FREDDERICO NOLASCO ASSUMIU PAGAMENTOS A AO MAN LONG PARA MANTER EMPRESA
“Sei que o que fiz é ilegal,
mas teve de ser feito”
O primeiro empresário a ser ouvido no Tribunal Judicial de Base, arguido no processo paralelo ao do ex-secretário, afirmou ter pago mais de 8 milhões de dólares de Hong Kong pelos projectos adjudicados à CRS. Se não o fizesse, disse, Ao Man Long seria um “estorvo” no futuro da empresa. Mas não aceita o termo suborno: os projectos, defendeu, “têm mérito próprio”
Sónia Nunes
“Sei que o que fiz é ilegal,
mas teve de ser feito”
O primeiro empresário a ser ouvido no Tribunal Judicial de Base, arguido no processo paralelo ao do ex-secretário, afirmou ter pago mais de 8 milhões de dólares de Hong Kong pelos projectos adjudicados à CRS. Se não o fizesse, disse, Ao Man Long seria um “estorvo” no futuro da empresa. Mas não aceita o termo suborno: os projectos, defendeu, “têm mérito próprio”
Sónia Nunes
O arguido no processo conexo ao de Ao Man Long, o empresário Frederico Nolasco da Silva, acusado de três crimes de corrupção activa e dois de branqueamento de capitais, confessou ontem no Tribunal Judicial de Base ter pago ao ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes cerca de sete milhões de dólares de Hong Kong. O dinheiro, ressalvou, não se tratou de suborno. Foi antes a resposta ao “pedido de atenção” instado com violência pelo antigo-governante que exigiu uma comissão pela concessão de obras públicas à CSR. Montante que, defende o arguido, não prejudica legalmente o valor dos contratos.
Frederico Nolasco da Silva foi o primeiro empresário, imputado no processo paralelo ao caso do antigo-secretário, a prestar declarações no tribunal como arguido – Ho Meng Fai (da San Meng Fai) e Chan Tong Sang (empresa Tong Lei) estão a ser julgados à revelia. O discurso seguiu a mesma linha das afirmações proferidas por Ho Meng Fai ao Comissariado Contra a Corrupção e Ministério Público, lidas na primeira sessão do julgamento pelo advogado do arguido, Pedro Redinha. Frederico Nolasco assumiu ter pago comissões pelas empreitadas mas negou que o dinheiro tenha tido qualquer influência na concessão ou renovação dos contratos.
“Não confesso as acusações feitas pelo Ministério Público referentes aos três contratos. Não correspondem à verdade. Os contratos foram obtidos legalmente sem ser dada nenhuma contribuição ao engenheiro Ao Man Long. Confesso os pagamentos, mas não pelas razões que são imputadas”, disparou Frederico Nolasco, na abertura da segunda sessão do julgamento (que arrancou, novamente, com cerca de 40 minutos de atraso).
O director da Companhia de Sistemas de Resíduos (CSR-Macau) e gerente-geral da H. Nolasco, sócia minoritária na Swire de Hong Kong, assumiu os cinco cheques, passados a 24 de Março de 2006, ao portador da empresa Polymile (controlada pela mulher e cunhados de Frederico Nolasco), que foram mais tarde endossados por Ao Veng Kong, pai de Ao Man Long, também arguido no processo.
Segundo imputa o Ministério Público, o arguido terá pedido à mulher para passar cinco cheques: um de 800 mil dólares de Hong Kong, outro de pouco mais de um milhão, outro de um milhão e quinhentos mil e mais dois de dois milhões. No total: 7 milhões e 300 mil dólares da RAEHK. Os pagamentos referem-se a um dos contratos que constam da acusação, a Construção da Estação de Tratamento de Resíduos Perigosos. E foram feitos de forma faseada porque Ao Man Long “não queria cheques com valores a cima dos dois milhões de patacas: “Sabia que se depositasse muito dinheiro em Hong Kong iria chamar a atenção das autoridades”, revelou Nolasco.
Na acusação contra Ao Man Long, há ainda referência a um alegado suborno de cerca de seis milhões de dólares de Hong Kong, que pende sobre o projecto piloto de Recolha Automática de Resíduos Sólidos, dinheiro que terá também sido depositado pela Swire na conta da Polymile. Há também dados que apontam para o pagamento de cerca 66 milhões, pela renovação do contrato exclusivo do sistema de resíduos – valor que não chegou a ser entregue a Ao Man Long (por estar já detido preventivamente) e não foi ontem referido pelo empresário.
