25.6.08

Carreiras do pessoal da função pública e estatuto do pessoal de direcção e chefia apresentados na AL
Uniformização, precisa-se

A regulamentação da política dos contratos individuais de trabalho (CIT) e as compensações ao pessoal de direcção e chefia ‘aqueceram’ o debate de ontem no plenário da AL

Alfredo Vaz

‘Em casa onde há muito pão, todos ralham e ninguém tem razão’. Esta adaptação livre do ditado popular resume o que o deputado Pereira Coutinho diz ser a “anarquia” que reina nos serviços da administração pública.
Para uma boa parte dos deputados não há um controlo, uma definição, uma baliza, até onde podem ir – e vão de facto - os contratos individuais de trabalho.
A sensação e criticas de alguns deputados é que cada serviço faz como melhor entender na contratação de trabalhadores por via do contrato individual de trabalho. O que acontece é que cada serviço público elabora cláusulas contratuais distintas: uns têm mais regalias e outros têm menos. Para Pereira Coutinho, isto viola o princípio do mesmo salário para o mesmo trabalho.
A questão é saber qual o enquadramento jurídico do contracto individual de trabalho (CIT), na medida em que a futura lei de trabalho diz expressamente no artigo 2º que os contratos individuais de trabalho da lei laboral não se aplicam aos trabalhadores da função pública. Por outro lado, estes contratos não se aplicam ao regime jurídico da função pública. Para Pereira Coutinho os trabalhadores “ficam à deriva, ficam no alto mar, sem rei nem roque.”

Período de transição

A Secretária para a Administração e Justiça disse entender as preocupações dos deputados, mas defendeu que primeiro que há que respeitar os contractos existentes: “não podemos retirar os direitos fixados nos contractos individuais de trabalho” observou a representante do Governo. Florinda Chan disse que este é um primeiro passo do que classificou ser um “período de transição que permitirá que as carreiras venham a ser uniformizadas.” O próximo passo, disse a Secretária, é reparar “situações injustas”, o que só acontecerá depois das carreiras terem sido revistas e uniformizadas. “A seguir temos que uniformizar o regime dos contractos. Não podemos passar todo o pessoal para os quadros, tal como não faria sentido estabelecer contractos individuais para pessoal dos quadros”, ironizou a Secretária. Florinda Chan lembrou que este é um processo moroso e complexo. “O regime jurídico da Função Pública vigente (...) foi estabelecido em 1989. Com a evolução acelerada da sociedade, este regime jurídico não pode estar adequado ao avanço aprofundado da reforma jurídica e da Administração Pública, nem consegue responder às expectativas gerais dos trabalhadores dos serviços públicos.”

Coutinho diz que governo está desacreditado

Já antes da sessão plenária - antecipando a apresentação da nova lei pela Secretária para a Administração e Justiça - Pereira Coutinho tinha alertado para a não colisão entre CIT e os contractos de tarefa, cuja regulamentação define claramente que só se aplica para trabalhos específicos de natureza temporal curta. “O que acontece é que muitos serviços públicos abusam deste mecanismo para contratar trabalhadores para períodos de longa duração, não pagando horas extraordinárias, subsídios de turno, 13º mês e por aí fora.” O que o deputado adjectiva de “abuso” e de “exploração de trabalhadores.” Coutinho não acredita que haja vontade politica em resolver esta questão e diz que Macau terá que ficar à espera do próximo Chefe do Executivo “quanto mais mexem nisto, mais asneiras cometem e pior ficam os funcionários públicos. Vivemos numa anarquia”, acusou.

Funcionários de segunda

Por outro lado e considerado mais gravoso o caso dos funcionários do IACM que são considerados “trabalhadores de segunda classe” e que “serviram na altura de cobaia para experiências administrativas, com resultados negativos, uma vez que não conseguiram estabilizar os recursos humanos”, acusou o deputado em declarações ao PONTO FINAL no intervalo da sessão de ontem
O IACM tem um regime privativo e uma tabela indiciária em que os seus funcionários recebem menos que ‘pares’ de outros serviços da administração pública que exercem as mesmas funções. Coutinho diz que tal se deve a “incompetência e falta de visão” da administração pública.
Na apresentação da proposta de lei sobre o regime jurídico das carreiras dos trabalhadores da função pública, Florinda Chan lembrou que a criação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais em 2001, que tendo em conta as circunstâncias socio-económicas existentes na altura, determinou a aplicação do regime de contrato individual do trabalho, bem como a elaboração de um Estatuto próprio para aquele Instituto, com um ajustamento adequado do índice de vencimento dos trabalhadores para efeitos de ingresso nas carreiras, e consequentemente prolongar a vida profissional dos mesmos.”

