23.1.08

JULGAMENTO CONEXO AO DE AO MAN LONG
“Provável” grelha provisória
baralha testemunha


A técnica superior do departamento de Edificações Públicas, Lei Mou Sun, foi ontem confrontada no TBJ com um papel que disse tratar-se de uma grelha provisória. O documento dava já o primeiro lugar à San Meng Fai para as obras no Macau Dome. Se, no início, não hesitou em dizer que houve ajustes em todas avaliações, ficou em silêncio quando Pedro Redinha reformulou a pergunta. Para dizer depois ao Ministério Público que a grelha pode, afinal, ter sido alterada

Sónia Nunes

Foi ontem mostrada em tribunal – pela primeira vez desde que o Ao Man Long começou a ser julgado – uma “provável” grelha provisória de avaliação dos projectos de construção pública. O documento está anexo à acusação, refere-se ao Macau Dome, e coloca o consórcio entre a San Meng Fai e a Sociedade de Obras de Construção da China (CCECM) em primeiro lugar no concurso. A provar-se a validade da folha, o alegado ajuste pedido pelo ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes deixa de fazer sentido, já que a Comissão de Avaliação das Propostas para Adjudicação terá autonomamente feito a mesma escolha.
A eventual grelha provisória que pesou a adjudicação proposta pela San Meng Fai (e CCECM) chegou ao Tribunal Judicial de Base, que está a julgar o caso conexo ao do ex-secretário e tem como arguidos três empresários e quatro familiares de Ao Man Long, a pedido do advogado de Ho Meng Fai, Pedro Redinha. E fez hesitar o depoimento da primeira testemunha ouvida na sessão de ontem, a técnica superior do Departamento de Edificações Públicas da DSSOPT, Lei Mou Sun.
Durante a primeira fase de inquérito, que coube aos procuradores do Ministério Público, Lei Mou Sun (que também faz parte da comissão de avaliação) garantiu que as obras do Pavilhão do Instituto Politécnico, Centro Internacional de Tiro e Macau Dome foram adjudicadas à San Meng Fai por indicação “de uma ordem muito superior” – a testemunha deduz que tenha sido do antigo secretário, mas não tem certeza. E foi também por dedução que concluiu que a grelha provisória de avaliação das propostas para a Nave Desportiva sofreu alterações. “Entreguei a grelha ao chefe de departamento (Chau Shu Hang) e fui de férias. Ele disse-me depois que houve alterações. Disse que teve muito trabalho. Depois de haver uma instrução para alterar os valores o trabalho é muito e difícil”, afirmou.
O Ministério Público tornou a perguntar se tinham sido feitas alterações no balanço preliminar das adjudicações e Lei Mou Sun foi clara: “Do que me ocorre, houve sempre indicações superiores”. Também na primeira leva de perguntas feita por Pedro Redinha, a testemunha reiterou a afirmação, apesar de o advogado ter recordado que a declaração sobre o Macau Dome resultava de “depoimento indirecto”. A técnica superior assegurou que podia “garantir” que a San Meng Fai não foi a primeira classificada no concurso para a construção Pavilhão do Instituto Politécnico: “Tive muito trabalho para fazer o ajustamento”, justificou. Já em relação ao Centro de Tiro, a testemunha não se lembra da grelha provisória, mas recorda-se de ter ficado à espera que Jaime Carion (director da DSSOPT) chegasse com o despacho de Ao Man Long, que poderia implicar um segundo ajuste na tabela de classificações. Contudo, a segunda testemunha ouvida ontem, o na altura subdirector da DSSOPT, disse desconhecer duas instruções do ex-secretário para a mesma adjudicação.
As certezas de Lei começaram a balançar quando Pedro Redinha lhe pediu para confrontar a avaliação definitiva relativa à adjudicação do Macau Dome com uma outra folha:

- O documento que foi apreendido na residência de Ao Man Long é ou não a proposta da Nave Desportiva, levada pelo chefe de departamento para o ex-secretário fazer o “balanceamento politico”?
-Os documentos têm a mesma pontuação. Não me recordo, para mim são só números. Chau Shu Hang apenas me disse que houve ajustes.
- É a grelha provisória?
-É provisória, por não estar assinada.
- Mantém a afirmação de que a indicação superior foi decisiva para a atribuição do consórcio?
-Só posso dizer que não sei se esta é a grelha que entreguei ao chefe de departamento antes de ir de férias.
- Compreendo. Veja se também percebe a minha pergunta. Teve uma intervenção parcelar, está em condições de afirmar que a indicação do secretário foi decisiva?
-A orientação do secretário foi decisiva.
- Não está a perceber. (Reformula a pergunta) (Não responde)
- Deixo o seu silêncio à consideração do douto tribunal. Mas ainda assim agradecia uma resposta.
(Silêncio)
- Terminei a minha instância.

