17.12.07

1444 Série III Ano XVI

MACAU/DELTA


MANIFESTAÇÃO JUNTOU POUCO MAIS DE 100 PESSOAS E TERMINOU ANTES DO PREVISTO
"A culpa foi da polícia"

A manifestação de ontem, apesar da transversalidade das causas - lei do trânsito, corrupção, mão-de-obra estrangeira e subsídios para os idosos -, não conseguiu arregimentar mais do que uma escassa centena de pessoas que se dispersaram antes do destino, o Palácio do Governo. A organização não tem dúvidas: "A culpa foi da polícia", cujo "excesso de zelo" impediu as pessoas de participarem

Hugo Pinto

Para os organizadores, a culpa do fracasso da manifestação de ontem é da polícia, que impediu que a população se juntasse aos protestos. "Parece que o governo não quer ouvir a população", disse no final antecipado da marcha, por falta de manifestantes, Lee Kin Yun, líder da Associação Activismo para a Democracia e o principal promotor desta acção de protesto, em conjunto com a Associação para a Promoção da Vida Civil de Macau.
Na verdade, juntos, comunicação social e polícia contavam mais membros do que os manifestantes que ontem partiram do Jardim Triangular, na Areia Preta, em direcção ao Palácio do Governo. O cortejo, que num cálculo mais generoso tinha pouco mais de 100 pessoas, incluindo cerca de 30 motas, haveria no entanto de dar por terminado o percurso em frente ao Edifício da Administração Pública, na Rua do Campo. Aí, Lee Kin Yun disse as palavras de ordem finais antes de, num gesto simbólico, pegar fogo à carta que era suposta ser entregue no Palácio do Governo. As pessoas que ostentavam cartazes e faixas já haviam dispersado, tal como os poucos motociclistas. O trânsito, que na Rua do Campo apenas chegou a estar cortado numa faixa aquando da passagem da manifestação, começava a fluir normalmente a partir das 16H30.
Quando, na passada semana, os organizadores desta manifestação anunciaram os seus intentos, falou-se numa adesão entre as 800 e as mil pessoas, um número que na altura parecia pouco optimista. Mas os mesmos organizadores devem ter percebido ontem, logo às 13H30, no Jardim Triangular, que uma adesão de 500 pessoas teria sido suficiente para o dia estar ganho.
Lee Kin Yun, munido de megafone, exortava aos motociclistas e transeuntes que passavam na zona do Jardim Triangular para se juntarem à manifestação. Os esforços do jovem activista pareciam de nada valer, e a tarde de domingo principiava como outra qualquer na Areia Preta. No Jardim, o coreto, os bancos e as mesas estavam todos ocupados com os entusiastas do xadrez chinês, a quem as palavras de ordem vociferadas ao megafone não chegavam para perturbar a concentração.
Distribuíam-se panfletos nos quais se enunciavam os motivos do protesto com fotos da manifestação do passado dia 1 de Outubro em que Lee Kin Yun aparecia destacado. As causas de protesto não eram novas. A diminuição da idade para atribuição da Pensão de Velhice de 65 para 60 anos de idade era a reivindicação cimeira, secundada por outras que incluíam os limites à importação de trabalhadores, a nova Lei do Trânsito Rodoviário, o combate à corrupção e as melhorias das condições de vida da população.

"Excesso de zelo policial"

O comandante da Polícia de Segurança Pública, Lei Siu Peng, contudo, acabou por parecer o motivo maior que levou à organização da manifestação, já que o seu nome foi dito vezes sem conta acompanhado de pedidos de demissão.
As críticas à polícia foram uma constante mesmo já depois de terminada a marcha. No entender dos manifestantes, o facto de o protesto ter juntado um número reduzido de pessoas foi culpa da polícia, que, defendem, separou a marcha em pequenos grupos acabando por fazer com que o cortejo se dispersasse. Lee Kin Yun acusou a PSP de "impedir que a população participasse" devido às barreiras que terão bloqueado as passagens.
Também o deputado Ng Kuok Cheong, cuja presença discreta não escapou aos jornalistas que o solicitaram por várias vezes, acusa a polícia de "excesso de zelo". "Em Macau, a polícia tem sempre excesso de zelo", disse o deputado. Sobre a sua participação nesta manifestação, disse que não podia ter deixado de participar porque concorda com a luta contra a corrupção e a protecção dos direitos dos trabalhadores locais.

CAIXA
Ng Kuok Cheong promete vertente cultural para manifestação da próxima quinta-feira
"Temos o direito de usar o Jardim do Iao Hon"

Está marcada para hoje a segunda reunião entre a Associação Novo Macau Democrático (ANMD) e a Polícia de Segurança Pública (PSP), no final da qual se saberá se a manifestação do próximo dia 20 vai partir do Largo do Iao Hon. Segundo disse ontem o deputado e membro da ANMD, Ng Kuok Cheong, na sexta-feira realizou-se a primeira reunião com a PSP, reunião essa que terá sido inconclusiva. Mas Ng Kuok Cheong reitera que "temos o direito de usar o Jardim do Iao Hon."
A União Geral das Associações de Moradores de Macau (Kai Fong) tem agendada para o dia 20, no Jardim do Iao Hon, uma festa de comemoração do 8º aniversário da RAEM, sendo que o Instituto para os Assuntos Municipais (IACM) terá autorizado o uso do espaço para esse fim já em Novembro. No entanto, a ANMD acusa o IACM de não ter agido da melhor forma ao não ter avisado os "democratas" atempadamente (alegam que a 13 de Novembro não foram notificados) sobre o facto de o espaço já estar reservado, gerando confusão e desentendimentos entre associações.
Ontem, Ng Kuok Cheong voltou a reafirmar a intenção de que a manifestação da próxima quinta-feira - contra a corrupção e a favor da democratização do sistema político de Macau -, se realize a partir do largo do Iao Hon.
"Temos o direito de usar o Jardim do Iao Hon, e vamos negociar com a polícia e as outras associações essa possibilidade." Sobre uma eventual passagem pela Avenida Almeida Ribeiro, zona que as autoridades evitam a todo o custo para "não prejudicar as actividades comerciais e turísticas", Ng Kuok Cheong disse que não está nos planos da ANMD usar essa artéria da cidade.
O deputado revelou ainda que a manifestação do próximo dia 20 vai contar com uma vertente "cultural", na qual se incluem actividades como "performances" e encenações.

