FONTES PRÓXIMAS DA FAMÍLIA: AO MAN LONG TERÁ MANIPULADO PAI, MÃE e CUNHADA
O estranho caso da família
que foi domada pelo filho-príncipe
Os três familiares de Ao Man Long que começaram a responder ontem pelo crime de branqueamento de capitais no Tribunal Judicial de Base dizem que não sabiam ser cúmplices do ex-secretário no escândalo de corrupção. E segundo as fontes ouvidas pelo PONTO FINAL, o baixo nível de instrução e a crença absoluta na integridade do antigo-governante fundamentam a afirmação. Com o peso da frase forte que o principal arguido proferiu no TUI: “A minha família não tem nada a ver com isto”
O estranho caso da família
que foi domada pelo filho-príncipe
Os três familiares de Ao Man Long que começaram a responder ontem pelo crime de branqueamento de capitais no Tribunal Judicial de Base dizem que não sabiam ser cúmplices do ex-secretário no escândalo de corrupção. E segundo as fontes ouvidas pelo PONTO FINAL, o baixo nível de instrução e a crença absoluta na integridade do antigo-governante fundamentam a afirmação. Com o peso da frase forte que o principal arguido proferiu no TUI: “A minha família não tem nada a ver com isto”
Sónia Nunes
As pessoas simples são as que melhor servem um homem no cumprimento de uma missão. Têm o comportamento dos apaixonados ou dos crentes. Endeusam uma figura humana e não duvidam da natureza certa dos actos. O dogma ganha mais força quando o homem que têm por referência faz parte do núcleo familiar e está protegido pelo estatuto de governante dum território. Ficam assim lançados parte dos dados que levaram o pai, o irmão e a cunhada do antigo secretário para as Obras Públicas e Transportes ao banco dos réus do Tribunal Judicial de Base, acusados do crime de branqueamento de capitais. E quando Ao Man Long disse, já em audiência no Tribunal de Última Instância (processo que aguarda a leitura de sentença), que a família não tinha qualquer responsabilidade no escândalo de corrupção, poderá ser este também o raciocínio a ser seguido pela defesa dos três arguidos que começaram a ser ouvidos ontem.
Quando o PONTO FINAL tentou traçar o perfil do ex-secretário, a comparação com o déspota Napoleão Bonaparte marcou o discurso: o homem simples dos tempos da Central de Incineração antes da transição tornou-se num ditador em potência quando assumiu a pasta das Obras Públicas e Transportes da RAEM. “Ao Man Long, talvez porque estivesse convencido que estava impune, utilizou os familiares para poder manobrar os dinheiros [no total, quase 800 milhões de patacas, diz a acusação]. Será testemunha neste processo e no julgamento no TUI já deu uma achega. Já disse que os familiares não tinham nada que ver com o processo”, observou ao nosso jornal fonte que pediu anonimato.
O pai, o irmão, a mulher e a cunhada do ex-governante foram constituídos arguidos em dois processos que se reportam ao mesmo acto - lavagem de dinheiro.
O julgamento que ontem arrancou tem como co-arguidos os empresários Ho Meng Fai, Chan Tong Sang e Frederico Nolasco (acusados ainda de corrupção activa). O outro processo reporta-se ao empresário Tang Kim Man , da Tong Lei. Tinha sido entretanto pedida a apensação dos processos, mas a abertura de audiência ontem determinou o recurso como inútil. Ao Veng Kong, Ao Man Fu, Camila Chan Meng Ieng e Ao Chan Wa Choi terão ainda que enfrentar outro processo conexo ao caso do antigo secretário.
O alfaiate, a cunhada e a "figura-mistério"
O pai, o octogenário Ao Veng Kong, foi diagnosticado com um cancro na próstata há sete anos. O grave estado de saúde ditou que a prisão preventiva fosse suspensa e se optasse por um regime de internamento numa unidade hospitalar, à guarda de um agente da PSP.
