Discurso de representante do governo da república marcou pela negativa cerimónia na residência consular
Chegou tarde e falou demais
Quase dezoito minutos de discurso e praticamente nenhuma referência à comunidade local. O discurso de Filipe Baptista foi duramente criticado. “Desenquadrado” e “um comício”, foram algumas das críticas ouvidas pelo PONTO FINAL. Antes, Moitinho de Almeida falou do orgulho da comunidade portuguesa em fazer parte de Macau, e o Chefe do Executivo reiterou que a comunidade é parte integrante e importante da RAEM
Alfredo Vaz
Chegou tarde e falou demais
Quase dezoito minutos de discurso e praticamente nenhuma referência à comunidade local. O discurso de Filipe Baptista foi duramente criticado. “Desenquadrado” e “um comício”, foram algumas das críticas ouvidas pelo PONTO FINAL. Antes, Moitinho de Almeida falou do orgulho da comunidade portuguesa em fazer parte de Macau, e o Chefe do Executivo reiterou que a comunidade é parte integrante e importante da RAEM
Alfredo Vaz
Em 17 minutos e 45 (quase trinta com a tradução em chinês) apenas os últimos 45 segundos do discurso do secretário de estado Filipe Baptista foram dedicados a Macau, e sem uma referência directa ao contributo da comunidade portuguesa. O conteúdo e a extensão da mensagem provocou desconforto, constrangimento e foi alvo de duras críticas por parte de destacados membros da comunidade portuguesa local ouvidos pelo PONTO FINAL. A intervenção do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro distraiu muitos dos presentes das palavras de encorajamento e solidariedade proferidas minutos antes pelo anfitrião e pelo Chefe do Executivo. O Cônsul Moitinho de Almeida falou do orgulho da comunidade em fazer parte do crescimento da RAEM, e o Chefe do Executivo prometeu que o governo irá cumprir escrupulosamente o espírito da Lei Básica e da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, permitindo que os residentes de Macau, incluindo a comunidade portuguesa, possam viver tranquilamente no território e aqui exercer a sua profissão.
Moitinho de Almeida começou por dizer que a celebração deste ano tem um significado especial pois tudo indica que este seja o seu último 10 de Junho celebrado em Macau como Cônsul de Portugal na RAEM. A propósito, disse que um simples exercício de retrospectiva dá a verdadeira dimensão das transformações por que passou e passa a RAEM: “Desde a minha chegada, em plena crise da SARS, há mais de cinco anos e até agora as mudanças são verdadeiramente impressionantes, seguramente sem paralelo em todo o mundo, num tão curto espaço de tempo. Os portugueses em geral, e os aqui residentes em particular, têm um enorme orgulho em fazer parte desse fenómeno, fruto de um processo de transição exemplar e do trabalho de todas as comunidades que fazem de Macau a sua casa”, sublinhou o Cônsul de Portugal na RAEM.
Moitinho de Almeida ressalvou que “como não podia deixar de ser” tão elevadas taxas de crescimento têm também tido consequências menos positivas, nomeadamente ao nível social, ambiental e das infra-estruturas, mas disse que “felizmente o Governo está ciente desse facto e tem tomado medidas para as minorar.” Uma das medidas realçadas por Moitinho de Almeida tem a ver, nas palavras do Cônsul, com a preservação da própria identidade de Macau, nomeadamente ao nível arquitectónico e urbanístico: “Nesse contexto, permitam-me que saliente a satisfação com que foram recebidas em Portugal, e pela comunidade portuguesa, as medidas relativas à preservação do entorno da Colina e do Farol da Guia”, destacou Moitinho de Almeida.
Portugueses podem viver tranquilos
Na habitual mensagem anual aos portugueses de Macau, o Chefe do Executivo reiterou que a comunidade portuguesa “é parte integrante e importante da Região Administrativa Especial de Macau. Com o aproximar dos nove anos da transferência de soberania e com uma vontade comum, a comunidade portuguesa tem contribuído para a construção de Macau”, frisou o Chefe do Executivo. Edmund Ho aproveitou ainda a ocasião para agradecer à comunidade portuguesa, que, tal como os restantes residentes de Macau, demonstraram uma grande solidariedade e generosidade para com as vítimas do sismo que assolou a província de Sichuan. Edmundo Ho disse ainda que o governo irá cumprir escrupulosamente o espírito da Lei Básica e da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, permitindo que os residentes de Macau, incluindo a comunidade portuguesa, possam viver tranquilamente no território e aqui exercer a sua profissão.
Num tom mais ligeiro e falando de improviso a propósito dos votos manifestados pelo Cônsul de que “a participação de Portugal no Campeonato da Europa de Futebol seja positiva e de que as Olimpíadas de Pequim sejam um sucesso”, também Edmund Ho não se esqueceu de fazer referência ao Euro2008. O Chefe do Executivo desejou que a selecção portuguesa obtenha os melhores resultados na competição e disse também estar à espera da delegação olímpica de Portugal que vem a Macau efectuar o estágio, desejando que “tenham sucesso e bons resultados nos Jogos Olímpicos de Pequim.”
Muito Portugal, pouco Macau
Portugal quer “usar a montra das suas comunidades” para desenvolver o país, afirmou no seu discurso o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Filipe Baptista, que, na cerimónia do 10 de Junho, enalteceu a política do Governo a que pertence. “Actualmente, numa economia global, ter comunidades bem integradas nas economias locais espalhadas pelo mundo é uma vantagem competitiva para qualquer país que se queira afirmar”, disse o membro do Governo. No seu discurso de 30 minutos, devido à tradução para chinês, o governante aproveitou para explicar à comunidade várias iniciativas políticas do Governo como o combate ao défice, reforma administrativa que disse ter eliminado burocracias, criação do Simplex, empresa na hora ou os programas de apoio social como o complemento social para idosos e criação do cheque pré-natal. A longa intervenção e as poucas referências a Macau provocaram desconforto, algumas trocas de olhar embaraçadas e criticas de boa parte da assistência.