CAIXA
Ng Kuok Cheong quer redução drástica de trabalhadores importados

Ng Kuok Cheong enviou ontem ao executivo uma interpelação na qual pede uma redução "drástica" da importação de mão-de-obra para o sector da construção. De acordo com o deputado da Associação Novo Macau Democrático, o sector do Jogo tem importado demasiados trabalhadores estrangeiros, uma situação que o governo deve controlar, entende.
Segundo os dados avançados pelo deputado, até Setembro, o sector foi responsável pela importação de mais de 22 mil trabalhadores, sendo que deste número cerca de 28 mil não são trabalhadores técnicos ou especializados. Mas o deputado ressalva que estes números, na realidade, devem ser maiores, uma vez que é prática comum no sector da construção haver sub-contratações.
Face a este quadro, Ng Kuok Cheong apela o executivo a reduzir "drasticamente" a importação de trabalhadores principalmente para o sector da construção, de modo a poderem ser criadas mais oportunidades para os trabalhadores locais. O deputado sugere ainda que o Governo autorize a importação de mão-de-obra especializada e técnica dependendo do investimento que as empresas fazem em Macau.


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JOÃO MIGUEL BARROS ENTREGOU PETIÇÃO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
Poderes especiais do CCAC são "ilegais"

O advogado português João Miguel Barros entregou uma petição na Assembleia Legislativa para a revisão da Lei que confere especiais poderes ao Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) que o causídico considera ilegais. Num texto enviado aos órgãos de comunicação social, João Miguel Barros explica as competências de investigação atribuídas ao CCAC e centra a sua atenção numa excepção à regra geral estabelecida no Código de Processo Penal que permite que aquele órgão "não esteja sujeito a nenhum prazo para concluir as investigações por si iniciadas".
"É minha convicção que os direitos dos cidadãos não podem ficar à mercê de situações de discricionariedade ou arbitrariedade e muito menos que isso aconteça a coberto de uma aparência de legalidade", sustenta o advogado.
João Miguel Barros sublinha não ser "possível aceitar, no plano dos princípios e do respeito dos direitos fundamentais, que a lei permita a existência de mecanismos que criem regimes de excepção, atribuindo a qualquer entidade de investigação policial poderes próprios que não possam ser, a todo o tempo, fiscalizados pelos Tribunais".
"O regime de excepção previsto na lei pode levar, na prática, a que o CCAC constitua um arguido no início ou no desenvolvimento do Inquérito e mantenha a pessoa investigada nessa condição de arguida durante o tempo que quiser, não estando sujeito ao prazo geral de oito meses estipulado no Código de Processo Penal para a sua conclusão (que se aplica às situações em que não haja arguido preso preventivamente)", sustenta.
Para João Miguel Barros, no limite, "essa situação pode arrastar-se durante anos, sem que a pessoa visada tenha qualquer possibilidade de reagir e de se defender, por desconhecimento dos factos que lhe são imputados e por impossibilidade de acesso ao processo, o qual passa a ficar em segredo de justiça".
O advogado considera que a possibilidade aberta na lei afronta a segunda parte do art. 29º da Lei Básica, que diz que "quando um residente for acusado da prática de um crime, tem o direito de ser julgado no mais curto prazo possível pelo tribunal judicial, devendo presumir-me inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação pelo tribunal".
Por outro lado, continuou, afronta também o art. 30º, onde se determina que a dignidade humana dos residentes de Macau é inviolável, e que a todos é reconhecido o direito ao bom-nome e reputação e o disposto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em vigor em Macau.
Segundo aquele pacto internacional, "todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infracção penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado", assinala.
João Miguel Barros considera ainda "inaceitável que a lei permita que uma entidade policial mantenha indefinidamente uma pessoa na situação de arguido e que a tenha em investigação ao longo de anos, porventura ao longo de toda a sua vida, sem limite temporal determinado para a conclusão do processo".


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LEONEL ALVES SOBRE IMPOSSIBILIDADE DE RECURSO NO CASO AO MAN LONG
"É uma boa altura para se debater isto"

O deputado Leonel Alves aceita a decisão do TUI sobre a impossibilidade de recurso no processo Ao Man Long. Mas destaca que a lei remonta ao início da RAEM e que foi uma opção política que deve hoje ser revista. O advogado falou à margem de um almoço com o secretário-geral da Comissão Preparatória da RAEM, Chen Ziying, que diz que “está tudo a correr bem em Macau”

Sónia Nunes

O advogado Leonel Alves defende a revisão do sistema judiciário da RAEM e nova ponderação sobre a distribuição dos magistrados pelas instâncias locais. E destacou que não há lacunas na lei sobre a possibilidade de recorrer das decisões ou acórdãos do Tribunal de Última Instância: a não admissão de segunda apreciação foi discutida e rigorosamente aceite pelos deputados. Tratou-se, disse, de uma opção política. Porém, oito anos volvidos desde a transição é altura de abrir o debate.
Leonel Alves comentava o despacho que o TUI endereçou à defesa de Ao Man Long, à margem de um almoço que contou com a presença do ex-secretário-geral da Comissão Preparatória da RAEM, Chen Ziying, que discursou sobre a Lei Básica. O colectivo do supremo informou, na passada quarta-feira que as suas decisões são definitivas e que não admitem reapreciações. O despacho, assinado por Viriato Lima, referia-se ao recurso interlocutório, pedido pela defesa de Ao, sobre a validade de algumas provas apresentadas em julgamento. Porém, o juiz antecipou que o mesmo princípio será aplicado à decisão do acórdão. Já o advogado do ex-governante, Nuno Simões, entende que o sistema judiciário local devia fazer cumprir a Lei Básica - o diploma remete para o Pacto dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, tendo, em teoria, que prever a possibilidade de recurso para qualquer arguido.
“Nas vésperas da transição, a Assembleia Legislativa debruçou-se sobre esta questão. E, na minha perspectiva foi tomada uma decisão política: Última Instância é Última Instância. Não foi uma omissão legislativa. Pensou-se demoradamente e assim se decidiu”, afirmou Leonel Alves. O deputado parafraseou o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Neto Valente, que a título pessoal, deu razão à decisão ao TUI e argumentou que era um privilégio ser-se julgado imediatamente e em primeira instância por um tribunal supremo.
Em termos práticos, o despacho do TUI é o possível: “Se em algumas matérias, como a uniformização da jurisprudência, há métodos processuais, aqui não há”, afirmou Leonel Alves. A questão deve ser, no entanto colocada ao nível teórico e no berço de origem, o círculo político. A revisão, continuou, precisa de encontrar o momento certo – que deverá ser ainda no mandato de Edmund Ho. “É uma boa altura para se debater isto numa mesa redonda. Depois de oito anos de experiência e da constatação do tipo de desenvolvimento que nós temos, deve haver a respectiva correspondência judiciária”, sublinhou o advogado. E acrescentou: “O nosso sistema judiciário, em potência, é aplicado a milhões de pessoas. Não é doméstico, para uma vila alargada. É para uma cidade internacional”.

