Pedro Moitinho de Almeida, Cônsul Geral de Portugal em Macau, em entrevista
“Não somos estrangeiros em Macau”
O Cônsul Geral de Portugal em Macau, Pedro Moitinho de Almeida, acredita que apesar da invasão de americanos e australianos, a comunidade portuguesa vai preservar o seu histórico e merecido lugar em Macau
Nuno Mendonça
e Ricardo Pinto
“Não somos estrangeiros em Macau”
O Cônsul Geral de Portugal em Macau, Pedro Moitinho de Almeida, acredita que apesar da invasão de americanos e australianos, a comunidade portuguesa vai preservar o seu histórico e merecido lugar em Macau
Nuno Mendonça
e Ricardo Pinto
Entrar no Bela-Vista é como entrar numa cápsula do tempo. As paredes do edifício guardam a história e os fait-divers do século XX em Macau. Até 1999, foi um dos hotéis mais emblemáticos na Ásia e no mundo. Se para viajantes endinheirados, Banguecoque significa o Oriental e Singapura o Raffles, Macau era o Bela-Vista.
O hotel funcionou brevemente como escola em 1910 e como centro de refugiados da invasão Japonesa da China durante os anos 30, mas a casa será acima de tudo lembrada pelas suas vistas únicas, os quartos cheios de charme e as grandes festas. Era, e ainda o é, imponente mas acolhedora, colonial sem ser arrogante. Era o melhor de Macau para muitos visitantes e não perdeu esse espírito como residência do cônsul português.
“Uma das razões porque esta casa foi escolhida foi exactamente para representar Portugal e é com todo o prazer que eu a abro. Sei que há, nomeadamente ao nível de Hong Kong, muita gente que tem um carinho especial por esta casa e gosta de ter a oportunidade de aqui vir, e sempre que se proporciona recebo-os. E aqui, com o Chefe do Executivo, tem servido de recepção a outras entidades e é uma oportunidade de promoção de produtos, vinhos e cozinha portuguesa,” explica o cônsul que abre as portas não somente a políticos e membros do corpo diplomático, mas também a nostálgicos como um casal inglês que recentemente visitou o Bela-Vista para recordar a lua-de-mel que ali passaram há 50 anos.
Pedro Moitinho de Almeida é um dos diplomatas com maior experiência de Macau. Entre 1997 e 1999 foi vice-chefe do Grupo de Ligação Luso-Chinês em Macau, um organismo responsável pelas negociações detalhadas entre Portugal e China sobre a transição do território. Voltaria mais tarde em 2003, para viver na já Região Administrativa Especial de Macau.
Nestes últimos cinco anos, o cônsul, que na verdade possui já o posto diplomático de embaixador, tem estado atento às alterações que Macau tem sofrido, especialmente depois da liberalização do jogo em 2002.
Não é apenas a economia que mudou radicalmente. A face da cidade, que se pode ainda ver das muitas janelas e arcadas do Bela-Vista, está praticamente irreconhecível.
“É um privilégio viver aqui”, diz o embaixador, “mas quem viveu no Bela-Vista nestes cinco anos, não vai à janela todos os dias, podia até assustar-se com o que via lá fora,” diz o embaixador rindo.
Moitinho de Almeida sorri quando fala seriamente do que está a acontecer à paisagem urbana de Macau.
“Se me pergunta se gosto de ver prédios à volta da colina da Guia a ultrapassarem a altura do farol, isso digo-lhe francamente que não gosto. Se acho bem que aqui os lagos (Nam Van) fiquem rodeados de propriedade privada dos habitantes dos prédios que foram construídos ou que estão a ser construídos, também está nas minhas preocupações como cidadão que gosta de Macau e não gosto,” declara Moitinho de Almeida.
Os prédios construídos dos lagos Nam Van vão tapar as vistas da residência consular que com isto cada vez faz menos faz jus ao seu nome. Mas não é este o motivo principal das críticas de Moitinho de Almeida. O que o cônsul salienta é que nem todos locais de Macau têm forçosamente que se tornar Las Vegas.
“Parece-me muito bem que no COTAI se construam os hotéis, as Disneylandias e os Venetians, não tenho problema com isso,” argumenta o embaixador, “mas acho que a parte antiga de Macau onde estão os edifícios que estão classificados no património mundial e que representam 450 anos de duas culturas, portuguesa e chinesa, ao longo do tempo, com as seus problemas, com as comunidades por vezes de costas voltadas, mas as duas culturas coexistiram pacificamente e criaram um local único e com a identidade própria que é Macau, aqui já me faz alguma confusão algumas as coisas que estão a ser feitas.”
Tempos de desafio para
a comunidade portuguesa
a comunidade portuguesa
Esta identidade única de Macau tem na comunidade portuguesa (macaenses e expatriados) um dos seus pilares. A era dos governadores Portugueses terminou há nove anos atrás, se bem que quando Moitinho de Almeida regressou ao território em 2003, algumas pessoas ainda lhe chamavam “Sr.Governador”.
Os portugueses não se sentem alienados, mas para alguns que vivem aqui há anos e anos, a recente vaga de americanos e australianos recém-chegados, com bons empregos em companhias poderosas, faz pensar o que sobra para os que já viviam aqui.
