Paul Cassidy, membro fundador do Brodsky Quartet, que actua sábado em Macau
“Ouvir algo assim é raro”
A poucos dias da estreia do Quarteto Brodsky em Macau, no próximo dia 3 de Maio, no Pequeno Auditório do Centro Cultural, importa ficar a conhecer de perto um dos quartetos de cordas mais relevantes da música clássica actual. Paul Cassidy, que toca viola no ensemble britânico desde a sua fundação, em 1972, dá-nos os pormenores do programa de Macau e explica porque é que assistir ao concerto do próximo sábado é um privilégio a que poucos têm acesso
“Ouvir algo assim é raro”
A poucos dias da estreia do Quarteto Brodsky em Macau, no próximo dia 3 de Maio, no Pequeno Auditório do Centro Cultural, importa ficar a conhecer de perto um dos quartetos de cordas mais relevantes da música clássica actual. Paul Cassidy, que toca viola no ensemble britânico desde a sua fundação, em 1972, dá-nos os pormenores do programa de Macau e explica porque é que assistir ao concerto do próximo sábado é um privilégio a que poucos têm acesso
Pode falar um pouco sobre as peças que vai apresentar em Macau?
Paul Cassidy – Nós escolhemos peças que nos são bastante pessoais; muitas delas foram compostas por amigos, e por outro lado são geograficamente interessantes. Este programa vai dar ao público uma boa mostra do tipo de sons que a música actual pode ter.
Javier Alvarez é “multiperpetual” – com muitos sons e muito ritmo, e de movimentos acelerados. A peça dele – Metro Chabacano – foi escrita para uma “super-instalação” numa das estações de metro maiores da Cidade do México. Essa música esteve na estação em rotação contínua durante três meses, mas nós tocamo-la em apenas sete minutos (risos). Conhecemos o professor de Alvarez – Mario Lavista – há um par de anos, quando fomos ao México. Ele deu-nos esta peça espantosa que apreciámos imensamente, e que era uma belíssima evocação de uma noite tropical – algo com que, imagino eu, Macau se poderá relacionar. Cada uma das notas é uma harmónica – a chamada nota verdadeira – o que tem um efeito incrível.
Quanto ao Quarteto de Cordas, Op. 11, do norte americano Samuel Barber, nós muitas vezes tocamos o adagio inteiro, mas para este programa vamos tocar só esta parte, que pessoas por todo o mundo conhecem. É reconfortante ouvir-se algo com que se é familiar no meio de um programa só com música “nova”.
Tunge Jegede é um músico muito influente que é metade africano, metade inglês, e que, como tal, tem as suas raízes na África. Também é um virtuoso no belíssimo instrumento africano Kora. Em 2000, nós pedimo-lhe que colaborasse no nosso projecto do milénio, em que prestávamos homenagem a Beethoven, o rei dos quartetos. 200 anos mais tarde, pensámos que seria bom conseguir com que os nossos amigos compositores pegassem no Opus 18 e se isolassem, inspirando-se nesta composição. O Tunge pegou no Opus 18 n.° 2, criando uma peça lindíssima, e na altura disse-nos uma coisa bastante engraçada: “Quando Beethoven pensa em valsa, eu ouço reggae”. E isso era exactamente o que pretendíamos alcançar.
Na segunda parte do espectáculo no CCM, vamos tocar duas peças de Aaron Copland que raramente são tocadas ao vivo – pelo menos sei que nós nunca as tocámos em concerto, nem me recordo de as ver em nenhum programa. A segunda é mais irrequieta, ligeira; a segunda é mesmo de cortar a respiração, é uma verdadeira obra prima da simplicidade.
Outra das peças é do holandês Theo Verbey, que há cinco anos fez um concerto para nós, e ficámos tão encantados com a música dele que acabámos por convidá-lo para compor apenas para quarteto. Ele criou uma peça impressionante –Chuva de Primavera – que vai de A Sagração da Primavera a música como a de Alvarez – muito rítmica e energética.
Por último, o concerto termina com a música de um grande amigo nosso, o tasmaniano Peter Sculthorpe. Ele vai-se inspirar na cultura e natureza australiana, nos aborígenes.
E em termos concretos, pode-se sentir essa presença na música?
PC - Claro. Por exemplo, Jacqueline começa por tocar violoncelo a imitar o som do didgeridoo, e existem outras partes em que se sente a “grande planície” australiana.
Algumas destas peças foram especificamente compostas para o Quarteto Brodsky. Como é que isto aconteceu, e qual é o seu sentimento em relação a isto?
PC - Com o evoluir dos anos os músicos não podem apenas ficar presos ao passado. Nós precisamos de compositores, e o inverso também se aplica; eles também precisam de nós. Ao longo dos anos temo-nos esforçado ao máximo para estarmos ligados à música nova, defendendo-a, comissionando-a... É frequentemente um processo excitante, o de ouvir os compositores a falar sobre a sua música. É uma experiência inestimável.
O que é que a música clássica contemporânea tem de tão interessante; o que diria a alguém que apenas ouve os “clássicos”?
PC - As pessoas que eles estão a ouvir eram, na altura deles, a vanguarda. Beethoven estava constantemente a transpor barreiras – as pessoas pensavam que ele era louco. Se gostam de Beethoven, deviam abrir os horizontes musicais. A música actual é muito rica. Mas fez uma viagem que tinha de ser feita: entre os anos 40 e 70 era uma música difícil, que exigia muito do ouvinte. Os compositores eram praticamente forçados a escrever música experimental. Agora isso tudo acabou, e agora as pessoas são encorajadas a compor o que quiserem, portanto esta é uma altura muito entusiasmante para se viver tudo isto.
Que projectos tem o Quarteto Brodsky na manga?
PC - A Universal – que comprou recentemente a Santuary – disse que queria continuar connosco, o que é uma novidade excitante, e que nos fez ter novos planos muito entusiasmantes, e que nos pôs ansiosos de voltar para o estúdio. Também temos algumas residências: uma nova “casa” em Londres, na Cadogan Hall, um local fabuloso, e depois estamos também na Academia Escocesa de Música e Dança, em Glasglow. Estão agendados diversos concertos pela Europa, e planeamos gravar o ciclo de Shostakovich – naquela que será a primeira gravação em Cd - , seguindo depois para algumas actuações na Noruega, Rússia, Itália e Reino Unido.
E as colaborações com o mundo da Pop, não têm nada planeado?
PC - Claro que continuaremos a trabalhar com a Bjork e o Elvis Costello. Isso é um compromisso contínuo. Já trabalhamos com eles há 15 anos. Para a próxima temporada, vamos fazer uns quantos concertos com o Costello.
Quais são as suas expectativas em relação ao espectáculo em Macau?
PC - Antes de mais, nunca estivemos em Macau, mas já estamos a preparar-nos para a refeição depois do concerto, porque dizem que aí a comida é muito boa (risos). Em termos de refeição musical, espero que as pessoas não fiquem desmotivadas com nomes que nunca ouviram falar. Não deviam mesmo. Todas as peças são estimulantes e emocionantes, o programa é divertido, cheio de sons interessantes, e que qualquer pessoa gostará de ouvir. Imploro a essas pessoas que façam o esforço, porque vale a pena.
Que última mensagem gostaria de deixar a Macau?
PC - Queria agradecer ao Centro Cultural por nos ter convidado mas também por ter ido para a frente com um programa como este. Ouvir algo assim é raro.
Centro Cultural de Macau (texto editado)