Uma questão de soberania

A distribuição dos magistrados pelos tribunais, sobretudo pelo o de Última Instância aquando da formação da RAEM, causou grande celeuma na classe. O tribunal supremo, à época antes da transição, contava apenas com juízes portugueses. Com a passagem de soberania para a República Popular da China, não faria sentido que o órgão máximo da justiça local fosse encabeçado por figuras da antiga administração. Porém, escasseavam os magistrados chineses com formação. Foram então nomeados três juízes: Sam Hou Fai (como presidente do colectivo), Chou kin e Viriato Lima, vindos do Tribunal de Competência Genérica, novos e com curta experiência.
“Esta temática foi arrastada pelo grupo de ligação conjunta entre Portugal e China. Não foi um assunto fácil. A questão da soberania, demonstrada através de cargos exercidos por chineses, pesou sobremaneira. O grupo não chegou a consenso e teve de ser a Comissão Preparatória a encontrar uma solução”, recordou Leonel Alves. A altura, a solução, continuou foi boa e serviu bem os primeiros anos da RAEM. Porém, passaram oito anos: “Como político, é interessante que tenhamos que reponderar o que falámos há 10 anos”, rematou.
A solução para o recurso interposto pela defesa de Ao Man Long podia ter passado pelo alargamento da composição do TUI ou pela chamada dos juízes da Segunda Instância. Decidiu-se pela rejeição, com Nuno Simões a dizer que mesmo apelando às instâncias internacionais, o TUI não vai recuar, não se justificando assim mais insistências.


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OPINIÃO
Ao Man Lomg poderá recorrer do acórdão final?

Jorge A. F. Godinho *
(jgodinho@umac.mo)

Como foi amplamente noticiado, foi proferida na passada semana, no mesmo dia em que tiveram lugar as alegações finais por parte da acusação e da defesa, uma decisão de não admitir um recurso respeitante a matéria de prova que tinha sido interposto pelo arguido Ao Man Long, ex-Secretário para as Obras Públicas.
A questão do direito a recurso quer de decisões interlocutórias quer da decisão final era conhecida, bem como as perplexidades que suscita, e os dados concretos do problema estavam colocados desde o início do processo, em Dezembro de 2006. Em todo o caso, o despoletar explícito ou formal do assunto suscitou grande impacto em Macau em geral e nos meios jurídicos em particular.
Neste contexto, o presente texto é apenas uma curta reflexão com vista a contribuir para o debate sobre a questão, que por enquanto é apenas hipotética, de saber se haverá direito a recurso da decisão que a final vier a ser proferida.
Deixemos de parte a raiz «profunda» do problema: o entendimento de que os crimes cometidos por certas categorias de pessoas devem ser julgados não no tribunal de primeira instância mas sim em instâncias superiores, na segunda ou mesmo na última, consoante os casos. É algo que poderá talvez ser repensado nos seus fundamentos, com vista a apurar se continua a haver justificação para tal tripla diferenciação e, caso a resposta seja positiva, se há no sistema judiciário actual modo adequado de resolver todos os problemas práticos que se possam suscitar, incluindo a garantia do duplo grau de jurisdição.
Seja como for quanto ao futuro, o certo é que a regra existe: nos termos da lei vigente, há pessoas que são julgadas em primeira instância perante a última instância. Trata-se de uma norma de competência dos tribunais, e não de um direito ou privilégio do arguido, pelo que este não pode renunciar a ser julgado pelo Tribunal de Última Instância, optando por um tribunal inferior, mesmo que já não ocupe o cargo.
Daqui emerge a questão de saber se é possível que tais pessoas sejam julgadas em instância única, sem direito a recurso. A principal dimensão deste problema reside em saber se a lei ordinária da RAEM, ao aparentemente recusar o direito a recurso, viola normas de direito internacional aplicáveis, de força hierárquica superior.
O n.º 5 do art. 14.° do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), uma carta de direitos fundamentais vigente em Macau desde 1992, dispõe: «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei».
Resulta desta norma que tem de existir a possibilidade de interpor recurso para um tribunal superior, segundo trâmites a especificar por lei, para que as decisões penais proferidas em primeira instância não sejam imediatamente definitivas, já que se trata de matéria com consequências potenciais de enorme gravidade.
Como é fácil de ver, se o processo é iniciado no tribunal supremo, não há tribunal superior para onde recorrer. Noutros sistemas jurídicos, uma solução consiste em recorrer para o mesmo tribunal, mas com uma composição alargada. Tal não está previsto em Macau.
Em todo o caso, o PIDCP em especial e o direito internacional dos direitos do Homem em geral admitem que um arguido seja julgado em primeira instância pela última instância: é possível fazer uma reserva ao PIDCP com este teor, ou seja, uma declaração por escrito pela qual um Estado, no momento da ratificação de uma convenção internacional, exclui a aplicação de uma certa disposição. Porém, se tal reserva não for feita, a regra constante do n.º 5 do art. 14.° do PIDCP vigora sem excepções ou restrições na ordem interna, e tem de haver direito a recurso.
Por esta razão, na Europa, onde vigora a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), foi aprovada expressamente uma norma que prevê uma excepção. O n.º 2 do art. 2.° do Protocolo n.º 7 adicional à CEDH dispõe: «Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição». Deste modo, na Europa, a excepção resulta ipso facto da ratificação do Protocolo n.º 7, onde a questão foi explicitada e resolvida.
No âmbito do PIDCP não se dá tal formulação aberta do problema, pelo que resta aos Estados a possibilidade de formular reservas ao n.º 5 do art. 14.°, o que foi feito por vários (Bélgica, Itália, Holanda e Suíça).
O problema reside porém no facto de que quer Portugal em 1992 (quando tornou o PIDCP aplicável a Macau) quer a RPC em 1999 (quando confirmou a sua vigência na RAEM), não formularam reservas ao n.º 5 do art. 14.° do PIDCP, como poderiam ter feito, se assim entendessem; a RPC formulou apenas três reservas ou declarações, sobre outras questões (autodeterminação; entrada e saída de pessoas e expulsão de estrangeiros; matéria eleitoral), e afirmou que, quanto ao resto, quaisquer restrições a direitos e liberdades dos residentes de Macau não contrariarão as disposições do Pacto aplicáveis na RAEM. Pelo que, não tendo excluído o direito a recurso nos casos em que um arguido é julgado em primeira instância pela mais alta instância, este direito tem plena aplicação na RAEM, com valor supralegal, dado que se trata de direito internacional.
A questão foi abordada expressamente pelo Comité dos Direitos do Homem em 2004 no caso Jesús Terrón vs Espanha (Comunicação n.º 1073/2002, CCPR/C/82/D/1073/2002, Novembro de 2004) referente a um parlamentar das Cortes regionais de Castilla-La Mancha que foi julgado e condenado em primeira e última instância pelo crime de falsificação de documentos no Tribunal Supremo de Espanha, bem como em 2006 no caso Luis Oliveró Capellades vs Espanha (Comunicação n.º 1211/2003, CCPR/C/87/D/1211/2003, Agosto de 2006), relativo a um membro das Cortes julgado por falsificação, associação criminosa e crimes contra a fazenda pública em ligação com financiamentos ilícitos do partido socialista. Em ambos os casos o Comité decidiu que houve violação do PIDCP, e condenou Espanha a providenciar medidas concretas para resolver a situação no prazo de 90 dias.
O comentário oficial do PIDCP é aliás muito claro: «Where the highest court of a country acts as first and only instance, the absence of any right to review by a higher tribunal is not offset by the fact of being tried by the supreme tribunal of the State party concerned; rather, such a system is incompatible with the Covenant, unless the State party concerned has made a reservation to this effect» (Comité dos Direitos do Homem, General comment no. 32. Article 14: Right to equality before courts and tribunals and to a fair trial, doc. CCPR/C/GC/32, 2007, ponto 47). De resto, o artigo 40.° da Lei Básica refere que as leis da RAEM não podem restringir direitos constantes do PIDCP aplicáveis em Macau.
Perante estes dados, e salvo melhor opinião, parece-nos modestamente que perante o direito vigente na RAEM, um recurso da decisão final, caso venha a ser interposto, deverá ser admitido pelo tribunal, ao abrigo do PIDCP. Caberá depois à RAEM (e não exactamente ao tribunal que proferiu a decisão impugnada) encontrar os meios adequados para dar cumprimento ao n.º 5 do art. 14.° do PIDCP. Afigura-se, em suma, que caso o Eng. Ao Man Long recorra da decisão final do TUI e o recurso não seja admitido, a RAEM incorrerá numa violação do PIDCP.
Aproveito a ocasião para desejar a todos os leitores uma óptima quadra natalícia.

* Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau


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CHEN ZIYING DIZ QUE ARTIGO 23º E IMPOSTO PROFISSIONAL NÃO SÃO PROBLEMAS
Lei Básica manda bem

Sónia Nunes

Para o antigo secretário-geral da Comissão Preparatória da RAEM e vice-director do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado da República Popular da China, Chen Ziying, a Lei Básica, desenhada antes de 1999, conseguiu antecipar o crescimento de Macau e está actualizada. A questão do artigo 23º ou do imposto profissional aplicado aos funcionários da Administração não levantam quaisquer problemas, defendeu.
Chen Ziying, que no período antes da transição fez várias auscultações junto da população residente em Macau (macaenses, portugueses e chineses), voltou à região, a convite dos deputados eleitos por via indirecta à Assembleia Legislativa, Leonel Alves e Chui Sai Cheong, e pela Associação Promotora da Lei Básica. “Estou muito contente por ver estas mudanças espectaculares em Macau. O desenvolvimento económico é bastante impressionante e tudo tem sido bem alcançado de forma bem sucedida. Mesmo o nível de vida das pessoas está a melhorar. Muito obrigado”, comentou Chen Ziying aos jornalistas. Referiu que o principal diploma legislativo de Macau foi bem implementado e que soube prever as exigências da população.
A perfeição do sistema refere-se também ao artigo 23º que convida a RAEM a produzir leis que proíbam actos de traição à pátria. Trabalho que, segundo Edmund Ho, será feito antes de 2009. “O artigo 23º é para a RAEM aplicar por si própria e não acho que seja um problema. A legislação não está atrasada. Mas precisa de ser estudada e submetida a consulta pública”, defendeu Chen Ziying.
Também a decisão do Executivo sobre o levantamento da isenção fiscal para os funcionários da Administração Pública não causa qualquer conflito, embora a resposta de Chen Ziyinh tenha sido esquiva: “Percebo que todas as pessoas e dos diferentes quadrantes tenham que apoiar a lei. O bom funcionamento de ‘um país, dois sistemas’ tem sido uma prova muito substancial. Está tudo a correr bem”.
Já para Leonel Alves, o alargamento do imposto profissional à função pública em nada contraria a Lei Básica, que diz que os “agentes públicos que originalmente exerçam funções em Macau (...) podem continuar a trabalhar (...) com benefícios não inferiores aos anteriores”. Para o deputado, esta é questão ultrapassada. “Há um princípio que prevalece que é o da igualdade, quer no sector privado, quer no público. Se todos pagam, porque há-de haver privilegiados?”, comentou o deputado.
O advogado foi um dos vice-presidentes do Conselho Consultivo para a Lei Básica. Defende que “o diploma tem sido fundamental, com uma capacidade de prever situações políticas e económicas, com uma antecedência de dez anos”. Não há, portanto, necessidade de revisão.
Leonel Alves destacou que a boa redacção legislativa teve também que ver com o facto de Chen Ziying ter sido embaixador da RPC em Portugal. “Contribuiu para que houvesse uma melhor percepção dos problemas de Macau e para uma transição pacífica”, afirmou.
Durante o discurso, Chen Ziying “falou muito demoradamente sobre as diversas soluções consagradas na Lei Básica que protegem a permanência dos portugueses e dos macaenses, ao contrario da Lei básica de Hong Kong”, revelou o deputado e enalteceu os esforços do Executivo em preservar a herança histórica e o multiculturalismo na região. “E reforçou porque é que determinados cargos só podem ser exercidos por pessoas com cidadania chinesa”, resumiu.


