23.1.08

JULGAMENTO DOS FAMILIARES DE AO MAN LONG: CARION SEPARA ÁGUAS ENTRE DSSOPT E GDI
“No GDI, a grande maioria
das decisões pendia para uma empresa”


Jaime Carion afirmou ontem no TJB que seguiu sem pestanejar as instruções de Ao Man Long ao abrigo do interesse público e da escolha política do ex-governante. As dúvidas quanto à legalidade das adjudicações só surgiram quando o director da DSSOPT se apercebeu que o GDI escolhia quase sempre as mesmas empresas: “Aí começou a magoar o meu coração”, disse

Sónia Nunes

O director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) voltou ontem ao tribunal como testemunha num caso relacionado com o de Ao Man Long. Mais assertivo do que no Tribunal de Última Instância, Jaime Carion reforçou que as alterações nas grelhas de avaliação das obras a concurso, ordenadas pelo antigo secretário para as Obras Públicas e Transportes, lhe pareceram legais e fruto de decisão politica. Mas houve dois momentos em que duvidou dos métodos de adjudicação: quando o ex-governante lhe pediu para transferir o lote do Pac On e quando se apercebeu que o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI) “pendia” para determinadas empresas.
Ao longo do inquérito de mais de quatro horas, na audiência do Tribunal Judicial de Base, que está a julgar os familiares de Ao Man Long e três empresários locais, Jaime Carion tornou a explicar o funcionamento da comissão de avaliação de projectos para obras públicas e privadas. Era feita uma grelha preliminar que avaliava as candidaturas. O documento, que reunia já as melhores propostas, era entregue pessoalmente ao ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes pelo director da DSSOPT – não se conhecem interferências de Ao Man Long na minuta provisória. As ordens verbais do ex-governante (entendidas pela DSSOPT como um despacho) que ditavam qual a empresa vencedora eram emitidas a posteriori. “O antigo secretário nunca me disse que precisava de beneficiar uma companhia. Eu interpretava as instruções como um balanço político que Ao Man Long tinha que seguir como membro do Governo”, destacou Jaime Carion.
O director da DSSOPT explicou que os ajustes sugeridos pelo antigo governante lhe pareceram dentro da norma já que se ligavam ao critério do “interesse público”, tutelado por decreto-lei. A RAEM estava à época a lidar com as primeiras obras de grande envergadura e o contexto exigia uma visão política de gestão. “Como é que engenheiros e arquitectos podem decidir se uma obra é boa ou má para o interesse público?! Entendemos que seria da competência de Ao Man Long emitir um parecer”.
Se até aqui, Jaime Carion nunca tinha posto em causa a legalidade do processo, a atitude alterou-se já em 2006, meses antes do ex-governante ter sido preso preventivamente - quando deu mais atenção aos trabalhos do GDI. O gabinete, ao contrário da DSSOPT, não tinha que se curvar perante os imperativos políticos mas tinha tendência para escolher as mesmas empresas a concurso, constatou.
“Nunca pus em causa a legalidade do processo. Já na fase final constatei que em relação ao GDI boa parte das empreitadas eram adjudicadas a determinadas empresas. Não seguiam - e foi o próprio coordenador que mo confirmou - o mesmo princípio das Obras Públicas”, revelou Jaime Carion. Castanheira Lourenço já negou, de resto, quaisquer interferências de Ao Man Long na adjudicação de obras, quando foi ouvido pelo TUI.
Na sessão de ontem, Carion distinguiu a estrutura orgânica entre DSSOPT e GDI e fez saber que o gabinete coordenado por Castanheira Lourenço não dependia do crivo do ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes. Mais, os ajustes feitos pela DSSOPT nas grelhas de avaliação cabiam nos critérios mais abstractos, como “experiência da empresa” ou “plano de execução”. Resultado: “Não houve nenhuma parte das Obras Públicas que pendesse para uma empresa. No GDI a grande maioria das decisões pendia para uma determinada empresa. Eles não tinham que seguir a nossa filosofia. Aí começou a magoar um bocadinho o meu coração”, sublinhou Carion.

