25.3.08

Opinião

Macau importa

Convidado pela organização do Fórum de Sinologia a fazer a apresentação do nº 2 da Revista de Estudos Chineses, o nosso colaborador João Paulo Meneses parou numa frase de Jorge Rangel; e, a partir daí, tentou mostrar que, ao contrário do que sempre se ouve, Macau é importante em Portugal

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Provavelmente é o isolamento, que a distância potencia, que o explica; o mesmo é dizer: que em Macau se pense nisso, se repita a ideia, até é compreensível; mas que em Portugal haja a mesma opinião já é mais difícil de compreender. E de aceitar.
E, como acontece com todas as mentiras que são muito repetidas, a ideia acaba por se generalizar, até haver quem – já sem se questionar – acredite que é mesmo assim.
A ideia que gostaria de desmistificar é a de que em Portugal não se sabe nada de Macau ou mesmo da China, que em Portugal não nos interessamos pela China, apesar dos tais 500 anos de presença lusa.
Quem esteve em Macau sabe que esta é uma daquelas poucas afirmações que faz unanimidade na comunidade lusa local; nem vale a pena contrariá-la. O isolamento, que a distância potencia (ou a distância, que o isolamento potencia…) explicam-no, embora haja diversos outros factores que podem explicar o enraizamento de uma ideia que é, do meu ponto de vista, falsa.
O que me surpreende é que se ouça isso entre quem um conhecimento da realidade – e neste segundo número da Revista de Estudos Chineses, a dado passo, aparece (até com algum desenvolvimento) a queixa, que é o tal lamento colectivo de quem vive ou viveu em Macau e se sente injustiçado [Nota: entre outras afirmações que aparecem no texto ‘Construindo pontes para o futuro entre Portugal e Macau, China’, aparece esta, de Jorge Rangel: ‘Portugal não conhece o Oriente’].

Comparem com Angola

O meu objectivo é tentar mostrar que em Portugal:
- Macau e a China interessam genericamente;
- Que interessam mais do que seria de esperar;
E sugiro que sigamos como termo de comparação, porque sem esse termo de comparação não há validade no raciocínio, - e por muito estranho que vos possa parecer – o exemplo de Angola.
Pela proximidade e dimensão geográfica, pela importância económica, política ou social, Angola é incomparável com Macau. Por tudo. Dir-se-ia mesmo que a comparação é desonesta, tal a diferença entre as duas antigas colónias.
Onde Angola foi estratégica, Macau foi um apêndice; onde Angola foi riqueza, Macau foi irrelevante; onde Angola é o futuro, Macau é – à primeira vista – o passado.
Penso que qualquer indicador que se possa trazer para a discussão será altamente favorável a Angola.
Dizer que Angola é dez vezes mais será pouco.
Mesmo onde Angola tem aparentes desvantagens, que é na questão cultural (por força da importância da civilização chinesa), poder-se-á dizer que para os investigadores portugueses Angola seria mais estimulante do que Macau, porque há muito mais para saber, para descobrir, para fazer ciência.
E contudo todas ou quase todas as universidades (pelo menos públicas) têm um centro de estudos chineses.
Quantos centros de estudos angolanos existem? Africanos, vários. Mas dedicados a Angola não há mais do que um ou dois centros de investigação em Portugal.
Quantas fundações se dedicam à promoção entre Angola e Portugal? Ou, se quiserem e ou for mais fácil, quantas conhecemos?
Fundações que ligam Macau, a China e Portugal há varias. E museus, quantos museus há para divulgar a arte, a cultura e a história de Angola?
Em Lisboa há um dedicado a Macau e está para nascer outro, um dos maiores do mundo, sobre o Oriente.
Não tenho dados em concreto, mas não me espantaria se fossem publicados mais livros sobre Macau e a China em Portugal do que sobre Angola. Por isso permitam-me novamente a pergunta: o que é que interessa mais aos portugueses, Macau (e mesmo a China) ou Angola?

Não é normal…

Dir-se-á que há um novo interesse (económico, social e político) pela China (que está na moda) e que Macau e esta especulação beneficiam disso mesmo. Mas é com essa realidade que nos confrontamos na realidade.
Poder-se-á ainda acrescentar que a guerra em Angola terá prejudicado o seu actual impacto público, mas – sinceramente, e ao contrário do que pudesse parecer – não me interessa fazer qualquer competição (que seria disparatada) entre Macau e Angola.
Apenas uso o exemplo para referir algo que me parece óbvio: não é normal que haja mais interesse por Macau do que por Angola. Ao contrário, continuaria a não ser normal que houvesse mais interesse por Angola do que por Macau. O que seria normal é que houvesse muito mais interesse por Angola. E isso, definitivamente, não acontece.
Ao contrário do que possa parecer – sobretudo se o ponto de avaliação não é o politico – Macau interessa. Macau está presente na preocupação de muitos investigadores, de muitos académicos, de muitos que lá viveram e continuam com sede do Lilau.
Este 3º fórum internacional de sinologia é disso só mais um exemplo. E este primeiro volume do segundo numero da Revista de Estudos Chineses um bom exemplo.