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MACAU ENTRE CONJUNTO DE REGIÕES E PAÍSES QUE AGUARDA DECISÃO DA OMC
Antígua ainda sem compensação por jogo on-line

O prazo limite era ontem, mas ainda não há data para o anúncio da decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) relativamente à compensação por parte dos Estados Unidos a Antígua e Barbuda, que exige ser indemnizada devido à proibição norte-americana do jogo on-line. Na mesma situação da nação das Caraíbas está também conjunto de regiões e países que têm negociado com os Estados Unidos contrapartidas. Nesse conjunto incluiu-se Macau, a União Europeia, Índia, Japão, Costa Rica, Canadá e Austrália.
Ontem, Gretchen Hamel, porta-voz do Departamento do Comércio norte-americano, disse à Reuters que o relatório da OMC está atrasado, não havendo por isso sinal de o conflito ter sido decidido. Antígua e Barbuda pede 3,44 mil milhões de dólares norte-americanos anuais como compensação pelas perdas do mercado de jogo on-line. Os EUA oferecem apenas 500 mil dólares, o que levou o caso até às instâncias arbitrais da OMC.
As primeiras reivindicações da nação à OMC remontam a 2003, quando alegavam que as leis do jogo on-line dos EUA violavam os acordos comerciais no âmbito da própria OMC. A organização internacional já por mais do que uma vez confirmou que os EUA violavam os acordos. No entanto, em vez de alterar as leis de acordo com os princípios da OMC, em 2006 a administração Bush decidiu excluir retroactivamente o jogo on-line dos seus compromissos no âmbito do Acordo Geral em Comércio de Serviços (GATS).
Este ano, a OMC voltou a considerar que os EUA persistem em violar os princípios de acordo para o comércio mundial, e que falharam em remediar essa situação.
Os outros países e regiões que continuam a negociar com os EUA, podem ainda recorrer à OMC, tal como Antígua e Barbuda fez.

Deputados norte-americanos pedem revisão da lei

Recentemente, membros da Câmara dos Representantes norte-americana defenderam que, ao invés de pagar uma indemnização, a administração norte-americana devia rever a actual legislação que proíbe o jogo on-line.
"A administração Bush optou por não consultar o Congresso, e tomou uma medida drástica, que pode ter consequências graves para a Organização Mundial do Comércio", conforme se podia ler numa carta enviada pelos deputados John Conyers e Barney Frank à representante norte-americana para o comércio, Susan Schwab. Tendo em conta que os EUA aprovaram legislação no ano passado que impede o jogo on-line, proibindo os bancos e empresas de cartão de crédito de efectuar pagamentos a sítios que se dediquem a esta actividade na Internet, os deputados temem o impacto perante os parceiros externos. "Continuar com as mesmas políticas velhas para fazer boa figura não faz sentido", disse John Conyers.
Na carta enviada a Swab, os deputados afirmaram temer que a compensação fique "cara para a economia dos EUA." Contudo, acrescentaram, "estamos talvez mais preocupados com o que este passo atrás significa para a credibilidade dos EUA enquanto parceiro comercial".


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Turismo acerta políticas em Pequim

Os Serviços de Turismo de Macau (DST) já apresentaram à Administração Nacional de Turismo da China (ANTC) o relatório preliminar sobre o incidente envolvendo um grupo de turistas provenientes da Província de Hebei ocorrido na Praia de Hac Sa no passado dia 4, incluindo o apuramento dos factos e as conclusões das diligências efectuadas. A entrega foi feita no passado dia 14, no âmbito de uma reunião de trabalho entre a ANTC.
Outros dos temas que estiveram em cima da mesa na reunião que teve lugar em Pequim foram o documento “Mecanismo de Gestão das Agências de Viagens de Macau admitidas no Programa 'Excursão a Macau'”. Esta medida estipula que as agências de viagens que não cumpram os requisitos do programa verão cancelado o seu direito da participação no programa.
Os responsáveis do Departamento de Regulamentação e Gestão da Qualidade da ANTC apoiaram esta iniciativa, considerando que é uma medida capaz de um contributo positivo para a fiscalização do programa “Excursão a Macau”. O objectivo é que a organização das excursões a Macau sejam efectuadas exclusivamente por agências de viagens constantes nas listas certificadas.
Da mesma forma, o documento sugere ainda a “ponderação e fixação de preços justos”, avançando com preços de referência a serem cobrados pelas agências.
Para hoje está marcada uma conferência no Centro de Actividades Turísticas sobre o incidente na Praia de Hac Sa.


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Macau compromete-se com Quioto

Macau comprometeu-se ontem oficialmente a aplicar o Protocolo de Quioto. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io, presidiu à "Cerimónia de Arranque da Aplicação do 'Protocolo de Quioto' a Macau", na Praça do Tap Seac.
Sendo este o primeiro passo, seguem-se agora os pedidos ao Governo Central que, por sua vez, vai endereçar o pedido às Nações Unidas.
Segundo o Director dos Serviços de Meteorologia e Geofísica, Fong Soi Kun, em declarações ao Canal Macau, o plano passa por respeitar o ambiente "economizando energia." O responsável disse que o território já tem um plano para a aplicação do Protocolo de Quioto, bem como uma lista dos principais emissores poluentes. Ainda segundo o responsável, em Macau já se sentem os efeitos das alterações climáticas, com os últimos Invernos a registarem temperaturas relativamente mais elevadas do que em anos anteriores.
Oficialmente, o Protocolo de Quioto entrou em vigor em 16 de Fevereiro de 2005, depois de a Rússia ter ratificou o acordo em Novembro de 2004, mas já existe desde 1999.
Este acordo propõe um calendário pelo qual os países desenvolvidos têm a obrigação de reduzir entre 2008 e 2012 a emissão de gases de efeito estufa em, pelo menos, 5 por cento em relação aos níveis de 1990.



CULTURA

ACADÉMICA QUER DESPERTAR SOCIEDADE PARA PROBLEMÁTICA DA TOXICODEPENDÊNCIA
Pedrada no charco

Um grupo de seis ex-toxicodependentes inaugurou uma exposição artística no Centro de Educação para Adultos da DSEJ, no Iao Hon. Querem mostrar outra identidade ao mundo, através da fotografia ou de desenhos. O mesmo objectivo tem Cecília Ho que prepara um documentário sobre o consumo de drogas injectáveis em Macau. A sociedade vai ser agitada

