22.9.08

O poeta verde

É, provavelmente, o maior especialista vivo da flora de Macau; mas é também poeta; esta faceta menos conhecida de António Estácio é hoje evocada em Lisboa. Com a presença do autor

João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com

Nasceu na Guiné-Bissau, viveu 26 anos em Macau e está em Portugal, que é a sua pátria e a sua língua.
Logo vai ser evocada, em Lisboa, a sua faceta de poeta, ele que publicou, com edição própria, em 1993, e quando assinalava 21 anos de Macau, o livro de poemas “Na Roda de Amigos”.
É mais uma sessão, a décima, do ciclo Poetas de Macau, numa organização do Centro de Promoção e Informação Turística de Macau.
António Júlio Emerenciano Estácio estará presente, para falar da poesia, do que o inspira e, sobretudo, de Macau – a grande paixão da sua vida.
Macaense, sem ter nascido em Macau, Estácio é, se não o último, um dos últimos representantes da importante diversidade étnica, cultural e social que marcou a miscigenação de Macau: África – Portugal – Oriente.

Uma vida dedicada ao ambiente

António Estácio nasceu na Guiné-Bissau em 3 de Maio de 1947. Depois de ter feito a tropa em Angola, no início da década de 70, foi para Macau como engenheiro técnico agrário, em 1972. Aqui esteve até 1998, tendo desempenhado diversos cargos e funções, desde vice-presidente da Câmara Municipal das Ilhas a vogal do Conselho Consultivo do Governador. Mas a sua grande especialização é o ambiente. Pertenceu ao Conselho do Ambiente e foi técnico-chefe dos Serviços Florestais e Agrícolas de Macau. Mesmo aposentado, continua a escrever sobre as zonas verdes, produzindo textos de carácter científico, que publica e apresenta em seminários onde se fala da China e de Macau. Publicou no total 9 livros técnicos, entre os quais, Flora da Ilha da Taipa, Monografia e Carta Temática de Macau, Flora da Ilha de Coloane, Dinâmica de Zonas Verdes da cidade de Macau, Jardins e Parques de Macau.
De índole não técnicos foram 5 livros, destacando-se neste contexto Na Roda de Amigos, o livro que está na base da evocação deste fim de tarde em Lisboa. Outros livros: Histórias Vividas e Contadas - Macau, Em Memória de Sá Nogueira e Pra Lá do Rasgar da Ganga.
António Estácio foi também presidente da Associação de Patinagem de Macau e ajudou a criar em Macau a Associação dos Guineenses Naturais e Amigos da Guiné-Bissau.

Viver as mudanças

Ao PONTO FINAL António Estácio revela que desde 2004 tem vindo anualmente a Macau, «e por largos períodos». «Procuro, sobretudo, recolher no Arq. Histórico, assim como nas Bibliotecas, nomeadamente na do antigo Leal Senado, material e esclarecer dúvidas sobre temáticas específicas a abordar nos trabalhos sobre a dinâmica das Zonas Verdes que a Sr.ª Prof.ª Doutora Ana Maria Amaro me vai dando oportunidade de apresentar na Semana Cultural da China e, mais recentemente, no Fórum Internacional de Sinologia».
Sobre o Macau que conheceu a partir de 1972 e mesmo quando regressou, em 1998, Estácio mostra preocupação pela degradação ambiental: «as mudanças são cada vez maiores e creio que a qualidade de vida se tem degradado em termos ambientais. As criticas frontais são poucas, mas há quem as faça em círculos mais ou menos restritos. Melhor dizendo: - fala-se, mas baixinho...». Para isto muito contribui o facto de diariamente «largas dezenas de milhares de pessoas, munidas de vistos individuais atravessarem a fronteira da Porta do Cerco (e não, como habitualmente se diz, das "Portas do Cerco". Pois, porta houve e há só uma. A que existe tem é dois batentes, não duas portas).
Também refere o custo de vida e a «enorme instabilidade a nível de segurança habitacional» e tem alguma dificuldade em aceitar a realidade: «compreende-se que haja mudanças, mas tantas é que não. Já não é a Macau que conhecemos e isso por vezes choca». António Estácio dá um exemplo: «é-me custoso ver pessoas que conheci e com quem convivi, por vezes até estreitamente, já bastante envelhecidas, a queixarem-se de certas alterações ocorridas e, com alguma saudade, a recordar tempos passados»
António Estácio conclui: «é certo que situações destas ocorrem noutros lados e este é o preço que se paga pelas grandes mudanças e cortes nas relações afectivas.
Mas, quando se gosta dum local... voltar a Macau é sempre agradável».
(alguns dos poemas e das informações usadas neste texto foram recolhidas na página Projecto Memória Macaense, www.memoriamacaense.org)


Na Meia Laranja

À tarde
Quando o Sol já não arde,
Na Meia Laranja vejo passar
Os barcos que andam na faina do mar

De tons irisados,
Tal qual em bailados,
Há mil reflexos que vão e retornam
Nas águas lodosas que deles se adornam.




A DEUSA A MÁ

Em tempos que já lá vão
Houve um dia um tufão
Foi um grande temporal
Muitos barcos se afundaram
Pois poucos aguentaram
A força do vendaval.

Numa pobre embarcação
Decidira o capitão
Certa jovem transportar,
E quando o barco aportou
Em santa se transformou
Lançando um divino olhar.

Nessa pequena enseada
Numa encosta abrigada
Ergue-se o templo de A Má,
Lugar de culto e oração
Para a população,
E o mais velho que há.

Aliás, em seu redor,
Voltado ao Porto Interior,
Foi que Macau nasceu,
Tendo desde a fundação
Tido logo a protecção
Que a deusa lhe concedeu.




SETE COLINAS

Tal como Roma e Lisboa
Macau tem sete Colinas,
Onde a gente se amontoa
Por serem tão pequeninas.
Perfilam-se, no horizonte,
A Penha, a Barra, a Guia,
A Ilha Verde, o Monte,
Mong Há e D. Maria.
A Penha tem uma igreja
E é muito visitada,
Embora já se não veja,
Da Praia Grande, a enseada.
A Barra está voltada
Para o Porto Interior,
Tendo uma bela Pousada
Que é de grande valor.

A Guia é a mais famosa,
Com o farol centenário,
Onde a vegetação viçosa
Forma um belo cenário.

A Ilha Verde não é
Ilha, como era dantes,
Sendo, há bem pouco, até
Refúgio de imigrantes.
A do Monte é guarnecida
Por uma velha Fortaleza,
Donde, aliás, foi vencida
A esquadra holandesa.
A de Mong Há hoje tem
Uma Escola Hoteleira,
Sendo ela, e muito bem,
Do Turismo a bandeira.
E na de D. Maria
Há uma curva apertada,
Que as Corridas da Guia
Tornaram muito afamada.

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