Contra a repetição
do disparate

Há dois Institutos Confúcio em Portugal, uma licenciatura em língua e cultura chinesas, vários mestrados, ano após ano doutorandos continuam a virar-se para o Oriente.
Há produção científica e bibliográfica a sair anualmente, há bolsas de estudo e de investigação para desenvolver temas sínicos, com mais ou menos dificuldade há a presença regular de leitores de português em várias universidades chinesas, há um Instituto para difundir o português no Oriente.
Nem está tudo bem, como também não está tudo mal.
Mas Macau e a China são importantes para os portugueses. Se me permitem, cada vez mais importantes.
Por muito dinâmica, inspirada e assertiva que seja a professora Ana Maria Amaro [Nota: responsável pela organização do Fórum de Sinologia], ela não conseguiria realizar quase uma dezena de semanas de cultura chinesa mais três fóruns internacionais de sinologia se Macau e a China não fossem importantes para os portugueses; um ou dois ainda seriam possíveis, mas há mais de uma década que, durante vários dias, se juntam aqueles que – de uma forma apenas afectiva ou sobretudo efectiva – se continuam a interessar por Macau e pela China.
Podiam ser mais? Claro que sim. Queremos sempre mais e isso só é errado quando se torna ilógico.
A queixa, tantas vezes, repetida, até por pessoas com responsabilidades, como se pode ler neste volume, de que Portugal não conhece o Oriente, é – permitam-me nesta fase da minha intervenção – um disparate.

Um exemplo pessoal

Repito mais uma vez: a queixa só faz sentido ao nível político. Mas mesmo aqui, se é verdade que os políticos só pensam na conjuntura, Macau e a China não são alvos muito diferentes do que se passa noutros sectores, com os mesmos políticos.
Pensando bem, o que é que poderíamos desejar? Que a história de Macau fosse ensinada nas escolas portuguesas? Talvez um dia chegará que o mandarim será ensinado às crianças das escolas portuguesas, mas Macau só é a coisa mais importante do mundo para quem lá vive. Para nós, os que aqui estamos, é apenas importante. Um bocadinho importante. Mas isso é que é importante.
Deixem-me dar-vos um exemplo final e pessoal: há 15 anos que escrevo semanalmente sobre Macau e a China para um jornal local, sobre assuntos orientais. São quase três milhões caracteres – que só seriam possíveis se se tratasse de ficção ou se Macau fosse realmente importante.
O número dois da Revista de Estudos Chineses, quase integralmente dedicado a Macau (sendo que quando se fala em Macau a fronteira com a China é muito difícil de estabelecer) é só mais um exemplo de como estes assuntos estão presentes: a diversidade de abordagens e perspectivas, de origens e de autores, comprova-o.
Há história e ensaio; há reflexão e especulação. Há novos ângulos em assuntos que já foram várias vezes tratados mas há também temas que nunca tiveram o desenvolvimento merecido. Há, até temas que – na verdade – interessam basicamente a Macau, mas nem por isso deixam de fazer parte desta Revista. Porventura, alguns deles até teriam dificuldade em serem publicados em Macau, mas nem por isso deixam de cá estar

NR: O texto que hoje o PONTO FINAL publica é, na sua essência, e para além da necessária adaptação jornalística, aquele que o autor leu durante o terceiro Fórum de Sinologia, que se realizou o mês passado em Lisboa e Vila Nova de Gaia, para apresentar o segundo volume da Revista de Estudos Chineses, editada pelo Instituto Português de Sinologia, e que condensa intervenções do Fórum do ano anterior.


*****


Uma Revista sobre Macau

O número dois da Revista de Estudos Chineses (Zhongguo Yanjiu), com data do segundo semestre de 2007, é quase inteiramente dedicado a Macau.
Editado pelo Instituto Português de Sinologia, liderado por Ana Maria Amaro, nele podem encontrar-se, entre outros, textos históricos («Acerca da elaboração da crónica de Macau da História Oficiar dos Qing», de Lian Qian, «Pires, Pinto ou Camões» de Arie Pos, «Onde ficariam o Pinhal e El Pinal?», de Jin Guo Ping e Wu Zhiliang, ou «O Cancelamento do 10º Centenário de Macau em 1955: Factores subjacentes e consequências», de Moisés Silva Fernandes), de âmbito social («Mulheres de preto e branco: As á más das famílias portuguesas em Macau. Encontro no desencontro de culturas», de Ana Maria Amaro, «Semana Verde, no 6º ano da RAEM», de António Estácio, ou mesmo «No Centenário de Luís Gonzaga Gomes», de Jorge Rangel) ou mais políticos/contemporâneos («O Regresso de Macau à China: Vicissitudes Negociais», de Carmen Amado Mendes, «Macau, Património da Humanidade», de Jorge Rangel, ou «Construindo pontes para o futuro entre Portugal e Macau, China», de Isabel Correia).
O editorial é de Wu Zhiliang e chama-se «Macau: ponte com o mundo lusófono»; a Revista termina com uma vasta lista de «Publicações recentes sobre Macau (2000-2007)», elaborada por Irene Rodrigues, em colaboração com os centros de documentação da Fundação Oriente e Centro Científico e Cultural de Macau.

JPM

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