Sónia Nunes

Há um novo homem com uma máquina fotográfica nas mãos. Chama-se Weng Sang e tem 53 anos. Expôs ontem as primeiras fotografias ao público. Duas imagens a cor captadas no jardim Carlos D´Assumpção. A primeira põe em confronto os edifícios dos dois lados da avenida do Nape; a segunda mostra uma mulher sentada no parque, absorta. Uma encerra o mundo da droga, a outra espelha a recuperação do vício. Sempre em suspenso.
Weng Sang tinha 17 anos quando consumiu drogas pela primeira vez. Um chuto de heroína pura. A auto-destruição não se compreende pela razão. É um acidente absoluto: “Calhou. Era jovem e queria experimentar outras coisas. Na altura, não havia haxixe, nem cocaína. Também não ouvia os conselhos dos outros. E deram-me muitos”, afirma. A obsessão pelo cavalo branco durou mais de trinta anos – até, há nove meses, ter finalmente ultrapassado o terceiro dia de desintoxicação a frio. “Estava de ressaca há três dias. Já não tinha forças físicas para sair e arranjar droga. Dei entrada no hospital e fiquei internado durante quatro dias. Fui depois encaminhado para o centro [de reabilitação] e estou aqui há nove meses”, conta Weng Sang. Está sóbrio e ostenta um suave brilho nos olhos. E diz: “Sinto-me livre”. E recua: “Nove meses não quer dizer nada. Ainda não estou preparado, ainda não tenho confiança. Tenho medo de sair e de ter uma recaída”.
A exposição de fotografia está patente no Centro de Educação para Adultos do Iao On, da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude. Reúne os trabalhos de cerca de seis ex-toxicodependentes, sob o título “Eu”. O projecto resultou de um workshop tido há três meses onde os internos foram convidados a contar a sua história. “A iniciativa pretendia ensiná-los a expressarem-se através da fotografia. E incentivá-los a mostrarem-se ao público: para que a sociedade saiba que eles têm outra identidade, para além do ex-toxicodependente”, explica Cecília Ho, conferencista no Instituto Politécnico de Macau e especialista em programas de acção social, que prepara um documentário sobre o consumo de drogas injectáveis no território.
A Weng Sang bastaram duas imagens para resumir a sua vida. O antes e o depois. Contempla as fotografias e percorre-as com os dedos, delicado. “Aqui basta uma olhadela e vemos dois grupos a fazerem força um contra o outro. No meio, está este lago com repuxos. As águas sobem e descem, parecem os sons de uma bateria. Quando caem têm o som dramático, o das forças em acção”, descreve. É esta a primeira fotografia (“Dois grupos um contra o outro”), a que cataliza o passado de violência, de choque com o mundo.
Em paralelo está a imagem de uma mulher sentada num banco de jardim. No início deste ano, Weng Sang esteve vinte minutos parado no parque Carlos d´Assumpção. “Não tinha ninguém a fazer barulho, é uma zona muito tranquila. Sem pessoas. Senti uma calma no coração, no espírito”, recorda. E a mulher, quem é? “É alguém sozinho. Não sei do que ela está à espera. Não sei se ela está à espera. Está sozinha”.

O ciclo da agonia

Há trinta anos, Weng Sang era um miúdo. Já lhe tinham dito para não consumir, chamaram-lhe doido, estenderam-lhe a mão. “Eu respondia: ‘Sou jovem, a droga não consegue brincar comigo’. A heroína demora um ano a conhecer, quando já se sabe que temos o vício. Quando ela já nos reduziu à miséria”, remói. Hoje a conversa de quem manda em quem ainda se mantém, com uma alteração. A brincadeira foi substituída por controlo. “Nós temos de controlar o pó e não permitir nunca que ele nos domine”, entende.
Durante a fase de consumo, Weng Sang tocou na marginalidade, como todos os toxicodependentes. Mentiu, roubou, perdeu a família e os amigos. E o mais importante: “Perdi muita coisa que não consigo ir buscar novamente. Perdi o tempo”, lamenta. Esteve preso várias vezes (por crimes de furto), entre seis a sete vezes. “Isto acontece sempre, a miséria chega a todos”, destaca.
As primeiras detenções encaminharam-no para antiga prisão de Macau, que antes de 1990 ficava ao lado do hospital Kiang Wu. “Havia sempre droga na cadeia. As visitas conseguiam passá-la pelos buracos da rede, com um tubo de plástico, os guardas também passavam. O muro era baixo. Enfiava-se droga dentro de uma bola de futebol e chutava-se lá para dentro. Há muitos exemplos”, revela. No novo estabelecimento prisional a segurança apertou e já não há tráfico entre os presidiários, assegura.
Weng Sang não sabe ao certo se chegou a partilhar ou não agulhas. Sublinha que ainda não havia muita informação sobre a transmissão do vírus da SIDA, quando começou a consumir. “Acho que fiz o possível para evitar, mas não tenho a certeza. As farmácias estão fechadas à noite”, adivinha.
As tentativas de desintoxicação começaram há dez anos. “Queria largar o vício sozinho. Fechava-me num quarto a cadeado, sem ninguém. Até tentei fazer isso uma vez na China. Os primeiros dois dias conseguia aguentar a ressaca. Toda a gente aguenta dois dias. Mas nunca consegui passar do terceiro, saía para arranjar droga”, relata.
A barreira foi vencida há nove meses e Weng Sang iniciou a cura de desintoxicação com acompanhamento médico. Quando a ressaca passou, renasceu. “Os irmãos do centro cuidaram de mim, encorajaram-me. No início não confiava nas pessoas. Por princípio, só confio em mim”, assume. Teve de se adaptar aos horários, aos hábitos da vida em comunidade, aprender a ser paciente e esquecer o passado. “Assim que consegui deixar os meus antigos amigos consegui ter um bom relacionamento com os irmãos do centro. Fiz muitas coisas erradas e eles aconselharam-me. Mudei tanto!”, compara.
Orgulha-se de ter dado o primeiro passo – diz que Deus só ajuda o homem quando há auto-determinação – e acredita que só assim a cura é possível. Falta-lhe só a coragem para se reintegrar na sociedade. Revela que ainda tem medo da rua e que precisa de mais tempo de internamento. “Tenho de me afastar mais do passado. Tenho de construir uma base mais firme para voltar. Até porque não sei para onde ir e tenho medo de me encontrar com os meus antigos amigos”, avança.
A sessão de inauguração da exposição terminou ao final da tarde e Weng Sang regressou à unidade de tratamento. Com um quadro na mão em que são reproduzidas as duas imagens que estream a sua actividade como fotógrafo.