Empresa Polymile “facilitou” o pagamento
Frederico Nolasco teve ontem dificuldades em explicar perante o inquérito do Ministério Público e do colectivo de juízes do TJB qual foi o papel da Polymide (empresa onde é também administrador) na cobrança de comissões feita por Ao Man Long. Por duas razões: primeira, a acusação acredita tratar-se de uma empresa fantasma controlada pelo ex-governante; segunda, as somas envolvidas são superiores ao valor dos alegados subornos.
O arguido ripostou que a empresa tem sede em Hong Kong, é gerida pela mulher, cunhada e cunhado, e está em actividade. Por outro lado, referiu, a CRS terá também utilizado a Polymide para pagar a Frederico Nolasco um bónus de 20 mil patacas, como remuneração pelos contratos que conseguiu para a empresa. Segundo o arguido, o dinheiro premiava o papel do empresário no contacto com os agentes de Macau. A prática é comum e feita, pelo menos, desde 1992. Ao montante, destacou, somaram-se despesas de administração (como pagamento de imposto de lucro).
“O papel da Polymile foi facilitar o pagamento da compensação da CRS a mim. E já que isso ia ser feito, aproveitou-se para se fazer o pagamento a Ao Man Long. Foram pagos 8 milhões. O segundo depósito [referente ao projecto de recolha de lixo automática] foi feito mas não foi levantado”, afirmou Frederico Nolasco. O arguido acrescentou que nos documentos iniciais – acordos para a comissão redigidos, segundo disse, pelo punho de Ao – o ex-secretário indicou um empresa que seria usada para a transferência de dinheiros. Proposta que recuou tendo sido pedido a Nolasco que indicasse ele o nome da companhia: surgiu então o nome Polymile.
Personalidade de Ao
volta a justificar crimes
volta a justificar crimes
O mau génio de Ao Man Long e o seu estatuto de governante voltaram uma vez mais a ser invocados em tribunal, desta vez para Frederico Nolasco justificar a frase: “Sei que o que fiz é ilegal, mas teve se ser feito”.
As pressões sugeridas pelo arguido remontam a Agosto de 2005, quando o na altura secretário para as Obras Públicas lhe telefonou. Combinaram um encontro. Nessa altura, Ao Man Long terá “feito considerações em como a CSR já estava há muitos anos em Macau, e como ele tinha ajudado muito as empresas. Achava estranho que a CSR não fizesse qualquer tipo de atenção”, declarou Nolasco. Foi quando o empresário perguntou o que queria o ex-secretário: “Estava à espera de 5 por cento do valor do contrato dos projectos e os contratos que estavam na altura a ser preparados”.
A proposta terá chocado Frederico Nolasco pelo dinheiro pedido – segundo disse, representaria cerca de dois anos de lucro da empresa – e pela atitude do governante, que conhecia desde os tempos do Leal Senado e nunca lhe tinha feito tamanha abordagem. A referência ao passado serviu ainda para o arguido dizer: “O Sr. engenheiro sabia muito bem que eu era sócio minoritário da empresa e pediu-me para passar o pedido aos meus sócios. E eu fiz isso”.
Nolasco, que se apoiou no papel de pombo-correio entre a empresa de Hong Kong e a alta figura da Administração, referiu que falou com os sócios da Swire que “ficaram muito admirados com a abordagem, principalmente vinda de quem vinha”. A resposta foi negativa – “impossível”, foi o termo usado – mas Ao Man Long apresentou uma contra-proposta, em que pedia três por cento pelos projectos. Acordo que coincide já com o despacho de pronúncia. “Não era hábito fazer-se isso e era muito dinheiro. Recusámos, recusámos e recusámos. Não foi um pagamento feito por iniciativa própria. Resistimos o melhor que pudemos”, afirmou Nolasco, avançado logo que a cedência não interferiu com os contratos que a empresa tinha em mãos.
A mudança de postura da Swire foi assim justificada: “Ao Man Long ficou visivelmente irritado quando recusámos. Disse: ‘Estão a brincar comigo! Isto nunca aconteceu com nenhuma empresa a que estou ligado’. Falei novamente com os meus colegas. Se não fizessem o acordo corriam o risco de por a empresa em maus lençóis”. A declaração acabou por prejudicar o arguido já que pôs em causa a legalidade dos contratos assinados pela CRS e valeu forte investida por parte do Ministério Público:
- Se não pagasse a empresa ficaria numa situação perigosa. Isso incluía os contratos?
- Não era uma certeza. A CSR tem 400 e tal trabalhadores, não poderia por em risco o futuro da empresa. Conhecia a personalidade de Ao Man Long e a maneira de ele actuar.
- Quer dizer que os contratos não seriam renovados?