Sem grande instrução escolar, Ao Veng Kong fez a vida em Macau como alfaiate. A loja não era uma grande casa de comércio, mas tinha uma expressão média, com habituais clientes portugueses. A suficiente para, em conjunto com a esposa (já falecida), ter angariado uma poupança que terá engrossado ainda em 1993, altura em que terá vendido uma casa a bom preço e investido esse valor noutro prédio– as contas bancárias fazem agora parte da acusação. “Ao Man Long nunca deu qualquer benefício à família. Muito menos ao pai. Ao Veng Kong está a ver o dinheiro que tinha conseguido juntar ao longo de décadas a fugir-lhe das mãos”, destacou uma fonte. “Ele costuma dizer: ‘O meu filho pedia-me para assinar e eu assinava. Nunca me passou pela cabeça que seria ilegal’”, acrescentou.
Segundo as fontes contactadas pelo PONTO FINAL, os três familiares de Ao Man Long têm níveis de instrução básica, o que poderá fundamentar a tese em como acreditavam que os cheques e os documentos que o ex-secretário lhes passava se destinavam a empresas ligadas à Administração. “Comparativamente com Ao Man Long, são todos intelectualmente fracos. Havendo na família um iluminado, uma pessoa do Governo de Macau, facilmente punha e dispunha da vida deles”, referem. Porém, as noções de bem ou de mal escapam ao curriculum escolar e, no limite, pensar-se-á que se os dinheiros diziam respeito ao Executivo teriam de ser tratados pelos funcionários do Governo (este poderá ser o contra-argumento da acusação). Por outro lado, há uma irmã de Ao Man Long, que não faz parte do processo e é professora de inglês. “Se calhar, por ser a mais iluminada não alinhou neste tipo de esquemas”, comentou uma fonte. Ela sim, pode ter tido conhecimento dos alegados abusos de poder do irmão junto da família e tentado aconselhar os familiares.
Ao Man Long encerrava o nível de vida luxuoso nas portas da residência oficial. “Nunca indiciou que tinha dinheiro a mais. A imagem de ‘bom vivant’ era mantida em segredo, em casa, com os charutos, whisky velho e vinhos caros”.
Apesar de Ao Veng Kong dizer-se lesado na sua honra e estar com o peso da vergonha – segundo foi dito ao nosso jornal, o pai do ex-governante não quer que os amigos tomem conhecimento do caso, o que pode justificar o facto da defesa não ter arrolado testemunhas abonatórias – continua a referir-se a Ao como um bom filho.
O arguido que aguarda a sentença do TUI tinha por hábito dar ao pai uma pensão de alimentos e algumas ajudas para os tratamentos de quimioterapia, mas “nunca deu um apoio que pudesse transparecer que estaria folgado em termos de dinheiro”.
Já a cunhada, terceira arguida no processo, Ao Chan Wa Choi, não terá recebido qualquer presente de Ao Man Long, nem um convite para jantar nas festas que juntavam a família, nos cerca de vinte anos de casamento com Ao Man Fu. É tida como um elemento à margem do clã Ao e terá ficado uma vez à porta da casa do ex-secretário por alturas do Ano Novo Chinês.
Antes de ser constituída arguida e detida preventivamente (em Dezembro de 2006) trabalhava como empregada de escritório. Deslocava-se para o trabalho de autocarro e “se ganhava 14 mil patacas antes do cunhado ser secretário, assim ficou depois da nomeação. Nunca recebeu a menor benesse por ser cunhada de quem era”, afirmou uma fonte. O envolvimento da discreta Ao Chan Wa Choi no alegado crime de branqueamento de capitais terá sido a pedido do marido. A cumplicidade fará referência a papéis escritos em inglês que os dois assinaram, sem saberem ler ou falar a língua.
“Estou perfeitamente convencido que o velhote e a cunhada não sabiam o que estavam a fazer. Mas o irmão é a figura-mistério. É um comerciante, daqueles que nunca tiveram um emprego das oito às cinco. Vivia de negócios. É daquelas pessoas que conhecem toda a gente e parecem tirar partido disso”, revelou uma fonte.
Ao Man Fu teria alguns negócios na China relacionados com o ramo da imobiliária e, dos irmãos, é a figura mais próxima de Ao Man Long. Contudo, não consta na acusação qualquer referência a um eventual tráfico de influências.