“Este momento para a comunidade portuguesa poderá não ser o momento mais fácil para se afirmar, mas finalmente esta é a comunidade integrante do que é Macau, as outras são sempre estrangeiras. Nós não somos estrangeiros em Macau. Somos estrangeiros em termos de nacionalidade mas não em termos de identidade do que é Macau,” defende Moitinho de Almeida.
O cônsul geral recomenda por isso maior pro-actividade dos portugueses locais para equilibrar a crescente influência anglo-saxónica. Há sangue novo a chegar, muitos para encher os escritórios de advogados, agora mais activos que nunca com as tramitações legais que envolvem as muitas companhias estrangeiras que aqui investem. “Temos de ir além do mercado da saudade” insiste o cônsul geral que destaca as oportunidades que a RAEM oferece em termos de algumas empresas de alta-tecnologia e na área do turismo, onde os recém-licenciados em Portugal podem encontrar oportunidades interessantes nos muitos hotéis que crescem em Macau.
Ainda assim o cônsul avisa: “hoje em dia em Macau quem não falar chinês ou inglês na perfeição, tem alguma dificuldade em arranjar emprego.” Moitinho de Almeida reconhece que “a grande falha dos portugueses em Macau foi não ter ensinado o português ou não ter aprendido o chinês.” Mas há que olhar para a realidade de hoje e nesse sentido, o embaixador insiste que “vir para aqui à maluca com pouco dinheiro no bolso não é uma boa ideia porque nada é barato hoje em dia e é um risco.”
Macau e os Países de
Expressão Portuguesa
Expressão Portuguesa
Apesar dos pesares, e ao contrario do que muitos temiam depois da transição, não houve uma explosão de ressentimento contra os portugueses. Vários factores contribuíram para isso. A estima que o chefe do executivo Edmundo Ho tem pela comunidade foi um deles e um novo equilíbrio mundial em termos económicos, colocou os países de expressão portuguesa no mapa da diplomacia chinesa.
Em 2002, o Fórum para a Cooperação económica e comercial entre a China e os Países de língua oficial portuguesa (incluindo Portugal, Brasil, Timor-Leste, Angola, Moçambique e outros países africanos) foi lançado para expandir as trocas comerciais e aumentar a cooperação entre estes países. E Macau redescobriu o seu papel tradicional de plataforma entre a China e o mundo que fala em português.
“Parte da comunidade chinesa compreendeu pela primeira vez que a história comum vai ser útil a Macau e vai permitir a Macau ser útil a grande China, à mãe-pátria e isto deu uma razão de ser da comunidade portuguesa aos olhos da comunidade chinesa. Daí que o relacionamento das duas comunidades ser hoje mais são do que era antes da transição,” salienta o consul-geral.
Cépticos (ou realistas, dependendo do ponto de vista), poderão ver nesta atitude da China um meio de conseguir matérias primas que a economia com o crescimento mais rápido do mundo necessita desesperadamente para sustentar o seu desenvolvimento, especialmente nos países africanos como Angola, rica em petróleo e outras riquezas naturais.
A posição da China em termos de contrapartida para esses países tem sido o de apoio incondicional ligado ao princípio da não ingerência, o que na prática facilita o acesso de Pequim a qualquer país, independentemente do seu regime politico.
“Isso poderá ser verdade,” reconhece Moitinho de Almeida, “mas não será razão suficiente para não estarmos presentes e participarmos no fórum. Consideramos preferível estar dentro do que fora desta organização,” concluí.
Mas o cônsul –geral rapidamente clarifica que este acordo com a China não isenta Portugal de defender princípios e condicionalismos básicos como os direitos humanos e o estado de direito, na cooperação com Africa.
“Apesar de países como a China estarem a entrar em determinados mercados sem esses condicionalismos, não acho que seja razão para nós abandonarmos esses princípios e esses condicionalismos, esclarece Moitinho de Almeida. “Mas isto facilita o trabalho aos países como a China que tem tecnologia e necessidade de matérias primas, para entrar nesses países. Ao mesmo tempo é de alguma forma uma chamada de atenção para o mundo ocidental e principalmente para os antigos colonizadores, de que têm de fazer mais por África,” conclui.
Depois de Macau
Com cinco anos de Macau, Moitinho de Almeida atingiu o limite de tempo de permanência num posto diplomático.
“Eu costumo dizer, quando um diplomata escolhe um clube de futebol no sítio onde está, é porque está muito envolvido no local onde se encontra, nas tricas, perde alguma visão, e imparcialidade nas análises das coisas,”diz Moitinho de Almeida.
A falta de equipas profissionais de futebol no território não ameaça por isso o seu amor ao Sporting. O certo é que Moitinho não nega que depois de Macau preferiria um posto “mais perto de casa”, referindo-se a Portugal onde a família vive.
Com uma carreira que inclui Cabo Verde, Grécia, Espanha (Barcelona) e Macau, Moitinho de Almeida viajou pelo mundo. “Hoje não trocaria o meu trabalho por nada. E tive a sorte de ter umas carreira mais interessante que a maioria dos meus colegas,” diz com uma nota de orgulho.
E Macau esteve na origem dos momentos mais importantes da sua vida diplomática. “Cada um ‘faz’ o posto onde está,” diz Moitinho, “e eu tentei algumas coisas que eventualmente não eram fáceis. E ter estado em Macau na transição e em Timor na independência, foi uma carreira. Eram os grandes desafios da política externa portuguesa.”
Exclusivo Macau Closer/PONTO FINAL