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DOCUMENTÁRIO SOBRE CONSUMO DE DROGAS INJECTÁVEIS ESTREIA EM 2008 NO CCM
"Tenho medo do impacto de isto ser visto no cinema"

Sónia Nunes

Cecília Ho é uma académica de Hong Kong e lecciona palestras no Instituto Politécnico de Macau ao alunos do curso de Assistência Social. Está em Macau desde Janeiro para filmar um documentário sobre o consumo de drogas injectáveis no território. O filme chama-se “Left them behind” (“Deixados para traz”, tradução livre) e estreia-se em Abril de 2008, no Centro Cultural de Macau. Mas será feita uma outra versão da obra, a ser exibida no festival de cinema de Barcelona, em Maio do próximo ano. Macau é conservador e o testemunho vivo dos ex ou actuais toxicodependentes locais pode dificultar a reintegração na sociedade, receia a realizadora.
O filme pretende fazer cair por terra a ideia contemporânea de que a droga de ouro é hoje a sintética. “Ainda há muito consumo por injecção. No parque que fica junto ao centro de desintoxicação do Governo, a maioria dos toxicodependentes injecta-se e é onde os dealers vendem heroína”, revela Cecília Ho. A investigadora não conhecia a realidade de Macau. Aproximou-se paulatinamente dos consumidores e foi criando uma relação de confiança. Disse ao que ia e foram trocados os primeiros números de telefone.
“Foi muito difícil para mim. Recebi muito telefonemas a meio da noite a pedirem-me ajuda. Que nestes casos, é sempre dinheiro. Mas no outro dia, quando viam o registo das chamadas, telefonavam-me a pedir desculpas. São muito amigáveis”, conta a realizadora. A entrada na rede social exige um tacto especial para a conversa, de onde brotam “relações humanas muito fortes, de grande compreensão pelos sentimentos e gestão das emoções”, destaca. O que só complica quando se quer depois espelhar esse mundo num filme, ou transformá-lo num objecto de trabalho.

Weng Sang é o bom exemplo

Cecíla Ho conheceu Weng Sang quando ele estava prestes a tomar um chuto de heroína. “Os toxicodependentes injectam em locais públicos. Junto do mercado de Iao Hon, naquelas casas abandonadas. Estava a descer as escadas e filmei-o”, conta. Houve a primeira hesitação. Se tirasse a maquina iria violar a privacidade de Weng Sang, se não o fizesse não documentava a forma de consumo local. “Tirei a minha câmara de fotografar e escolhi o modo de filmagem. Estava muito embaraçada. Estaria a fazer a coisa certa? Estava a filmar outra pessoa sem consentimento, mas precisava de obter os detalhes da injecção para estudar o risco de contágio de doenças”, contrapõe.
Weng Sang não teve reacção negativa. “Estava demasiado ocupado a fazer a ‘sopa’”, afirma a realizadora. Combinaram um encontro dali a duas semanas e o hoje ex-heroinómano foi-lhe apresentado as zonas de consumo de Macau e alguns toxicodependentes. O título “Left them behind” recebe duas leituras: uma impositiva (deixar as agulhas para traz) e outra social (os toxicodependentes são descriminados pela população), aponta Cecília Ho. A história ancora-se no processo de recuperação de Weng Sang. “É um bom exemplo da fase de abstinência, que contrasta com o relato dos outros que ainda têm hábitos de consumo”, afirma.
Apesar de ter recebido o apoio e consentimento dos entrevistados para as filmagens, a académica ainda hesita em passar o filme para o público, apesar de ser mesmo esse o objectivo da obra: aproximar a sociedade do mundo da droga. O conservadorismo de Macau não vai digerir bem o documentário. “Eu não queria pôr vozes distorcidas ou tapar caras. Queria tratá-los como seres humanos, sem dizer coisas negativas sobre eles. Mas estas vozes que aparecem no meu filme são ignoradas. Tenho medo do impacto disto ser visto no cinema ou na televisão”, avança Cecília Ho.
A académica diz que está muito ansiosa. Sente a obrigação de respeitar os sentimentos e a liberdade dos testemunhos e que quer transmitir “uma imagem mais positiva sobre esta comunidade. O problema é se Macau o aceita ou não”, reforça.

A diferença das agulhas

O trabalho final (sem cortes) será mostrado no festival internacional de cinema de Barcelona que versa sobre o universo da droga. Aqui os pruridos da audiência serão menores. O público é técnico e quer discutir os hábitos de consumo locais. “O cenário de Hong Kong e Macau é muito diferente do resto do mundo. Aqui a heroína é misturada com uns compridos azuis para dormir, o ‘o dormicom’”, informa. A heroína tratada em todo o mundo como cavalo branco, é azul na região. Os medicamentos são diluídos em água e misturados depois com a droga. Os efeitos afectam mais a memória e instam os consumidores para fazerem acções ilegais, explica Cecília Ho. “A heroína era muito cara, e a pureza estava a baixar. Alguns drogados começaram a misturá-la com outros fármacos. O ‘dormicom’ era, na altura, legal e distribuído pelo Governo. Fizeram a primeira experiência e passaram a informação”, contextualiza. O hábito, continua, é único no mundo e acarreta outros risco de transmissão de doenças, na troca de agulhas.
Para a académica, o poder político ainda trata os toxicodependentes como simples “junkies”. “Ainda não perceberam que eles querem voltar para a sociedade sem estarem dependentes do Governo. Querem trabalhar, mas não encontram emprego”, observa Cecília Ho.
É preciso, defende, reforçar os programas de formação profissional nos centros de recuperação e despertar a aceitação da sociedade. “Ainda há três meses, uma mulher ex-toxicodependente foi despedida porque o patrão descobriu-lhe o passado. Não por não ser uma boa profissional”, exemplificou.

Sete recaídas em média

Weng Sam está hoje curado e prepara-se para voltar à vida em sociedade, pela primeira vez. Mas não há garantias: “Em média, assistimos a sete recaídas e reentradas em centros, antes de ficarem realmente ‘limpos’”, afirma a especialista. A taxa de incidência é justificada pela existência de apenas três unidades de tratamento no território – os doentes não tem hipótese de escolha e tem de voltar aos mesmos centros – e pela teia social que têm em Macau. Sem trabalho e com a família de costas voltadas, os ex-toxicodependentes têm de voltar a viver nas ruas ou contarem com os amigos que deixaram antes de entrar no centro: ainda viciados. Também o modelo de combate anti-droga que é seguido pela Administração é ineficaz. Segundo Cecília Ho, as medidas centram-se na fiscalização e apreensão directa de drogas, em que a polícia assume o principal papel. A prioridade devia estar antes “na redução do perigo, com a criação de programas de metadona e ambulatórios de troca de seringas”, defende.
O programa de metadona foi introduzido, como projecto piloto, em 2005 e será aplicado oficialmente a partir do próximo ano. Porém, “os toxicodependentes têm medo de ficar adictos a um novo produto. Não querem substituir uma droga por outra”, indica Ho.
As resistências serão trazidas a lume, em Abril de 2008, quando “Left them behind” estrear em Macau. Serão conhecidas as histórias de Weng Sang e de outro ex-toxicodependente e o testemunho de mais quatro actuais adictos que aceitaram revelar a sua identidade. Com Cecília Ho em pleno estado de ansiedade. “Tenho muita pressão sobre mim. Sou de fora e tive que me adaptar à atmosfera de Macau. Não sei se esta cidade está preparada para aceitar coisas que não compreende”, receia. E remata: “Não quero parecer estar a tirar proveito de histórias privadas, com grande peso emocional. Quero só partilhá-las com a gente comum”.