O núcleo duro da família do ex-secretário parece assim surgir no mega processo de corrupção como os inocentes que foram explorados ou manipulados. Colocaram o filho, o irmão, o cunhado, o homem de origens humildes que chegou a número seis do Governo e era tido como forte candidato a Chefe do Executivo, nos píncaros. “É a história do filho que enriqueceu, do irmão iluminado que ficou num pedestal. Dizia: ‘Vamos abrir esta conta, assinem este cheque’ e mais meia dúzia de balelas e eles obedeciam. Nem terão duvidado se deveriam ou não acreditar nele”.
CAIXA
Camila Chan, a jornalista mãe-galinha
Camila Chan, a jornalista mãe-galinha
Ao Man Long terá começado a fazer a corte a Camila Chan Meng Ieng (com quem se casou) eram os dois ainda estudantes na Universidade de Taiwan. O antigo secretário para as Obras Públicas e Transportes cursava Engenharia Mecânica, formação em que saiu bacharel; a funcionária do Gabinete de Comunicação Social (GSC) era aluna de Comunicação Social. Tinham uma relação sólida que resultou no nascimento de dois filhos. A investigação criminal que junta os dois no escândalo de corrupção que rebentou há pouco mais de um ano reporta-se aos factos ocorridos entre 2002 e 2006, período em que o casal terá tido rendimentos de trabalho superiores a 14 milhões de patacas.
Camila Chan começou ontem a ser julgada à revelia (está com paradeiro incerto) no Tribunal Judicial de Base acusada dos crimes de branqueamento de capitais, não colaboração do conjugue na declaração de rendimento e interesses patrimoniais e riqueza injustiçada. Suspeitas que deixaram boquiabertos quem com ela trabalhou por mais de uma década.
A arguida entrou no GSC ainda durante a Administração Portuguesa. Fazia os habituais trabalhos de tradução e era a responsável que fazia chegar às redacções portuguesas as manchetes da imprensa chinesa. Se hoje a tarefa se resume a duas linhas por jornal, na altura eram escritas páginas. Camila Chan era uma mulher dos bastidores e não costumava sair à rua em trabalho. Contudo, chegou a organizar uma exposição sobre a imprensa de Macau em Portugal, em conjunto com Fernando Lima, assessor do então primeiro-ministro do país, Cavaco Silva. Cumpria com os deveres profissionais, embora não fosse de fazer horas extraordinárias. “Acabava o expediente e ia à vida dela, ter com os filhos. Quando começámos a ter folga aos sábados, ela levava os filhos para o trabalho. Ficavam a fazer os trabalhos de casa”, recorda um colega de profissão.
Antes da transferência de poderes, a Administração Portuguesa investiu na formação de recursos humanos para os cargos de chefia da função pública. Foram criados os postos de adjuntos de direcção e o terão sido nomeados três funcionários para ocupar o cargo do GSC. Camila Chan era uma das indicadas e forte candidata ao lugar de chefia da agência do Governo. Contudo, não chegou a ser promovida. Ficou com o título de técnica superior.
Pouco tempo depois da criação da RAEM, a mulher de Ao Man Long afastou-se do emprego: pediu uma licença sem vencimento de longa duração (10 anos é o período máximo). O direito assiste qualquer funcionário público que esteja no quadro e pode ser requerido no vasto âmbito das razões pessoais, o que no caso terá sido para estar mais próxima dos filhos.
Apesar de estar afastada do GSC, Camila Chan tinha por hábito visitar os colegas de trabalho ou fazer chegar mensagens por correio electrónico (prática que ainda mantém). É apresentada como uma mulher modesta e altruísta. “Acho que ela se esforçou demais para as pessoas não notarem que o facto de o marido ter sido nomeado para secretário a fez diferente. Essa importância seria dada pelas pessoas que estão à volta. Ela não quis receber um tratamento especial, não queria aproveitar o cargo do marido”, observou uma colega de trabalho que, em dez anos de convivência, não consegue apontar uma palavra de queixa sobre Camila Chan. E acrescentou: “Se ela não fosse casada com Ao Man Long, nunca passaria pela cabeça de ninguém que ela fosse capaz destes crimes. É uma questão de ser tentado ou não. Ela não era muito de comentar notícias, mas quando fazia parecia que tínhamos a mesma opinião sobre o bem e o mal”.
