15.1.08

FAMILIARES DE AO MAN LONG DIZEM QUE ACTUARAM SEGUNDO INDICAÇÕES DO EX-GOVERNANTE
Ninguém fazia perguntas

Começou a ser julgado o primeiro dos processos relacionados com o de Ao Man Long. Os familiares do ex-secretário negaram alguma vez ter tido conhecimento de que o dinheiro que ajudavam a movimentar tinha origem em subornos

Os familiares do ex-governante de Macau acusado de corrupção afirmaram ontem em tribunal que assinaram papéis e abriram contas bancárias sob instruções de Ao Man Long e garantiram "desconhecer por completo" as implicações dos seus actos.
"Assinei porque o meu irmão mais velho me pediu", "sim, fui a Hong Kong a um escritório assinar uns papéis a pedido do meu cunhado" ou "abri contas bancárias em Hong Kong porque o meu filho me pediu e eu pensava que ele queria ter ali dinheiro sem dizer à mulher", foram justificações apresentadas por Ao Man Fu, Ao Chan Wa Choi e Ao Veng Kong, respectivamente irmão, cunhada e pai de Ao Man Long.
Os familiares de Ao Man Long e os empresários Frederico Nolasco, Ho Meng Fai e Chan Tong Sang começaram ontem a ser julgados no Tribunal Judicial de Base de Macau, no âmbito de um processo conexo ao do ex-secretário das Obras Públicas. Ao Man Long já foi julgado pelo Tribunal de Última Instância, mas desconhece-se ainda a sentença que lhe será aplicada, que aguarda em prisão preventiva.
O ex-governante foi detido e exonerado do cargo a 06 de Dezembro de 2006, sob a acusação de corrupção passiva, branqueamento de capitais e abuso de poder. Por estes crimes, arrisca uma pena que pode ir, em cúmulo jurídico, até aos 30 anos de prisão.
Apesar de ser também arguida, Camila Chan Meng Ieng, a mulher do ex-secretário, está a ser julgada à revelia por se encontrar em parte incerta, o mesmo estatuto do empresário Ho Meng Fai, embora ambos tenham representante legal no tribunal. Ausente do processo está também o empresário Chan Tong Sang, mas aceitou que fosse julgado sem a sua presença, segundo informou o tribunal.
Na investigação efectuada desde a prisão de Ao Man Long, o Comissariado Contra a Corrupção de Macau encontrou em cofres pessoais na residência oficial do ex-governante e em contas bancárias cerca de 795 milhões de patacas. Foram também encontrados outros valores em jóias e artigos de luxo, alegadamente oriundos de subornos pagos pelos empresários para receberem contratos de obras e facilidades na aquisição de terrenos.
Nas declarações prestadas ontem ao tribunal, os três familiares justificaram sempre as suas acções - como abrir contas em Hong Kong e Inglaterra e criar empresas (caso da cunhada) - com pedidos de Ao Man Long, que disseram ter cumprido "sem perguntas" devido ao "feitio" do ex-governante e porque tinham "grande confiança" no único de seis filhos com curso superior.
A pedido do advogado Pedro Redinha, que representa Ho Meng Fai, foram lidas em tribunal as declarações do empresário ao Comissariado Contra a Corrupção e Ministério Público, em que explicou que pagou cerca de 140 milhões de patacas (a Ao Man Long, não para o corromper e para ser favorecido em obras públicas, mas como recompensa por o ex-governante o ter referenciado junto de privados para que conseguisse obras de grande dimensão.
Ho Meng Fai deu como exemplo da intervenção de Ao Man Long o facto de ter conseguido contratos para obras na Galaxy Resorts e na Las Vegas Sands, nomeadamente na construção dos casinos StarWorld e Galaxy Mega Resorts e The Venetian.
Camila Chan Meng Ieng será julgada por 14 crimes de branqueamento de capitais, um crime de riqueza injustificada e um de não colaboração do cônjuge na declaração de rendimentos e interesses, enquanto que Ao Man Fu responde por 14 crimes de branqueamento de capitais e a sua mulher, Ao Chan Wa Choi, por seis crimes de branqueamento de capitais.
Ao Veng Kong, o pai do antigo governante, está acusado de oito crimes de branqueamento de capitais, o empresário Ho Meng Fai de 18 crimes de branqueamento de capitais e 18 de corrupção activa e Chan Tong Sang de quatro crimes de corrupção activa e quatro de branqueamento de capitais.
Frederico Nolasco da Silva irá responder por três crimes de corrupção activa e dois de branqueamento de capitais.
As penas previstas para os crimes de que estão acusados variam entre dois e oito anos de prisão para o branqueamento de capitais e até três anos para a corrupção activa.
Os crimes terão sido praticados entre 2002 e 2006 e o alegado esquema de corrupção passou pela abertura de empresas em paraísos fiscais em nome das quais eram depois abertas contas em Hong Kong, sendo que o dinheiro passava por diversas contas em quantias pequenas até ser junto a uma única conta controlada por Ao Man Long antes de seguir para outros destinos, como Inglaterra.


