24.4.08

Deputados querem responsabilização efectiva dos altos dirigentes do Governo
"Fim à impunidade"
na máquina administrativa


A secretária para a Administração e Justiça foi a figura central das interpelações dos deputados ao Executivo realizadas ontem. Deputados e a própria presidente da Assembleia Legislativa pediram a Florinda Chan mais acção e menos refúgio nas referências à legislação. A secretária defendeu-se com os mecanismos existentes na lei, mas notou que, por vezes, é difícil aplicar o conceito de ‘competência’

Alfredo Vaz

Os deputados ‘democratas’ – da Associação do Novo Macau Democrático – abriram e fecharam o período das cinco interpelações realizadas ontem a membros do Executivo as mais duras, como é seu cunho, e com duas matérias que são suas bandeiras: funcionamento da máquina administrativa e concessão de terrenos e novos aterros.
Ng Kuok Cheong foi o primeiro deputado a interpelar. E logo na primeira frase da sua intervenção resumiu o tom: entrou reconhecendo que “desde o regresso de Macau à Pátria se tenham registado melhorias no desempenho da generalidade dos funcionários da linha da frente”, mas considerou de imediato que “o Governo está a perder pontos neste momento de franco desenvolvimento económico.” Entrando no capítulo dos exemplos, o deputado lembrou que no que respeita à concretização do regime de responsabilização dos altos dirigentes do Governo, em 2003, a Administração reestruturou, através de regulamento administrativo, a Direcção dos Serviços de Economia e que como resultado aquela direcção detém até hoje autoridade de policia criminal. Ng Kuok Cheong notou que alguns governantes declararam publicamente, no passado recente, terem adoptado aquela forma legislativa por entenderem que as matérias sobre a qualidade da policia criminal – de competência exclusiva da AL – podiam ser objecto de regulamentação através de regulamentos administrativos. Para o deputado, o exemplo retrata o que diz ser “na realidade um acto de usurpação de poderes, logo, inconstitucional. Em Fevereiro do corrente ano perguntei directamente à secretária para a Administração e Justiça que diligências tinham sido tomadas em termos do sistema de responsabilização, mas não obtive qualquer resposta”, lamentou o legislador. Ng Kuok Cheong continuou com uma série de exemplos e perguntas sobre a quem cabe o poder e o dever de fiscalização: desde as criticas a quem devia fiscalizar o relatório do orçamento dos 4ºs Jogos da Ásia Oriental, até à ausência de uma tomada de posição pública do Chefe do Executivo no caso Ao Man Long.
Florinda Chan defendeu-se com a necessidade de seguir as regras da legislação vigente, escusando-se a comentar casos concertos, o que levou a própria Presidente da AL a advertir por mais de uma vez os membros do Governo a responderem concretamente às perguntas dos deputados, e não fugirem às mesmas ‘refugiando-se’ na enumeração das políticas do Executivo.
Uma deixa aproveitada por Ng Kuok Cheong para apontar o dedo aos governantes sugerindo que ”deviam ler melhor as nossas interpelações que são entregues aos gabinetes dos Secretários com cerca vários dias de antecedência.”
A secretária ressalvou que desde a implementação do novo regime de avaliação dos funcionários públicos, em 2005, apenas nove funcionários foram disciplinados mas que 415 foram premiados. “O que entende por incompetência?’, perguntou a secretária a Ng Kuok Cheong, para perguntar depois qual a sanção a aplicar em caso de reconhecida incompetência, “acaba-se o contrato ou exonera-se o funcionário? Quando há responsabilidade politica, os directores têm que responder ao Chefe do Executivo, pois creio que os funcionários públicos não têm competência para avaliar os seus superiores.”
As explicações de Florinda Chan não convenceram a presidente da AL: “A Sra. secretária ainda não respondeu às questões (de Ng Kuok Cheong). Uma vez que a segunda interpelação (da deputada Kwan Tsui Hang) é sobre o mesmo assunto. espero que possa responder. Assim não faz sentido, há ou não sanções?,” disse a presidente.

Menos diálogo, mais sanções

Aproveitando as regras do novo regimento da AL, Au Kam San - o outro deputado do Novo Macau Democrático – perguntou à secretária como se apuram então as responsabilidades do pessoal da Administração. “Mas como é que se apura a responsabilidade pessoal? Os trabalhadores da linha de base têm que assumir os seus erros ou serem denunciados pelos seus colegas? E como é com os então e os altos dirigentes?” perguntou Au Kam San, para logo ali dizer que “queria uma resposta concreta.”
Não tendo obtido sucesso no pedido, Au Kam San deixou no ar uma outra pergunta: “Será que ninguém é obrigado a assumir essa responsabilidade?”
A esta observação a secretária respondeu com um esclarecimento, “as autoridades competentes deram resposta activa para corrigir falhas, através de algumas medida. Claro que ao longo do processo as entidades competentes, tendo em conta o espírito de equipa, tentam melhorar os trabalhos.”
Um esclarecimento não convenceu a ‘frente democrata’, com Au Kam San a acusar Florinda Chan de estar “a fugir à questão.(...) Mas afinal não é a pessoa responsável pelo acto tem que assumir as responsabilidades quando chamada à razão? Está a dizer-me então que basta haver um diálogo com os subordinados e fica tudo resolvido (para o bem ou para o mal)?’

Dois pesos, duas medidas

O tema em discussão era particularmente caro ao deputado José Pereira Coutinho, presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, que começou a sua intervenção repetindo a sua própria avaliação ao ‘estado de espírito’ da máquina administrativa: “o moral da maioria dos trabalhadores da Administração Pública de Macau, nomeadamente o pessoal da linha da frente do IACM e Direcção dos Serviços de Saúde, contínua a ser o mais baixo de sempre.”
Pereira Coutinho disse ser notório que “podemos ver que há duas medidas: muitas vezes o pessoal da linha da frente, além do volume de trabalho, tem que assumir responsabilidades que não lhe cabem à partida por inerência de funções ou cargo. Há uma dupla medida, ou dois pesos e uma medida. Como pretende resolver esta questão?”, perguntou directamente à secretária.
Florinda Chan defendeu-se acusando o deputado de não estar a reproduzir os factos com exactidão: “As questões prendem-se com a sanção dos altos funcionários e o direito de informação ao publico. os regulamentos administrativos não podem alterar qualquer assunto com matéria criminal. O governo aceita as criticas apresentadas pela população. O que o deputado Pereira Coutinho disse é incorrecto: temos o regime disciplinar para os funcionários públicos de todas as categorias, temos uma legislação que todos têm que cumprir. Será que é apenas o pessoal da linha da frente tem que enfrentar pressão para responder às perguntas dos deputados? Não! por isso é incorrecto dizer que só os funcionários da linha da frente é que assumem responsabilidades.”

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