CAIXA
Perfil de Ho Meng Fai
O grande empresário chegou ao tribunal
Perfil de Ho Meng Fai
O grande empresário chegou ao tribunal
Ho Meng Fai tem 54 anos e é natural do Continente. Estabeleceu-se em pleno em Macau no início da década de 80, altura em que fundou a empresa San Meng Fai (ainda com o nome Meng Fai). É casado, tem três filhos e construiu um forte nome no mercado de construção, em habituais participações com o Executivo da RAEM.
Não se conhecem quaisquer contratos que tenham sido feitos com os governantes da Administração Portuguesa. O primeiro negócio celebrado com o Governo aconteceu apenas em 2001, já era Ao Man Long secretário para as Obras Públicas e Transportes.
A partir de 1989, contam-se cerca de trinta obras sob a alçada de Ho Meng Fai, em que a maioria estaria relacionada com prédios de habitação. A um ritmo de cerca de duas obras e meia por ano, a companhia construiu ainda a primeira fase da Faculdade de Ciência e de Tecnologia e o edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China. Antes da transição de poderes o volume de negócios da empresa de Ho Meng Fai estava circunscrito ao sector privado. Com a crise e recessão económica que atingiu Macau nos anos 90 (e chegou aos primeiros tempos da era 2000), começou a surgiu como um dos candidatos aos projectos referentes a obras públicas. Em 2004 arrancou, por fim, a grande fase de crescimento de Macau e deu-se início às construções de grande envergadura no território.
O primeiro projecto referente a obra pública diz respeito ao aterro para o centro de convenções no Cotai e remonta a 2001. Com o ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes, Ao Man Long, a empresa San Meng Fai apareceu ligada aos grandes projectos de construção. A reformulação dos Jardim das Artes, as construções do hotel-casino Grand Waldo e do hotel Galaxy, no Cotai, e as obras de expansão da Central de Incineração são alguns dos projectos de expressão à responsabilidade de Ho Meng Fai. E todos estão mencionados na acusação contra o ex-secretário. O empresário vem acusado de 18 crimes de corrupção activa e de 17 de branqueamento de capitais e começou a ser julgado ontem, à revelia.
Não se conhecem quaisquer contratos que tenham sido feitos com os governantes da Administração Portuguesa. O primeiro negócio celebrado com o Governo aconteceu apenas em 2001, já era Ao Man Long secretário para as Obras Públicas e Transportes.
A partir de 1989, contam-se cerca de trinta obras sob a alçada de Ho Meng Fai, em que a maioria estaria relacionada com prédios de habitação. A um ritmo de cerca de duas obras e meia por ano, a companhia construiu ainda a primeira fase da Faculdade de Ciência e de Tecnologia e o edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China. Antes da transição de poderes o volume de negócios da empresa de Ho Meng Fai estava circunscrito ao sector privado. Com a crise e recessão económica que atingiu Macau nos anos 90 (e chegou aos primeiros tempos da era 2000), começou a surgiu como um dos candidatos aos projectos referentes a obras públicas. Em 2004 arrancou, por fim, a grande fase de crescimento de Macau e deu-se início às construções de grande envergadura no território.
O primeiro projecto referente a obra pública diz respeito ao aterro para o centro de convenções no Cotai e remonta a 2001. Com o ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes, Ao Man Long, a empresa San Meng Fai apareceu ligada aos grandes projectos de construção. A reformulação dos Jardim das Artes, as construções do hotel-casino Grand Waldo e do hotel Galaxy, no Cotai, e as obras de expansão da Central de Incineração são alguns dos projectos de expressão à responsabilidade de Ho Meng Fai. E todos estão mencionados na acusação contra o ex-secretário. O empresário vem acusado de 18 crimes de corrupção activa e de 17 de branqueamento de capitais e começou a ser julgado ontem, à revelia.