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“Se o governo confiou nele todos estes anos...”

Se bem que todos tivessem remetido para Ao Man Long a total responsabilidade pela abertura de contas bancárias, movimentações de dinheiro e constituição de sociedades offshore, acabaram por ser bem diferentes as posturas assumidas pelos familiares do ex-secretário ontem ouvidos no Tribunal Judicial de Base.
Ao Man Fu, irmão mais novo, pareceu desorientado, inseguro e até um pouco assustado. Repetiu até à exaustão que não sabia nada de nada sobre a alegada actividade criminosa do ex-secretário, e procurou explicar a abertura de contas em Inglaterra com a perspectiva do filho, de 14 anos, ir para lá estudar mais tarde – o que nunca se verificou. Sem respostas convincentes para as perguntas mais elementares dos representantes do Ministério Público, acabou por ser dispensado de assistir a uma boa parte da audiência devido a um desarranjo intestinal.
Ao Chan Wa Choi, a cunhada, foi o oposto. Senhora de si, procurou explicar ao tribunal que todos os passos que deu, de suposta cumplicidade com o antigo membro do governo, resultaram do seu desconhecimento do que se passava. Ao Man Long era membro do governo, a pessoa mais respeitada na família, e os seus pedidos eram ordens. Seguia as suas instruções sem pestanejar. O MP procurou explorar o facto de não morar na mesma casa do marido, como sinal de que as idas conjuntas a Inglaterra só podiam servir propósitos criminosos. Ao Chan Wa Choi reconheceu apenas ter vivido com o marido sete meses, mas negou que estivessem verdadeiramente separados, ao mesmo tempo que dizia ser natural que tratassem em conjunto os assuntos relacionados com o filho. Em momento nenhum demonstrou qualquer tipo de insegurança.
Ao Veng Kong, o pai, chegou ao tribunal profundamente debilitado, e foi por isso autorizado a recolher ao hospital, onde se encontra internado sob vigilância policial, mal terminou o seu depoimento. Octogenário e a padecer de doença incurável, em fase terminal, o pai de Ao Man Long avançou com uma explicação para o facto de não ter estranhado que o filho lhe pedisse que o ajudasse a movimentar dinheiro, através de contas bancárias abertas em seu nome. É que, de acordo com a sua tese, o ex-secretário estaria a procurar esconder dinheiro da mulher, Camila Chan Meng Ieng, que se encontra a ser julgada à revelia.
Aparentando lucidez, apesar de tão fraco que as suas declarações foram muito pouco perceptíveis, Ao Veng Kong afirmou ao tribunal que o seu filho mais velho tinha um grande ascendente no seio da família, o que ajuda a explicar que os seus pedidos fossem aceites sem grandes indagações. E a isso juntou um outro argumento, já fora da esfera familiar: “Se o governo confiou nele todos estes anos, porque é que eu não havia de confiar”?
Pedro Leal, advogado dos três, procurou que a audiência fosse adiada para que este processo pudesse ser apensado a um outro em que são também arguidos, em conjunto com o empresário Tam Kin Man, da empresa Tong Lei. Mas o colectivo presidido por Alice Costa indeferiu o recurso, por entender que havendo réus presos interessa promover um julgamento tão célere quanto possível. O advogado pretendia que ao menos se aguardasse pelo desfecho do recurso interposto no Tribunal de Segunda Instância da decisão anterior de não apensação, mas também esse pedido foi indeferido.


