22.6.08

Angolano Viriato da Cruz queria criar movimento de libertação que incluísse Macau
China recusou frente afro-asiática
das ex-colónias portuguesas


A China recusou patrocinar na década de 1950 uma frente afro-asiática das ex-colónias portuguesas, como defendia Viriato da Cruz, segundo um livro que traça a vida e obra daquele nacionalista angolano, lançado quarta-feira, em Lisboa.
Para as autoridades chinesas, "equiparar Macau e Timor às então colónias portuguesas em África era impensável", disse à Lusa o investigador Moisés Fernandes, um dos coordenadores do livro "Viriato da Cruz - O Homem e o Mito", que reúne ainda textos do médico Edmundo Rocha e do professor Francisco Soares, ambos angolanos e que residem em Portugal.
Viriato da Cruz, que nasceu em 1928, em Porto Amboim, Angola, e morreu em 1973, em Pequim, "chegou a ser a personalidade africana lusófona mais bem cotada junto do regime chinês", precisou à Lusa Moisés Fernandes, director do Instituto Confúcio, da Universidade de Lisboa.
O investigador adiantou que a sua participação no livro visou "dar a conhecer o lado chinês da vida e obra" do nacionalista angolano, um dos fundadores do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
"Quando Viriato da Cruz quis formar o MPLA, tentou obter apoios junto das embaixadas da então União Soviética e da China em Conacri. A ideia dele era criar uma frente, uma ampla frente afro-asiática de todas as colónias portuguesas, incluindo a libertação de Macau e Timor", sublinhou.
"A URSS recusou, mas a China aceitou, embora limitando a exigência de independência às ex-colónias em África. A China não queria a libertação de Macau nem de Timor", continuou.
Viriato da Cruz aceitou a exigência chinesa e em 1960 ou 1961 viajou pela primeira vez para Pequim, acompanhado de Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
"E foi nessa altura que ele foi o portador do primeiro financiamento do MPLA. Os chineses entregaram-lhe um molho de notas, que escondeu num sobretudo. Foi o primeiro dinheiro que o MPLA recebeu para financiar as suas actividades", frisou.
A ligação à China reforçou-se com o desfecho da luta no seio do MPLA, em que a linha pró-soviética, liderada por Agostinho Neto, venceu a facção pró-chinesa, em que pontificavam Viriato da Cruz, Matias Migueis e José Miguel, entre outros.
Estes ex-dirigentes do MPLA juntaram-se depois à Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada por Holden Roberto, levando Washington, que apoiava a organização, a recear por um eventual radicalismo nas acções.
"Posteriormente, Viriato da Cruz incompatibiliza-se com a FNLA e opta por aceitar o convite das autoridades chinesas para se radicar em Pequim", acrescentou Moisés Fernandes.
Em Pequim, dinamizou uma cisão na Organização dos Escritores Afro-Asiáticos, tutelada por Moscovo.
"Viriato da Cruz chegou a fazer múltiplas declarações de apoio ao Presidente Mao Zedong e à política chinesa, invectivando a prática revisionista dos soviéticos, como então Pequim caracterizava o movimento comunista tutelado por Moscovo, sendo convidado a efectuar um périplo pela Ásia e África", destacou.
Entre Janeiro e Fevereiro de 1967, quando regressa a Pequim, Viriato da Cruz elaborou um relatório sobre o périplo, concluindo que "a revolução maoista era impossível em África".
Para Viriato da Cruz, "a conjunção de elites corruptas, massas ignorantes e economias rudimentares inviabilizavam a oportunidade de uma revolução maoista em África".
"Ele estava convencido que escrevendo o relatório nada lhe aconteceria, dada a importância e o prestígio que tinha alcançado em Pequim", salientou Moisés Fernandes.
Instado a rever o relatório que escrevera, Viriato da Cruz recusou e em conformidade entrou em desgraça junto do Partido Comunista Chinês, "e é apanhado no turbilhão da Revolução Cultural chinesa".
"Perde tudo e passa a viver de esmolas dos amigos. Ao mesmo tempo tenta sair da China, mas nem ele, nem a mulher, Maria Eugénia, ou a filha, são autorizados a viajar. Ele sabia muitas coisas e os chineses receavam que Viriato da Cruz revelasse o que sabia", considerou.
"Um dia foi convocado pela polícia. Com medo, queimou tudo o que tinha escrito, todos os documentos sobre Portugal e as ex-colónias africanas", precisou Moisés Fernandes.
Isolado e sentindo-se abandonado, Viriato da Cruz alimenta a obsessão de sair da China, o que leva a mulher a um acto de desespero.
"A Maria Eugénia resolveu tomar uma atitude. E, para que fossem expulsos do país, derrubou, em 1971, a estátua de gesso de Mao Zedong que se encontrava no átrio do Hotel Amizade, em Pequim", relatou.
Remetidos para fora de Pequim, a família Viriato da Cruz é instalada no sul da capital chinesa, "possivelmente num campo de concentração", numa área onde não residiam estrangeiros e onde era mais fácil controlar os movimentos e os contactos que mantinha.
Sem qualquer meio de subsistência, Viriato da Cruz morre dois anos depois, vítima de um enfarte cardíaco - "é essa a versão oficial" -, e só então a mulher e filha são autorizadas a regressar a Pequim.
"A mulher enviou uma carta ao cônsul de Portugal em Hong Kong, Carlos Simões Coelho, que a remeteu para Lisboa, endereçando ao director-geral da PIDE, Fernando Silva Pais", salientou Moisés Fernandes.
Autorizada a emissão dos documentos de viagem, a mulher e a filha puderam finalmente viajar.
O livro, da responsabilidade da Editora Prefácio, vai ser igualmente lançado em Luanda, neste caso pela editora Chá de Caxinde.

Edições Anteriores

Arquivo

DIRECTOR Paulo Reis REDACÇÃO Isabel Castro, Rui Cid, João Paulo Meneses (Portugal); COLABORADORES Cristina Lobo; Paulo A. Azevedo; Luciana Leitão; Vítor Rebelo DESIGN Inês de Campos Alves PAGINAÇÃO José Figueiredo; Maria Soares FOTOGRAFIA Carmo Correia; Frank Regourd AGÊNCIA Lusa PUBLICIDADE Karen Leong PROPRIEDADE, ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Praia Grande Edições, Lda IMPRESSÃO Tipografia Welfare, Ltd MORADA Alameda Dr Carlos d'Assumpção 263, edf China Civil Plaza, 7º andar I, Macau TELEFONE 28339566/28338583 FAX 28339563 E-MAIL pontofinalmacau@gmail.com