visto. “Não havia um significado especial. Tratava-se de um hábito meu para pôr em relevo uns assuntos que careciam do meu acompanhamento”, interpretou a testemunha, que se voltou a escudar nas obrigações referentes ao cumprimento do orçamento do Governo e nas perguntas dos jornalistas (mais tarde na sessão, dirá que se tratava de anotações arbitrárias, sem assumir claramente a autoria). O ex-secretário preparava-se para dizer que os pagamentos feitos por Ho Meng Fai eram retribuições pelos serviços de consultadoria que prestou através da empresa Ecoline quando o advogado Pedro Redinha lhe recordou que a criação da companhia é posterior ao projecto do pavilhão desportivo do politécnico. “Eu não cheguei a fazer essa relação.... Eu fiz serviços de consultadoria no Macau Dome”, ressalvou. “A obra foi adjudicada em 2002. A Ecoline foi formada em 2004”, destacou o causídico. E a testemunha remediou: “a obra foi feita em várias fases”.
Ao Man Long reiterou que só conheceu o empresário entre a inauguração do complexo do politécnico e o lançamento da primeira pedra do Macau Dome – terá sido Ho Meng Fai que se acercou do ex-secretário, numa cerimónia pública – e que a relação não beneficiou nenhum dos dois. Apesar de o arguido ter confessado pagamentos ao antigo governante pelas obras privadas, a testemunha sublinhou que “se a San Meng Fai conseguiu obras particulares foi devido ao seu mérito”.
A testemunha tornou a referir a celebração de “um acordo” com Frederico Nolasco, em que o sócio minoritário da Companhia de Resíduos Sólidos (CSR) terá ficado com “uma parte”. De quê? Não conseguiu explicar. Havia uma “distribuição de tarefas” sobre “a organização do tratamento de resíduos perigosos”. “Nesta área, ele [Nolasco] tinha muitos problemas”, acrescentou. E ficou-se por aqui. Não se recorda que serviços prestou, admitiu que tinha dificuldade em lembrar-se de tudo o que tenha que ver com dinheiro e remeteu (outra vez) as questões para o dono oficial da Ecoline.
Também com o falecido Lee Se Cheung, Ao Man Long tinha um acordo sobre os lucros da empresa que cabiam a cada um. “Dependia do negócio, não me recordo muito bem”, afirmou. O único caso em que a testemunha conseguiu avançar com a origem do dinheiro teve que ver com o montante (cerca de 100 mil patacas) que foi encontrado no gabinete do ex-secretário: “Era proveniente do meu salário. É normal porque que preciso de dinheiro”, revelou.
Nem quando olhou para as fotocópias do alegado Caderno da Amizade – que também não garante que foi ele que escreveu – soube esclarecer o tribunal sobre os dinheiros que circulavam nas contas em nome dos familiares. Isto enquanto garantia que os familiares não foram tidos nem achados no caso e que não recebeu contrapartidas dos empresários. Os alegados subornos pagos por Frederico Nolasco pelos três contratos assinados com a empresa responsável pela recolha de lixo também estão inscritos na agenda pessoal da testemunha. “CSR pode não querer dizer CSR”, observou Ao Man Long que disse que a sigla também pode fazer referência a uma empresa ligada ao aeroporto” – apesar de uma das juízes lhe revelar que também constava a palavra “lixo”.
O ex-secretário admitiu, no entanto, que não assumiu “a responsabilidade administrativa que tinha que assumir” ao não incluir as empresas na declaração de rendimentos, que consta também na acusação contra Camila Chan. “A Ecoline era a única coisa que tínhamos que decidir declarar ou não. Em termos legais, a empresa não me pertencia. Foi negligência minha, não foi com dolo. Foi um erro que cometi”, destacou. A testemunha afirmou ainda nem todos os bens de luxo encontrados pelo CCAC na residência oficial seriam desconhecidos da arguida. “Antes de ela ir para Inglaterra não estava lá tantos produtos. Vinho havia bastante, porque eu gosto de beber. Mas ela não sabia o preço”, rematou.