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FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA E VÍDEO 2008 NO CENTRO CULTURAL
À PROCURA DE REALIZADORES DE MACAU

O 2º Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau 2008, organizado pelo centro Cultural, está a aceitar candidaturas de obras para o “Macau Indies” até ao dia 10 de Fevereiro de 2008.
A nova edição do Festival terá lugar entre Março e Abril de 2008. Não há quaisquer limites no que se refere à temática, mas a candidatura de obras é limitada aos residentes de Macau. Os filmes serão avaliados por um júri e aqueles que passarem à fase de selecção preliminar serão apresentados no 2º Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau 2008. Vários prémios foram criados para encorajar a criatividade e a qualidade na produção de cinema/vídeo, incluindo o “Primeiro Prémio do Júri”, o “Prémio de Louvor do Júri”, “Melhor Curta-Metragem” e “Prémio Votação do Público”. Os prémios incluem um montante em dinheiro e cupões para o festival de cinema.
No ano passado, o Centro Cultural levou a cabo o 1º Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Macau, certame que incluiu uma panóplia de filmes de várias partes do mundo. Neste festival, os produtores de cinema e vídeo locais foram também convidados a apresentar ao público as suas obras. Após um período de triagem, nove obras chegaram à final, incluindo longas metragens, filmes experimentais e documentários, os quais foram exibidos na “Macau Indies” do Festival. Destas obras, o filme “Antes Que Surja o Amanhecer” foi o primeiro do género a ser produzido em Macau com tecnologia de alta definição. Após a sua estreia no Festival, o filme foi seleccionado para o Festival de Cinema Asiático de Hong Kong de 2007.



DESPORTO

A1 GP EM ZHUHAI
Portugal falha objectivo de pontuar


O piloto português João Urbano falhou ontem, em Zhuhai, os seus objectivos para a quarta ronda do campeonato A1GP, ao não conseguir conquistar qualquer ponto para o Team Portugal.
Urbano, que na "sprint race" teve uma saída de pista na penúltima das 12 voltas ao circuito internacional de Zhuhai, quando não conseguiu controlar o carro na entrada da recta da meta e foi embater nos pneus, deu assim "trabalho extra" aos mecânicos da equipa.
Comprometida a primeira corrida, foi já na grelha de partida para a "feature race" que se fizeram as últimas afinações.
Sem um carro devidamente afinado e testado, João Urbano conseguiu uma boa prestação, mas uma penalização de passar nas boxes por alegada falsa partida, que a equipa contestou no final, deixou o piloto no 12º posto da classificação, o mesmo que tinha na grelha de partida.
No final da prova, João Urbano era um misto de satisfação pelo que a equipa tinha conseguido face à adversidade do acidente da "sprint race" e desilusão por considerar injusta a penalização que, disse, não merecer.
"Devo dar os parabéns aos mecânicos, que fizeram um trabalho espectacular, ao porem o carro bom para a segunda corrida", afirmou João Urbano, que se manifestou também contra a passagem na boxe como penalização por ter efectuado uma falsa partida, que considera "não ter existido".
"Depois fiz a corrida toda sozinho, sem referências, sem ninguém, o que é sempre um bocado difícil, mas acho que sem a passagem na boxe podíamos ter ficado facilmente nos 10 primeiros", disse.
João Urbano manifestou ainda o desejo que a quinta jornada, na Nova Zelândia, entre 18 e 20 de Janeiro, corra melhor.
"Quero remediar esta situação (não fazer pontos) e já aqui o objectivo eram os pontos. Na Nova Zelândia será muito mais. É uma pista que eu não conheço, terei de estar muito concentrado nos treinos, de modo a ter um andamento suficiente para lutar pelos pontos".
Depois da "sprint race" ter sido ganha pela Alemanha, seguida da Suíça e China, o primeiro lugar no pódio da "feature race" foi conquistado pela Índia, que venceu uma prova pela primeira vez esta época, seguida pela Nova Zelândia e pela África do Sul, que soube defender-se dos diversos ataques encetados pela equipa alemã e manteve o último lugar no pódio.
Após a jornada de Zhuhai, a primeira de duas provas que se realizam no continente chinês - a segunda prova na China terá lugar em Xangai, entre 11 e 13 de Abril -, a Suíça mantém a liderança da prova com 79 pontos, seguida da França com 60 e da Nova Zelândia com 59.
Portugal caiu para 16º lugar com apenas dois pontos, depois do Team da República Checa ter conquistado ontem nove pontos.


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Karts sem surpresas

Ontem foi dia de finais no Grande Prémio Internacional de Karting de Macau, sem surpresas. Na categoria "rainha" da modalidade, a KF1, o italiano Marco Ardigo, tido como o melhor piloto da modalidade, foi o vencedor, com 2,76 segundos de vantagem sobre os segundo classificado. Desta forma, o piloto transalpino recuperou o título conquistado em 2005 e perdido no ano seguinte.
A pista de Coloane, homologada a nível internacional, viu ainda na Fórmula 125 o contingente japonês não dar hipóteses aos adversários, com os nipónicos a ocuparem os três primeiros lugares. O pilotos João Afonso, que corre com as cores do território, terminou a prova no sétimo lugar.


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Veteranos do Marítimo foram os melhores

O Marítimo do Funchal venceu ontem o Torneio de Veteranos de Macau ao levar para a Ilha da Madeira o Troféu Soberania 2007. A equipa madeirense derrotou a Tailândia por uns esclarecedores 4-0. Com esta vitória, foi a segunda vez consecutiva que os veteranos madeirenses conquistaram o Troféu. Apesar dos números da vitória madeirense, o Marítimo encontrou algumas dificuldades, tendo o primeiro golo surgido apenas ao minuto 2' da segunda parte. O jogador Berrinha marcou 3 dos 4 golos e, com 15 golos marcados foi o melhor marcador do torneio. nos outros jogos do dia, Taiwan venceu Guangdong por 1-0, Hong Kong levou a Malásia de vencida por 2-0 e Macau conseguiu escapar ao último lugar ao vencer São Francisco por 2-1.

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