Director do Instituto de Estudos do Jogo da Universidade de Macau defende intervenção e planeamento
“É preciso comprar tempo e cultivar recursos”
Davis Fong insiste na diversificação da economia local, e diz que as operadoras devem entrar seguir o rumo traçado pelo Governo, sob pena de poderem não verem as suas licenças renovadas. Mas avisa que cabe ao Executivo encontrar o ponto de equilíbrio entre o crescimento de economia e a qualidade de vida dos cidadãos
Alfredo Vaz
“É preciso comprar tempo e cultivar recursos”
Davis Fong insiste na diversificação da economia local, e diz que as operadoras devem entrar seguir o rumo traçado pelo Governo, sob pena de poderem não verem as suas licenças renovadas. Mas avisa que cabe ao Executivo encontrar o ponto de equilíbrio entre o crescimento de economia e a qualidade de vida dos cidadãos
Alfredo Vaz
Comecemos por um tema da actualidade, o da fixação de um tecto de 1,25 por cento proposto pelo Governo como um para as comissões a pagar aos promotores do jogo – os chamados ‘junkets’.
Davis Fong - Concordo com o princípio em si, mas já ouvi muitas opiniões contrárias. Do ponto de vista financeiro – não económico – se a comissão for alta, todas as partes ficam satisfeitas. Os intermediários – os junkets – trazem mais jogadores, os casinos ficam satisfeitos e o valor absoluto do retorno é mais alto. No entanto há receios de que – infelizmente – possa constituir uma situação de risco para a indústria no seu todo.
Mas porquê?
Neste momento a comissão ronda os 1,35 por cento – o Governo quer fixar em 1,25 por cento. Mas repare, 1,35 por cento já é metade da chamada ‘vantagem da casa’, a do operador. Teoricamente, por cada 100 patacas apostadas, os casinos recebem 2.7 patacas. Como têm que pagar 1,35 por cento aos promotores, metade desse valor já não é encaixado pela operadora. E da metade que sobra, 39 por cento reverte para o Governo. Ou seja, a casa, o casino, fica apenas com 11 por cento no bolso.
Mas estamos a falar do segmento VIP. É aqui que defende uma maior equilíbrio entre os valores do mercado de massas e do segmento VIP, tal como pretende o Executivo?
Precisamente, é essa dependência que não é saudável,numa perspectiva do futuro do mercado. Devemos ficar dependentes das receitas brutas do jogo como sustentáculo da economia global? Não, esse dinheiro vai directamente e apenas para os cofres do Governo. Temos que apostar no reinvestimento. Se os casinos ficam com 11 por cento, quanto dinheiro é que estarão dispostos a reinvestir em novos projectos? Se assim for, desconfio que haverá muito menos investimento, e que nunca conseguiremos diversificar a economia. Com a comissão em 1,25 por cento os casinos passarão a ter entre 14 e 15 por cento, o que acho que é mais justo.
Macau está muito dependente do mercado VIP, é uma dependência indesejável?
Devemos adoptar uma estratégia de liberalização, mas o objectivo final é que o mercado de massas se sobreponha ao segmento VIP. Todos sabemos que o sector VIP é por si uma zona cinzenta, que tem uma economia, que não é sustentável a longo prazo.
Por outro lado, se quisermos que a indústria do jogo seja um estímulo da economia, não me parece que deva estar tão dependente do segmento VIP. Quando um jogador VIP vem a Macau e aposta – digamos um ou dois milhões de dólares – não está a contribuir para o comercio a retalho, da restauração. Ficam uma ou duas noites e vão. Agora pense não em um jogador, mas em dez mil, ou cem mil pessoas, que gastem pequenas quantidades em jogo, mas a mesma proporção em outros sectores da economia que não o jogo. Esse é o caminho que devemos seguir, apostar no mercado de massas, para substituir ou reduzir a importância, o peso, do segmento VIP na economia. Este é um dos objectivos da liberalização.
As autoridades reguladoras do Estados do Nevada conseguiram virar os pratos da balança, invertendo os valores da contribuição do mercado de massas para valores superiores aos do segmento VIP, essa é também a intenção das autoridades locais. É esse o caminho certo, portanto?
Las Vegas tem uma estrutura de mercado livre, mercado aberto. A realidade em Macau é diametralmente oposta, apenas usamos a liberalização como conceito, não há ainda resultados práticos.