O Ministério Público pôs fim ao silêncio da testemunha que ressalvou que o documento encontrado em casa de Ao Man Long “não era a grelha final”, mas não podia afirmar que tenha sido a primeira. A procuradora recordou então a primeira declaração ouvida na audiência de ontem e desafiou: “Mantém o que disse? O seu chefe disse-lhe que a pontuação relativa ao Macau Dome foi muito difícil de fazer? Houve orientações superiores?”. E Lei Mou Sun respondeu “sim”.
A técnica superior referiu ainda que era a responsável pela avaliação dos critérios “experiência” e “plano de execução da obra”, pontos que serviriam para incluir as indicações ordenadas por Ao Man Long e assim alterar a classificação das empresas. Os pedidos chegavam pela voz de Chau Shu Hang e eram transmitidas individualmente. A testemunha explicou que considerava na altura “que essas indicações deviam ser mantidas em segredo”.
As alterações eram maioritariamente incluídas no critério “experiência” – o que no caso do Pavilhão do Instituto Politécnico era difícil de apurar. “Cheguei a perguntar ao meu superior como fazer. Era um espaço gimnodesportivo, de grande envergadura e as empresas locais só faziam prédios”, esclareceu.
Lei explicou às juízas do TBJ tentava seguir sempre “um raciocínio lógico” para dar vazão às instruções para alterar as grelhas provisórias. Neste item, a proposta da San Meng Fai terá recebido 9 pontos. A testemunha disse não se recordar do valor mas referiu que foi calculado com base em informações de anteriores projectos da empresa. Reconheceu que não deveria ter sido o único membro da Comissão de Avaliação a ponderar a questão e a falta de experiência. “Mas sabia como fazer a avaliação do projecto”, com base no decreto-lei, publicado pouco tempo após a criação da RAEM e que incluía o “interesse público” na matriz.


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TJB REVOGOU SUSPENSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA APLICADA AO OCTOGENÁRIO
Ao Veng Kong
regressa à cela hospitalar


Na sessão da passada segunda-feira, o Tribunal Judicial de Base autorizou que o arguido Ao Veng Kong se ausentasse do julgamento, requerimento pedido pela defesa alegando o crítico estado de saúde do octogenário. Ontem foi conhecida a decisão do colectivo: a suspensão da prisão preventiva do pai de Ao Man Long foi revogada. Ao Veng Kong foi deslocado do hospital Conde S. Januário, onde estava à guarda dum agente da PSP, para a cela hospitalar, adjacente à unidade, que faz parte da direcção dos Serviços Prisionais.
O advogado do arguido foi notificado ontem e tentou por várias vezes chamar a atenção da presidente do TJB, Alice Costa, dizendo que tinha urgência. As investidas foram negligenciadas e só ao final da tarde Pedro Leal conseguiu fazer uso da palavra.
“Eu não quero um requerimento. Quero a nulidade”, distinguiu o causídico. De acordo com a lei, sempre que há sentenças relativas a medidas de coação (no caso, prisão preventiva) o arguido tem de ser ouvido. O que não aconteceu.
“Se tivesse sido ouvido podia dizer que a cela hospitalar, onde está neste momento, é uma área reduzida, sem ventilação, exígua, onde está totalmente acamado, sem poder dar um passeio ou receber visitas dos familiares. É extremamente penoso para uma pessoa em estado débil”, descreveu Pedro Leal.
Ao Veng Kong foi diagnosticado com um cancro na próstata há sete anos e o quadro clínico tem sido agravado – a perícia médica fez com que a prisão preventiva, aplicada pouco tempo depois de Ao Man Long ter sido detido, fosse levantada. O arguido foi encaminhado para o hospital Conde S. Januário para seguir com cuidado os tratamentos de quimioterapia. A direcção do hospital público terá, entretanto, dito que o octogenário podia ser acompanhado quer no Conde S. Januário, quer na cela hospitalar – contudo, a tradução não foi clara nesta parte.
“O facto de na cela hospitalar poder receber o mesmo tratamento do que no quarto do hospital não quer dizer que a cela tenha condições. O local é um buraco”, avançou Pedro Leal. Foi então pedida a nulidade da decisão do TJB até serem apuradas as condições da prisão preventiva.
O Ministério Público contrapôs que ainda não foi notificado sobre o despacho e Alice Costa acrescentou que, sendo assim, a nulidade teria que ser decidida mais tarde. Pedro Leal ainda tentou destacar que os procuradores estavam a ter conhecimento da decisão na sala da audiência, mas a presidente do TJB foi lacónica: “Decidir agora não. Suspensão agora não”. A próxima sessão será daqui a seis dias (28 de Janeiro).


