Centro Cultural acolheu seminário de arquitectura, cultura e ambiente
“Há fome em discutir estas questões”
A expressão é de Sales Marques, ‘patrocinador’ do encontro que trouxe à RAEM arquitectos e cientistas italianos. Arquitectura, ambiente e sustentabilidade, os temas fortes do seminário que versou a necessidade de preservar o património histórico e cultural.
Alfredo Vaz
“Há fome em discutir estas questões”
A expressão é de Sales Marques, ‘patrocinador’ do encontro que trouxe à RAEM arquitectos e cientistas italianos. Arquitectura, ambiente e sustentabilidade, os temas fortes do seminário que versou a necessidade de preservar o património histórico e cultural.
Alfredo Vaz
Preservar e ‘democratizar’ o espelho de água, “o melhor amigo de Macau”, acompanhado de regulamentos administrativos e de mecanismos de controle. Estas são algumas das propostas para resolver a questão urbanística e de preservação do património, apresentadas por Sales Marques, Presidente do Instituto de Estudos Europeus – patrono da iniciativa – e pelo arquitecto Carlos Marreiros, um dos seis oradores.
O ACE Macau 2 (segunda edição dos encontros sobre arquitectura, cultura e ambiente) é o resultado prático de um diálogo entre Instituto de Estudos Europeus e a Universidade Politécnica de Milão iniciado em 2002.
As intervenções versaram a escolha de materiais, preservação do património cultural e arquitectónico para pessoas com interesse mais preciso, mais focado, em algumas soluções de património. Foi essencialmente uma permuta de conhecimentos: trazer para Macau a discussão de outras dimensões sobre a matéria da preservação, recuperação e preservação de património. Um conjunto de soluções técnicas num debate de ideias.
O encontro teve uma adesão que ultrapassou as melhores expectativas dos organizadores. Estavam previstas 30 pessoas mas inscreveram-se quase meia centena, e os trabalhos prolongaram-se por mais duas horas do que o inicialmente estipulado.
Apesar da sua forte componente técnica, o encontro acabou por ter um espectro de participantes bastante alargado. O seminário aberto ao público contou com a presença de arquitectos, engenheiros, urbanistas, técnicos da função pública ligados ao património, professores, investigadores, 10 alunos vindos da China, de Xian (antiga capital) e que estão em Macau a fazer uma pós-graduação em património e turismo cultural, restauradores, agentes culturais que actuam a vários níveis, tanto do sector público como do privado. Para Sales Marques esta é uma evidência de que em Macau “há uma vontade, uma certa fome em se discutir estas questões. Ninguém vive isolado. Penso que demos mais uma componente para a compreensão do fenómeno urbano.
Definir pressupostos e democratizar a cidade
José Luís Sales Marques sente Macau com uma identidade e sentimento de pertença muito vincados. O antigo Presidente do Leal Senado e da Câmara Municipal Provisória (antecessores do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais) que não é arquitecto nem engenheiro, mas sim economista, diz que as questões de planeamento urbano e de preservação do património têm que ter – também - uma componente económica.
Em entrevista ao PONTO FINAL e referindo-se ao anúncio feito em Abril da definição de cotas altimétricas para construção na zona envolvente ao Farol da Guia, Sales Marques considerou que veio tarde, mas que mais vale tarde do que nunca : “O Governo sentiu que deveria dar o passo. Há uma preocupação na população, que não é recente, mas que assumiu nos últimos anos uma dimensão que não tinha tido antes. Tenho orgulho em fazer parte desta comunidade, estamos a caminhar para uma melhor compreensão e conhecimento daquilo que são os pontos que nos unem. Uma memoria colectiva, mas também uma certa identidade: em que é que nos reconhecemos como sendo diferentes dos outros?.”
Sales Marques lembra que todos e quaisquer planos urbanísticos têm que ser feitos com base em pressupostos “mas quais são estes pressupostos? Qual o pressuposto populacional daqui a 20 anos?
O que é preciso introduzir é o factor de transparência, por um lado, e de previsibilidade: se eu compro um apartamento num sítio eu tenho que saber que passados uns anos não vão construir coisas à minha frente, à porta de casa. Há riscos, à vezes não se podem evitar. Mas pelo menos tentar reduzir, minimizar, essa imprevisibilidade que, eu penso, atormenta muita gente.”