Não seria uma condição para continuar o contrato.
Os nossos contratos valiam por si. Num deles, tínhamos o melhor preço.
- Talvez por outras palavras. Chegou a falar com Ao Man Long sobre os contratos?
Falámos dos projectos que estavam a decorrer. Mas não se falou em compensações.
Frederico Nolasco argumentou que o projecto de recolha automática de lixo foi proposto pela empresa CSR (não houve, portanto, concurso público). Já as obras para a Estação para o Tratamento de Resíduos Perigosos foram sujeitas a concurso internacional em Abril de 2005, tendo a empresa apresentado a “melhor proposta”. Já na recta final da sessão, uma das juízes do TBJ perguntou ao arguido se os pagamentos a Ao Man Long teriam facilitado a assinatura de contratos, nomeadamente a renovação da exploração exclusiva do sistema de resíduos. “Facilitar não digo. Não queria que o engenheiro interferisse com as operações da empresa. Não queria que ele estorvasse”.
A audiência do primeiro processo conexo ao caso Ao segue na próxima segunda-feira (21 de Janeiro), dia que será marcado pelos depoimentos das primeiras testemunhas (serão três). O processo tem ainda como arguidos, presentes na sala, a cunhada e o irmão de Ao Man Long. O pai, Ao Veng Kong, que está em estado de saúde crítico, pediu para se ausentar do tribunal. O arguido ficará aos cuidados do hospital e voltará à audiência quando convocado pelo TJB.
CAIXA
Defesa puxa pela legalidade dos contratos com a CSR
Defesa puxa pela legalidade dos contratos com a CSR
São três os projectos que ligam a Companhia de Sistema de Resíduos (CSR) – e também as empresas associadas Swire e H.Nolasco- ao escândalo de corrupção de Ao Man Long. A saber: construção da Estação de Tratamento de Resíduos Perigosos, o projecto piloto de Recolha Automática de Resíduos Sólidos e renovação da exploração exclusiva do Sistema de Resíduos. Contratos que ficaram em cheque quando o empresário Frederico Nolasco da Silva, arguido no processo, assumiu ter feito pagamentos ao ex-secretário, ainda que eles se refira como comissões e não subornos.
A declaração fez com que a defesa, o advogado Luís Almeida Pinto, tentasse provar a legalidade dos contratos e a alteração dos valores da adjudicação.
Segundo o que foi dito em tribunal, o contrato celebrado entre a Administração e a CSR foi sujeito a concurso internacional, em que a empresa apresentava uma proposta com custo inferior a mais de metade. “A nossa empresa estava em boa posição. Tínhamos a melhor proposta, mais baixa em quase 70 milhões, e tinhas soluções semelhantes para o tratamento dos resíduos”, referiu Frederico Nolasco. Contudo, há uma diferença de preço em relação à proposta inicial e o contrato assinado depois com o Governo: a fasquia subiu de 75 milhões de patacas para mais de 96 milhões.
A alteração terá surgido depois de o Gabinete de Desenvolvimento e Infra-estruturas (GDI) ter pedido para a proposta duplicar a capacidade de resposta da incineradora : “A quantidade de lixo tóxico em Macau era superior aos indicados no caderno de encargos”, esclareceu.
Quanto à recolha automática de resíduos resultou de uma proposta feita directamente pela empresa a Ao Man Long. Tratava-se, disse Nolasco, de uma nova tecnologia no área do ambiente que o engenheiro já conhecia da Expo 98, em Portugal. O antigo secretário considerou a ideia e deu luz verde para a empresa apresentar o projecto ao GDI.
A CRS é responsável exclusiva pelo sistema de resíduos de Macau, desde 1992. E viu a renovação do contrato feita com uma adjudicação de cerca de 928 milhões de patacas. Ora, o contrato anterior tinha-se ficado pelos 800 milhões. Foi então explicado que a Swire (associada da CRS) tem ligações a uma empresa francesa tida com a segunda maior do mundo no sector do tratamento de lixo – argumento usado para a renovação do contrato. E que o IACM terá pedido que fossem alargadas as funções da empresa para a limpeza de todos os jardins, da orla marítima e de túneis – dados que em conjunto com a inflação terão subido o valor da adjudicação.