“Cultura da Graxa”

A proposta do Executivo para o Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia foi o outro tema forte da sessão plenária de ontem à tarde. O deputado Ng Kuok Cheong insurgiu-se contra a falta de responsabilização dos titulares de cargos públicos na proposta do Governo. Para o deputado do Novo Macau Democrático, os Secretários e seus Chefes de Gabinete também deviam ser abrangidos pelo diploma. Ng considerou que o Executivo está a usar os funcionários como cobaias: “os subordinados é que estão a ser sujeitos a testes”, acusou.
A proposta de lei apresentada pelo Executivo determina que os directores de serviço também passam a ser sujeitos a classificação anual. O novo regime levou Au Kam San, colega de bancada de Ng Kuok Cheong, a considerar que a única pessoa com autoridade para proceder à classificação é o superior hierárquico, o Secretário da tutela. Au vê ‘perigos’ nesta medida: “desculpe o mau jeito, mas isto vai incentivar à cultura da graxa. Quem engraxa melhor tem o seu lugar assegurado. E quem não engraxa, que mecanismos tem para recorrer se a apreciação não lhe for favorável?” perguntou o deputado.
Florinda Chan lembrou ao deputado que a apreciação do desempenho, diz que não é feita apenas pelos Secretários, mas que o principal ‘medidor’ é o relatório anual das actividades do serviço que dirige, e que o relatório é enviado ao Chefe do Executivo que determina se a comissão deve ser renovada e se há lugar a bónus.

Retroactivos ‘polémicos’

A proposta apresentada pelo Executivo prevê um suplemento de 20% para os Directores de Serviço e de 15% para as chefias como forma de tentar segurar na administração pública quadro qualificados, perante a concorrência cada vez mais ‘feroz’ do sector público. Mas mais do que os valores foi a retroactividade proposta pelo Executivo que levantou dúvidas dos deputados. Au Kam San diz que se trata de uma medida “injusta que pode criar novas situações de divisão e baixar o moral dos funcionários de categoria média e superior. Há casos em que estes funcionários trabalham pelo menos tanto quando os seus directores, e estes poderão sentir-se desmotivados e a sua produção ser afectada”, considerou o deputado.
Já a deputada Kwan Tsui Hang disse não compreender o sistema de complemento, “porque não um aumento directo no vencimento?”, perguntou. A presidente da Al apanhou a boleia e - disse que também não compreende porque não se processa a um aumento directo - e considerou que a medida acaba pode ter reflexos no sistema de previdência da RAEM, uma vez que não há descontos sobre o complemento, descontos que seriam feitos sobre o vencimento actualizado. Diz que, no limite, no futuro, até acabará por ser prejudicial aos beneficiários que não descontaram na altura devida. Em resposta, Florinda Chan disse que este não é o momento oportuno para se fazerem aumentos, porque para haver ajustamentos tem que se fazer uma proposta de lei que abranja todo o pessoal da administração pública: “isso criaria situações de injustiça porque alguns directores e chefias trabalham às vezes 24 horas sem terem direito a horas extraordinárias”, observou a Secretária.

Droga e suas contradições

A sessão já ia longa quando Florinda Chan usou da palavra para apresentar a proposta de lei sobre a proibição do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
A Secretária resumiu a necessidade de adequar a lei que já vigora há 17 anos à realidade social actual, dizendo que “há necessidade de efectuar uma profunda revisão.” Uma revisão que passa, no entender do Executivo, pelo agravamento das penas.
Mas quando a Secretária acabou a apresentação eram já 19:55 horas, a cinco minutos do tempo limite do plenário fixado pelo regimento da AL.
Sobrou apenas tempo para o deputado Ung Choi Kun dizer que concorda com o agravamento das penas, mas...“A intenção é boa, mas vejo algumas contradições. A nova proposta agrava a pena máxima para produção ilícita de 12 para 15 anos, mas baixa a pena mínima, que era de oito e passa a ser de cinco anos. Ou seja, em vez de agravar, minimiza.” A proposta do Executivo será apreciada numa sessão plenária agendada para o próximo dia oito de Julho.

Edições Anteriores

Arquivo

DIRECTOR Paulo Reis REDACÇÃO Isabel Castro, Rui Cid, João Paulo Meneses (Portugal); COLABORADORES Cristina Lobo; Paulo A. Azevedo; Luciana Leitão; Vítor Rebelo DESIGN Inês de Campos Alves PAGINAÇÃO José Figueiredo; Maria Soares FOTOGRAFIA Carmo Correia; Frank Regourd AGÊNCIA Lusa PUBLICIDADE Karen Leong PROPRIEDADE, ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Praia Grande Edições, Lda IMPRESSÃO Tipografia Welfare, Ltd MORADA Alameda Dr Carlos d'Assumpção 263, edf China Civil Plaza, 7º andar I, Macau TELEFONE 28339566/28338583 FAX 28339563 E-MAIL pontofinalmacau@gmail.com