O objectivo desse planeamento, realça Sales Marques, é que se consiga melhorar a qualidade de vida em Macau: “As cidades constroem-se por vezes demolindo aquilo que existe e construindo coisas novas no seu lugar. Nós não queremos demolir aquilo que existe. E parece-me que a única solução é expandir para o mar, o mar, o rio é o nosso melhor amigo. Salvo raras excepções não sentimos que estamos na cidade com a maior densidade populacional do mundo. E porque é que isso acontece? Porque há o espelho de água que nos protege. Agora o que não está correcto, e que nós como cidadãos não devemos permitir, é que o espelho de água só seja acessível para as pessoas que têm mais dinheiro: constroem aqueles edifícios, bloqueiam-nos as vistas e ocupam-nos toda a frente marítima. O direito é de todos os cidadãos de Macau, não é só daqueles que têm dinheiro para o comprar.”
“Macau precisa de um plano director”
Esta necessidade - quase urgência, até – tem sido insistentemente defendida por profissionais de quase todos os sectores da RAEM de há várias décadas a esta parte. O arquitecto Carlos Marreiros, co-organizador do seminário, tem estado na linha da frente dos que reclamam a implementação de um plano director.
Sobre o diploma de controle das cotas altimétricas na zona envolvente ao Farol da Guia, Marreiros considera que “o plano não é brilhante, porque é incompleto, mas pelo menos disciplina a construção em altura. A ausência de um plano é bem pior do que um plano que ainda não é bom mas que pode ser o início para aperfeiçoamento. Embora tardio, cria normas para que o já bastante destruído perfil – que vai desde a Kun Iam até ao Farol da Guia – seja minimamente disciplinado. Nessa medida acho que devemos apoiar este plano, ressalvando apenas que devia haver mais planos sectoriais.” Marreiros lembra que este não é um plano director, é apenas sectorial, uma vez que plano director implica a abrangência de todo o património físico construído: “acima de tudo o plano tem de ser acompanhado de actualização dos regulamentos de construção civil, que são obsoletos, inspirados na legislação portuguesa do anos sessenta e fragmentariamente acrescida de alguma regulamentação produzida através das famosas circulares das Obras Públicas desde os anos oitenta. É uma manta de retalhos com alguns enunciados a contradizerem-se: num ponto do regulamento diz que ‘pode’, num outro diz que ‘não pode’, para num outro ainda dizer que é ‘assim-assim’.” Portanto uma regulamentação obsoleta há quase três décadas, aponta Carlos Marreiros.
O arquitecto diz que controlar as alturas é uma medida correcta, mas que deve ter ao mesmo tempo outros condicionalismos urbanos, nomeadamente o controle do ‘ratio’ de construção: “Não chega só controlar a altura de um edifício se ela for extremamente atarracada e densa. Às vezes é pior ter edifícios com 50 andares mas extremamente densos, atarracados e gordos, do que ter um edifício quatro vezes mais alto – exagerando – mas que seja uma agulha.”
Depois de duas edições na RAEM, o ACE sairá pela primeira vez das fronteiras de Macau realizando-se no ano que vem na cidade italiana de Milão.
CAIXA
Chefe da delegação italiana fala de contrastes e de experiência enriquecedora
“Macau é uma babilónia fantástica”
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Riccardo Pietrabissa Vice-Reitor do Instituto Politécnico de Milão, chefiou a delegação de académicos italianos ao segundo seminário ACE, Macau 2.
Professor de biomecânicas, Pietabrissa veio pela primeira vez a Macau, e sai “enriquecido” com “uma panóplia de sensações e experiências.” O académico resume Macau como uma cidade de contrastes, e diz que quer voltar.
“Saio de Macau bastante impressionado. Visitámos a velha cidade e as novas zonas e edifícios, as ilhas e os casinos. É completamente diferente do que temos na Europa, uma experiência muito enriquecedora, incrível: luzes, cores, construções antigas, edifícios novos e altos, a luz natural, as luzes artificiais, uma panóplia de sensações e experiências, uma babilónia. É fantástico.
Esta troca de culturas é muito importante e interessante, sobretudo na perspectiva da preservação dos edifícios antigos numa cidade que cresce a este ritmo.
O património é um dos principais valores acrescentados das mais antigas cidades europeias. Mas em Macau, para alem da preservação do património há que temperar o desenvolvimento turístico e económico.”
O académico resume Macau numa palavra, contrastes: “Macau é uma cidade de contrastes, e esse factor é muito importante no diálogo entre o velho e o novo. Macau tem ouro e betão, tem o contraste entre o cinzento do céu. Estive cá quatro dias e não vi o sol, o que foi bom (risos): o céu é cinzento, mas está pintalgado das cores dos ‘neons’, é uma imagem que levo, que não vemos, não temos na Europa."