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DEPOIS DE POSSÍVEL PROCESSO POR FALSAS DECLARAÇÕES, RECORDA-SE DE QUEM PARTIAM AS INSTRUÇÕES
Chan Hon Kit avivou a memória

Depois de ter saído do TUI com um possível processo por prestação de falsas declarações, o actual coordenador do GDI afinou o testemunho. No TJB explicou como eram feitos os ajustes para uma obra ser adjudicada a uma empresa e falou do telefonema de Ao Man Long

O actual (e recente) coordenador do Gabinete de Infra-estruturas (GDI), Chan Hon Kit, que corre o risco de ser incriminado por ter prestado falsas declarações no Tribunal de Última Instância, durante o julgamento de Ao Man Long, explicou ontem como chegavam as indicações para alteração das grelhas provisórias de adjudicação de obras públicas. Se, há uns meses, Chan Hon Kit não se recordava de quem partiam as instruções, ontem não hesitou: recebeu um telefonema do ex-secretário para alterar a pontuação relativa ao Auto-Silo no Cotai para pesados. E transmitiu a ordem aos subordinados.
Chan Hon Kit testemunhou ontem no Tribunal Judicial de Base, no processo conexo ao de Ao e que envolve três empresários de Macau. No depoimento – que tomou parte da manhã e se estendeu até ao final da sessão de ontem – o actual coordenador do GDI explicou como eram seguidas as ordens para alteração dos dados a concurso, na sede da DSSOPT – procedimento que não referiu no TUI. Enquanto presidente da Comissão de Avaliação (na altura), recebia os relatórios, passava as grelhas provisórias para o director da DSSOPT (Jaime Carion) que as fazia chegar a Ao Man Long. O ex-secretário emitia depois um parecer que era transmitido a Chan Hon Kit por Carion.
Segundo o que foi ouvido ontem, houve apenas um atropelo no procedimento. Quando o ex-governante telefonou à testemunha e instruiu o subdirector da DSSOPT (à época) para mexer na grelha provisória relativo ao parque de estacionamento para pesados, no Cotai. Porém, o responsável pela gestão da comissão de avaliação afirmou não saber como foi feito o novo cálculo: “Transmiti as instruções aos meus subordinados. Como eles fazem, isso já é com eles”.
Chan Hon Kit garantiu ainda que não houve mais do que um parecer do ex-secretário sobre a mesma obra e que as minutas provisórias eram devolvidas. Se as grelhas eram só uma folha (outras testemunhas já referiram que havia documentos anexos) não se recorda, mas não exclui a hipótese.
A testemunha começou por dizer que não se recordava se tinham sido feitas alterações às adjudicações relativas ao Macau Dome e ao Centro de Tiro. Quanto ao Pavilhão do Instituto Politécnico “houve orientação” – até ao advogado Pedro Redinha ter recordado o depoimento prestado ao Ministério Público.
Na altura, Chan disse que “do seu ponto de vista, as sociedades indicadas por Ao Man Long são as com melhor reputação na área de construção”. E ontem voltou a afirmar que era verdade. Redinha tentou espevitar mais uma vez a memória da testemunha e leu outro depoimento em que o actual director do GDI se referiu à primeira fase de construção do Macau Dome. Chan Hon Kit confirmou a declaração: já não se recordava qual a empresa que ficou em primeiro lugar no concurso, mas lembra-se que foi a que recebeu classificação mais alta na grelha provisória.
Em relação ao Silo do Cotai, a testemunha explicou porque é que a Chon Tit apresentou duas propostas, ganhou o concurso com a mais barata e construiu um projecto mais caro: “Foi escolhido o segundo projecto porque eram precisos mais parques de estacionamento”. Tentou ainda esclarecer o colectivo do TJB quanto “ao equilíbrio dos interesses” e “decisão política” para a atribuição das adjudicações e sublinhar que, por vezes, as orientações do secretário coincidiam com a avaliação da grelha provisória. Contudo, o facto de Chan Hon Kit se referir a todas as decisões do ex-secretário como “instruções” confundiu o depoimento.
A testemunha voltou a declarar que nunca duvidou que os ajustes fossem ilegais. Até uma das juízas lhe ter perguntado: “Se o seu filho tivesse alterado a pontuação num teste não haveria problema?”. “Concordo com o seu ponto de vista”, respondeu Chan Hon Kit – frase que marcou o inquérito final conduzido pelo colectivo do TJB.
O actual coordenador do GDI foi ainda solicitado para explicar as diferenças entre o gabinete e a DSSOPT na adjudicação de projectos de construção. Chan referiu que no GDI não há grelhas provisórias, mas são feito cálculos de avaliação. Quais, não sabe: ainda segue o método em uso da DSSOPT.

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