Manuela António, Presidente da Casa de Portugal em Macau, estava visivelmente constrangida quando falou ao PONTO FINAL: “Não vinha com nenhuma expectativa. Venho, não por quem vem de fora, venho a esta festa por quem cá está. Por quem vem de fora eu não tenho expectativas e mais uma vez ficou provado que quem chega tarde e sai cedo não percebe onde está, não sabe o que vem aqui dizer, não sabe o que vem aqui fazer, e é uma tristeza muito grande. Isto só nos constrange ainda mais, ouvir e passar por uma situação destas. É lamentável que as pessoas não tenham um mínimo de sensibilidade já que não têm sequer o conhecimento diplomático ou o bom-senso de se aperceber, ou pelo menos para falar com quem cá está, com o nosso embaixador, não merecia passar por um momento tão desagradável.”
Também o jurista Nuno Lima Bastos, colega de curso de Filipe Baptista nos estudos de Direito, foi muito duro na apreciação ao discurso do secretário de estado: “Vinha com alguma expectativa mas só porque sou um eterno optimista. Realmente aquilo que ano, após ano se verifica aqui é que quem vem, não vem com um discurso preparado para Macau. Temos um secretário de estado que não tem nada a ver com Macau, mas isso até compreendo porque há várias comunidades espalhadas pelo mundo e o secretario de estado das comunidades não podia ser omnipresente...mas, pelo menos devia ter o cuidado de junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros ou da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, de se informar, de reunir alguns tópicos que fossem do interesse da comunidade portuguesa de Macau e de vir cá fazer uma intervenção curta – que esta não foi – e centrada nessas questões. Não vir falar do programa do Governo ou de vir fazer um comício. Todas as pessoas com quem eu falei que estavam aqui ou estavam a ir embora ou estavam-se a queixar deste discurso, inclusive pessoas da área politica deste Governo, portanto não é uma questão partidária. Não percebo como é que ano, após ano, estes senhores continuam a cometer os mesmos erros. Também não percebo o que é que o senhor Chefe do Executivo – que estava ao lado do senhor secretário de estado – há de ter pensado desta seca, passo a expressão. Todos os anos é assim (...) não há sensibilidade. Esperava que ele falasse destas questões que nos têm afligido, do IPOR, da Escola Portuguesa, do reforço da presença empresarial portuguesa aqui, questões que nos interessam. Não trouxe nada de útil.”
Desilusão e expectativas defraudadas
Desalentados e pouco conformados, Pereira Coutinho e Oliveira Paulo esperavam ontem ao final da noite pela confirmação dos encontros que pediram para manter com o representante do Governo de Portugal. Oliveira Paulo, presidente da Associação de Pais da Escola Portuguesa disse ter ainda alguma esperança que este venha a acontecer, mas estar ainda à espera de uma confirmação: “Vou saber qual é a oportunidade de nos encontrarmos para lhe apresentar as questões que mais nos preocupam relacionadas com a Escola Portuguesa: que deve haver algum cuidado com a mudança de instalações, mas também outras questões como o financiamento perante um cenário – que já não é novo – da Fundação Oriente querer fazer cortes no seu orçamento próprio, que terá implicações no orçamento da escola, e é óbvio que nós temos alguma preocupação relativamente a isso. Mas penso que o Estado Português poderá solucionar a questão. A outra é a questão curricular: toda a gente fala hoje em dia – e é uma coisa que nós andamos a defender há muito anos – da adaptação, a flexibilização dos currículos à realidade de Macau, espero que isso seja feito não naquela perspectiva de fazer discursos, digamos, pouco dirigidos a Macau, mas que tenhamos currículos adaptados a Macau.”
Quanto ao discurso de Filipe Baptista, Oliveira Paulo disse ter ficado desiludido, “não estava à espera que fosse um discurso mais dirigido para Portugal, em vez de ser dirigido aqui para a realidade local. Penso que as pessoas quando vêm devem saber quem vão encontrar, obviamente que fiquei desiludido.”
Pereira Coutinho, Conselheiro das Comunidades Portuguesas, acabou ter mais sorte que Oliveira Paulo e conseguiu reunir com Filipe Baptista ao início da noite na residência consular
para falar sobre as questões que preocupam os funcionários públicos e sobre a Escola Portuguesa. Pereira Coutinho disse ir entregar uma carta dirigida ao Primeiro-Ministro sobre o dossier Escola Portuguesa: “O prisma da carta é que tudo o que possamos fazer no futuro deve ter em primeiro lugar os interesses dos alunos daquele estabelecimento de ensino.”
Em relação à intervenção de Filipe Baptista, Coutinho considerou que o secretario de estado devia ter limitado a sua intervenção ao âmbito das comunidades portuguesas, “sendo o dia das comunidades portuguesas, seria muito importante que pudesse haver uma relação pessoal entre os portugueses que cá vivem, o representante do Governo de Portugal, porque só assim se poderia tomar o pulso dos sentimentos humanos da comunidade portuguesa residente em Macau. Espero que no próximo ano haja oportunidade para que os representantes do Governo possam dialogar de viva voz com os representantes da comunidade portuguesa.”