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O nome Nolasco da Silva
sentou-se no tribunal
O nome Nolasco da Silva
sentou-se no tribunal
Com a pesada herança da conceituada família macaense, Frederico Nolasco da Silva começou ontem a responder pelos crimes de corrupção activa e branqueamento de capitais. Quem o conhece destaca a educação firme e diz que terá sido um intermediário no caso: o empresário estava sob a alçada da empresa Swire, da RAEHK
Sónia Nunes
Sónia Nunes
Frederico Marques Nolasco, ou Dubi, a alcunha que lhe ficou de infância, chegou ao banco dos réus do Tribunal Judicial de Base e falou como arguido no processo conexo ao do ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes com um forte peso às costas: o nome e o estatuto de nobre homem que herdou da família. O clã Frederico Nolasco, macaense e um dos de maior influência em Macau, ligou o apelido ao mundo dos negócios ainda nos anos 20, do século passado. E chegou à era contemporânea com o registo criminal limpo.
A acusação imputada a Frederico Nolasco diz respeito à empresa de Companhia de Sistemas de Resíduos (CRS), associada da empresa Swire de Hong Kong, em que a H. Nolasco é sócia minoritária. O nome da nova geração da tradicional família de comerciantes surge acusado de três crimes de corrupção activa e dois de branqueamento de capitais. Em tribunal, Frederico Nolasco disse que foi um pombo-correio entre a empresa e a administração. Mas disse também ter pago mais de oito milhões de dólares de Hong Kong a Ao Man Long, ainda que se tenha mantido firme na recusa até o antigo-Governante ter mostrado os dentes.
“O Dubi sempre me pareceu uma pessoa séria. Manteve o nome dos Nolasco da Silva. É um tipo muito bem educado e discreto. Mas se calhar distraiu-se. Acho que não é nenhum bandido”, afirmou ao PONTO FINAL, um conhecido de Frederico Nolasco que pediu o anonimato.
A família deixou na história marcos na educação e na área do Direito de Macau. Uma árvore genealógica de filantropos: está ligada à fundação da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), lançou a pedra para a primeira escola macaense que até aos anos 60 ficou no alto de S. Agostinho, mais tarde transitou para a actual Escola Portuguesa. “Toda a família tinha pergaminhos de nobreza de alma”, resumiu uma fonte.
Filho de pai português e de mãe chinesa (de Xangai) foi chamado Dubi, um carinho familiar que seguia o costume de Macau e deu diminutivos, inspirados no inglês, a todos os filhos. O irmão Henrique Nolasco, da Autoridade Monetária de Macau, é, por exemplo, Ricky.
Nos anos 80, a família Nolasco da Silva sofreu um forte abalo: dois dos irmãos de Frederico eram toxicodependentes crónicos e acabaram por morrer de overdose. O patriarca da família, também chamado Frederico Nolasco, foi atacado por um profundo desgosto e optou por fazer o luto em Portugal. Deixou a empresa e foi nesta época que terá começado a vender as suas posições ao grupo da empresária Susana Chou, actual presidente da Assembleia Legislativa. Manteve-se o nome da família e Frederico Nolasco filho foi chamado às lides empresariais (é hoje sócio minoritário). Restavam dois irmãos que não manifestavam qualquer interesse pelas trocas comerciais.
À época, os Nolasco detinham já a Farmácia Popular, controlavam as bombas de gasolina e geriam um vasto leque de negócios de importação e exportação – das águas Luso a produtos de electrotecnia. Nos anos 60/70, a actividade mais conhecida estava ligada ao sector da navegação e das viagens: toda a gente saía de Macau com bilhete comprado na Nolasco.
Frederico Nolasco reforçou os investimentos da empresa à construção civil e assumiu-se como fornecedor de equipamentos e materiais para obras. Especialmente para os projectos ligados ao ambiente e desporto: é membro do Conselho de Desporto da RAEM e está ligado ao hóquei em campo. O pai era uma das velhas glórias da modalidade em Macau.
“O Dubi é um homem que me parece ser sério. É bem formado. Se me fosse pedido um testemunho em tribunal era isto que diria”, destacou outra figura próxima do arguido.
A acusação no processo contra Frederico Nolasco diz respeito a uma empresa de Hong Kong, em que o empresário tem participação reduzida. “Ele não poderia ter muito poder de decisão. Mas as ligações indicam claramente a relevância da Nolasco e do Dubi, no mercado”, observou um empresário. E destacou que a empresa seguiu a tradição dos macaenses como intermediários comerciais: “Era um dos grandes fornecedores da Administração: as águas Luso, por exemplo, estão em todos os departamentos do Governo”.
Para o empresário, o cerne do processo de corrupção activa contra Frederico Nolasco está na eventual confirmação do envolvimento da Swire como corruptor activo: “O Dubi terá sido o
intermediário numa transacção entre um alto membro da Administração e de uma empresa de Hong kong. A Nolasco toda a gente conhece em Macau, a Swire toda a gente conhece no mundo”.