Por outro lado, a Comissão de Jogo em Las Vegas tem um controle total sobre a indústria do jogo, o que não acontece em Macau,
No meu entender a Comissão de Jogo de Macau não tem poder suficiente para regular ou gerir o mercado.
Acha então que a Comissão do Jogo está refém das operadoras?
Há duas questões. Por um lado, se compararmos as Comissões de Jogo de Las Vegas e a de Macau, a norte-americana tem maiores competencias, que vão muito para lá da simples atribuição das licenças. Em Macau a realidade é diferente, penso que a Comissão de Jogo gostaria de dar maiores poderes à Direcção de Coordenação e Inspecção de Jogos, mas há falta de gente, de pessoal qualificado.
Mas a Comissão de Jogos de Macau só tem seis anos de experiência. Acho que não podemos exigir mais, Las Vegas tem mais de três décadas de experiência e – como falámos à pouco – outras atribuições e poder de acção e intervenção.
Por há muito a aprender, por exemplo quais os efeitos na economia de uma sociedade em muito dependente de uma indústria – a do jogo - que passa de um monopólio para uma liberalização, Não só os efeitos económicos, mas também – assente no chamado ‘pilar económico’ – quais os efeitos da economia do jogo nos outros sectores económicos da sociedade.
Considera então que tem que haver mudanças, acha que há vontade politica para as realizar?
O Governo tem que mudar a sua actuação, e para ser justo, acho que o Executivo está apostado em fazê-lo. O impacto da indústria do jogo na economia é monumental, mas chamado potencial de ausência de impacto também tem que ser levado em linha de conta. Acho que o Governo está a aprender com a experiência, e vejo que desde o início do ano há uma mudança na atitude do Governo.
Mas há uma série de exemplos de operadoras que abrem espaços de lazer ou entretenimento, para os fechar e no seu lugar porem mais mesas de jogo. Como se pode travar isto?
Pois, é uma questão das autoridades imporem as regras, e legislação existe. A mensagem é clara, a liberalização é um meio para se conseguir a diversificação da economia. A verdade é que este princípio não foi suficientemente sublinhado quando se iniciou o processo de liberalização, mas as coisas vão mudando, consoante vamos aprendendo com a experiência, com a realidade, e esse é o caminho que vamos trilhando.
Mas como pode então o Governo motivar as operadoras no sentido de serem parceiros activos na liberalização da economia, a estarem no mesmo barco?
Percebo as suas reticências, são dúvidas que nós também temos. Nos contractos não existe nenhuma cláusula que obrigue as operadoras a serem agentes participativos na diversificação da economia. Mas temos que ter presente que a palavra final, o controle definitivo, está nas mãos do Governo....
Nomeadamente....
...a começar pela renovação das licenças, que são de 20 anos. Mas também na possibilidade de surgirem novos concorrentes, isto está nas mãos do Governo. O Executivo pode usar destas prerrogativas como uma espécie de moeda de troca. Obrigá-las a seguir na mesma direcção, no mesmo barco, que queremos dar à nossa economia, este é o futuro.
Falou na possibilidade de poderem surgir novos concorrentes no futuro, caso o Executivo não esteja satisfeito com a resposta das actuais concessionárias. Mas em diferentes sectores diz-se que seis licenças já são demasiadas para a realidade local. Qual a sua perspectiva?
Sim, quando eu falei na eventualidade de novos concorrentes, este é apenas um cenário de recurso absoluto, e de qualquer maneira seria em substituição das operadoras que não estivessem a cumprir. Não era acrescentar, quanto muito, substituir, ou passar de mãos. Mas atenção, é preciso ter atenção às consequências. No caso da desmultiplicação da licença atribuída à Galaxy e depois repartida com a Las Vegas Sands, acho que o Executivo agiu bem, ou então nem teríamos nada no COTAI. Mas ao alargar o espectro das licenças de três para seis corre-se o Executivo devia ter avaliado os riscos de impacto na economia, nomeadamente em esgotar, em secar os recursos humanos, de terra, do sistema de transportes e por aí fora. Assim é impossível à sociedade acompanhar o passo do desenvolvimento da indústria do jogo.
Falando em concreto da falta de recursos humanos, este é um problema que já afecta o tecido social, e que se agravará com a abertura de mais casinos e ‘resorts’. Que soluções contempla?