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Uma confissão parcial

Ao contrário do que sucedeu no julgamento de Ao Man Long, em que a defesa se opôs sistematicamente a que fossem lidas depoimentos prestados pelo arguido ou pelas testemunhas ao Comissariado Contra a Corrupção ou ao Ministério Público, na audiência de ontem foi o advogado do empresário Ho Meng Fai, que está a ser julgado à revelia, a requerer que fossem reproduzidas as declarações proferidas pelo seu cliente junto das duas instituições de investigação criminal. Tal facto é, aparentemente, estranho sendo certo que há uma confissão implícita do empresário nas declarações que prestou ao CCAC e ao MP: pagava 2 a 3 por cento de comissão a Ao Man Long por cada empreitada privada que o ajudasse a obter, o mesmo acabando depois por acontecer também com as obras públicas, embora negasse veementemente que alguma vez tivesse sido beneficiado pelo ex-secretário.
Trata-se pois de uma confissão parcial: em momento algum das declarações ontem reproduzidas na audiência, Ho Meng Fai admite ter subornado o antigo membro do governo. O dinheiro, que era pedido por Ao Man Long repetidamente e com grande insistência, destinar-se-ia unicamente a garantir que o ex-secretário daria boas referências do trabalho da empresa de construção civil San Meng Fai, a clientes tão importantes quanto os operadores de casinos Las Vegas Sands e Galaxy Resorts. Aquilo a que se convencionou chamar tráfico de influências.
E é isso que explica o interesse do advogado Pedro Redinha na leitura das declarações. Se conseguir provar que o seu cliente não praticou qualquer crime de corrupção activa, antes esteve apenas envolvido em tráfico de influências, o panorama muda radicalmente. É que, ao contrário do que acontece em Portugal, o tráfico de influências não constitui um tipo autónomo de crime em Macau. E não havendo crime, não haverá condenação – assim espera o mandatário de Ho Meng Fai.


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ADVOGADOS JÁ TIVERAM QUE PAGAR 50 MIL PATACAS EM FOTOCÓPIAS
Processo não sai do tribunal

“É uma decisão sem precedentes na história dos tribunais em Macau”, queixava-se um advogado ao PONTO FINAL, quando comentava a recusa do colectivo em confiar o processo para consulta aos representantes legais dos arguidos. “Não há memória de que um processo tenha sido confiado a um advogado e se tenham transviado documentos, como não há memória de que um tribunal de Macau alguma vez se tenha recusado a fazê-lo”, explicou o mesmo causídico.
Ontem, na abertura da audiência, os advogados envolvidos no caso tentaram mais uma vez obter autorização do tribunal para que o processo lhes fosse confiado, depois disso lhes ter sido negado ao longo de todo o período que antecedeu o julgamento. No requerimento que apresentou para o efeito, Pedro Redinha lembrou que a impossibilidade de consultar o processo o impediu, inclusive, de apresentar contestação no prazo legal.
Em causa está a consulta de 8 mil páginas distribuídas por 40 volumes, a que se juntam ainda 15 apensos com centenas de documentos. Os advogados pretendiam que os volumes do processo ficassem à guarda de apenas um deles, que se encarregaria de fotocopiar as páginas dos autos e os documentos anexos para todos os restantes. Com isso evitar-se-ia que o processo andasse de escritório em escritório, podendo mais rapidamente regressar à secretaria do tribunal.
Mas a juíza titular do processo negou sempre essa pretensão, justificando a recusa com preocupações relativas à segurança da documentação, entendimento também seguido agora pelo colectivo que está a julgar o caso. Até mesmo a consulta dos autos na Sala de Advogados do próprio Tribunal Judicial de Base foi recusada, com base no mesmo tipo de justificação: o risco existente de desaparecimento de documentos que são elementos de prova no processo.
A única alternativa deixada em aberto é a consulta na secretaria do tribunal, onde o processo e a documentação anexa podem ser fotocopiados. O problema é que as cópias custam ali 6 patacas por página – e os advogados tiveram já que desembolsar 50 mil patacas pelas cópias de 8 mil páginas do processo, mesmo antes de terem começado a ser fotocopiados os documentos apensos.
Para um dos advogados ouvidos pelo PONTO FINAL, o que a decisão do TJB tem de mais “inaceitável” é a “suspeição que faz recair” sobre a classe forense. A confiança dos processos aos mandatários dos arguidos é prática seguida em Macau e também em Portugal a partir do momento em que deixam de estar em segredo de justiça, por maior ou menor que seja a importância do caso. “Espero que a decisão agora tomada não constitua um precedente a ser seguido no futuro, pois isso dificultaria muito o trabalho dos advogados e, consequentemente, reduziria as garantias de defesa dos arguidos”, concluiu a nossa fonte.

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