Precisamos de ‘comprar tempo’, de ‘cultivar recursos’. Por comprar tempo, defendo que se adiem alguns projectos e se construa menos no futuro. Adiar em três, quatro, cinco anos, para ver a progressão do mercado e a resposta de recursos humanos. Neste momento temos cerca de 100 mil trabalhadores não-residentes. O que devemos perguntar à população residente, por exemplo em forma de consulta pública, é se ela sente confortável com esta percentagem. Qual o número razoável para um desenvolvimento sustentável da economia. Se decidirem por 100 mil, muito bem. Mas se acharem que pode chegar aos 200 mil, quer dizer que temos mais espaço para crescer.
Está a dizer que é preciso encontrar um valor de equilíbrio entre os números desejados para manter a sustentabilidade do sector e a zona de conforto do cidadão comum?
Sim, é isso que defendo. Se for esse o caso, então o Governo tem que encontrar o ponto de equilibro entre o crescimento da economia e a qualidade de vida das pessoas. Porque, de facto, a qualidade de vida dos residentes locais é afectada por este afluxo de trabalhadores não-residentes. Não é apenas uma questão económica, tem a ver com a qualidade de vida, é uma questão transversal à sociedade. É urgente resolver este ponto.
Tem um número que considere ideal, ou pelo menos satisfatório?
Se olharmos para o que está projectado para a zona do COTAI penso que 100 mil trabalhadores não-residentes é um número razoável, suficiente.
Nestes projectos inclui já os que foram recentemente anunciados, por exemplo pela Sociedade de Jogos de Macau e por Steve Wynn para o COTAI?
Não, não, não! Os empresários gostam sempre de anunciar novos projectos, novas ideias, de promover a sua imagem e sua grandeza (risos). Olhemos para o percurso de algumas das operadoras, algumas estão muito aquém daquilo que anunciaram com grande pompa há quatro ou cinco anos.
Mas quando diz que 100 mil é um número razoável, considera suficiente para o universo dos projectos anunciados, mas sem levar em conta que venham a ser construídas mais infra-estruturas, é isso?
Certo, para estes projectos, 100 mil trabalhadores não-residentes parece-me um número aceitável para a população residente. Mais que isso, e receio bem que possa vir a haver problemas. A população activa ronda os 330 mil trabalhadores, uma em cada três pessoas são trabalhadores não-residentes. Mas se chegarmos a um ratio de um para um, aí antevejo graves problemas sociais.
Para também há pouco na questão da dimensão do território...
...pois, é que Macau é muito pequeno geograficamente, apenas 29 quilómetros quadrados. É aqui que entra em jogo um outro factor, o planeamento urbanístico para uma cidade que já é muito densamente povoada, mas que poderá sê-lo ainda mais, se for essa a opção, ou da população residente – através de um processo de consulta – ou do próprio Executivo. Há que ponderar muito bem todos estes factores.
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Instituto procurado por mais de uma centena de alunos
“Macau está na moda”
“Macau está na moda”
Lançado em 2002 com o obejctivo de criar um mestrado em Gestão de Jogo, o Instituto de Estudos do Jogo já lançou para o mercado 80 gestores.
Na altura não havia material didáctico e muito poucos livros de estudo sobre a indústria do jogo sobre Macau. Daí que a primeira ‘missão’ foi criar material didáctico e desenhar o esqueleto do curso. A ajuda veio das Universidades de Las Vegas (UNLV) e da Universidade de Reno, Nevada (UNR); “Aprendemos, estudámos e construímos o nosso próprio programa curricular, mas não importámos o conceito das faculdades americanas, elas foram apenas objecto de estudo para podermos preparar o nosso próprio programa curricular”, revela o director do Instituto.
“Como com certeza saberá, até à altura da transferência de administração, era muito difícil termos acesso a informação, e estatísticas sobre a actividade dos casinos, era um monopólio, era muito complicado o acesso a essa informação, era mesmo difícil tipificar e identificar os tópicos de análise e estudo. Se reparáramos bem, a literatura compilada sobre a indústria do jogo em Macau até antes da transferência de soberania era reduzida, quase inexistente, havia muito poucos artigos, quase tudo se passava em segredo. Hoje é o que se vê, todos os meses surgem inúmeros textos sobre o jogo em Macau em dezenas de publicações quase por todo o mundo. Macau está na moda, e nós – enquanto Instituto – temos mais dados para estudo, análise, aprendizagem e ensino.”