Juízes juntam caso Pac On à pronúncia

Outro dos procedimentos de celebração de contratos que despertou a desconfiança de Jaime Carion foi a mudança de finalidade do terreno de Pac On (na Taipa) e no pedido de troca de lotes – facto que reporta a Ho Meng Fai e à agência imobiliária Song Keng, na acusação contra Ao Man Long, e foi ontem acrescentado à pronúncia do processo conexo ao do ex-secretário e que tem o empresário como arguido.
De acordo com o testemunho de ontem do director da DSSOPT, Ao Man Long pediu para Jaime Carion proceder a uma troca de terrenos destinados a moradias com dois fundamentos: as obras do túnel subterrâneo que ligaria Macau à Taipa e a gestão do tráfego rodoviário. “Quando recebi este pedido tinha reservas, mas não consegui afirmar. Um terreno tão pequeno não podia receber um projecto de tão grande envergadura. Telefonei ao coordenador do GDI que não confirmou as justificações técnicas do antigo secretário”, esclareceu Carion. Por outro lado, acrescentou, a concessionária, que “desconhece se vai passar ou não um túnel pelos lotes”, enviou igual pedido à DSSOPT. As dúvidas não chegaram, no entanto, a ser colocadas a Ao Man Long – o arguido estava já detido.
Os dados do depoimento de Jaime Carion foram acrescentados à pronuncia do julgamento que segue do TJB – isto apesar do advogado de Ho Meng Fai ter pedido suspensão da audiência por 48 horas, para fazer um novo exame ao processo. “Não estou em condições de assegurar a defesa do meu cliente”, alegou Pedro Redinha. Porém, a presidente do colectivo, Alice Costa, entendeu que os novos factos já tinham sido ouvidos em tribunal e que a testemunha podia voltar a depor. O requerimento foi, portanto, indeferido.
Jaime Carion confirmou ainda as alterações nas fichas de avaliação das obras públicas e privadas e admitiu a eventual coincidência entre as ordens de Ao Man Long e as grelhas provisórias, mas não conseguiu identificar casos. A falta de memória valeu-lhe um forte inquérito por parte da defesa do empresário Chan Tung Sang e do advogado Pedro Redinha. Isto porque no depoimento ao Ministério Público, o director da DSSOPT disse que a adjudicação das obras de construção do Centro de Tiro à empresa San Meng Fai, seguiu as grelhas provisórias, e ao CCAC declarou que a Chon Tit ( de Chan Tung Sang) não obteve a melhor posição mas ganhou o contrato para construção do auto-silo no Cotai. Afirmação que ontem foi reformulada: “Dada a diferença entre as classificações [das candidatas], pode ser que não tenha havido necessidade de o secretário avançar com a Chon Tit”. Contudo, Jaime Carion ressalvou que “disse a verdade” em todas as declarações dadas ao CCAC e MP e que na altura do inquérito “estava mais próximo dos factos” e “tinha a memória mais viva”. O discurso da verdade foi várias vezes referido pelo director da DSSOPT na sessão de ontem, para, por exemplo, reforçar que todos os seus subordinados estavam ao corrente dos despachos orais de Ao Man Long: “Houve um caso em que eu ia para transmitir as indicações ao subdirector [Chau Hon Kit] e ele disse ‘Já sei’. Tinha recebido um telefonema directo [do ex-governante]: não sou mentiroso!”.

CAIXA
Ex-assessor de Ao diz que apenas cumpriu ordens

O assessor desde 2003 do gabinete do secretário para as Obras Públicas e Transportes, Chau Shu Hang, foi ontem a primeira testemunha a ser ouvida pelo TJB. Repetiu que a avaliação das propostas era feita de acordo com critérios fixos, sem interferências de Ao Man Long e confirmou a alteração das pontuações em alguns contratos.
O na altura chefe de departamento das Edificações Públicas da DSSOPT referiu que se limitou a cumprir ordens do superior hierárquico, apesar de entender que o procedimento “não era normal”. Segundo Chau Shu Hang, foram feitos ajustes na classificação da Sang Meng Fai para ganhar a construção do Pavilhão do Instituto Politécnico e as obras no Macau Dome. As “instruções” foram dadas pelo subdirector da DSSOPT, Chau Hon Kit, (que deverá ser ouvido hoje) e nunca pelo antigo governante. Contrariamente ao que respondeu ao Ministério Público, o assessor negou ontem ter tido qualquer conhecimento sobre a adjudicação do Centro de Tiro, por ter saído da DSSOPT antes da celebração do contrato. “Enganei-me nas datas”, justificou.
Chau Shu Hang afirmou também que havia “casos em que a empresa já estava em primeiro lugar antes das alterações”, sem conseguir avançar com nomes. Declaração que será difícil de provar uma vez que as grelhas provisórias são dadas como desaparecidas.

CAIXA
Cunhada de Ao não reconhece assinatura

A cunhada do ex-secretário para as Obras Públicas e Transportes e arguida no processo que corre no TJB, não reconheceu a assinatura em sete documentos que fazem parte da acusação. Os papéis chegaram ontem ao tribunal, depois de terem desaparecido do processo e do advogado da arguida, Pedro Leal, ter requerido a imediata localização das provas em falta.
Já na fase de investigação, Ao Chan Wa Choi não tinha reconhecido a validade das assinaturas. Ontem, olhou para as folhas e disse sete vezes “Não é a minha assinatura”. Os documentos estavam a ser avaliados pela Polícia Judiciária que, entretanto, não conseguiu determinar a validade da caligrafia.

CAIXA
Julgamento segue sem presença de pai de Ao Man Long
Ao Veng Kong autorizado a ficar no hospital

Assim que a primeira testemunha acabou de falar, o pai de Ao Man Long, o octogenário Ao Veng Kong, voltou a recordar ao colectivo de juízes do TJB o estado clínico grave em que se encontra. O advogado Pedro Leal tinha já requerido ao tribunal, na semana passada, para o julgamento seguir na ausência do arguido, mas até ontem de manhã ainda não havia uma decisão. A autorização só chegou ao final da tarde.
Passava já das 18 horas quando o colectivo voltou a chamar a depor Ao Veng Kong. O arguido tornou a repetir que assinou documentos em inglês a pedido do filho, que não levantou quaisquer questões e que desconhecia o montante das contas que abriu em Hong Kong. Uma das juízas estranhou o facto do octogenário ter assinado os papéis relativos às operações bancárias com caracteres ocidentais. O arguido respondeu que não se recordava porque escreveu assim o nome e balanceou: “A caligrafia parece ser minha”.
A meio do inquérito, a presidente do TJB, Alice Costa, fez saber que o requerimento para Ao Veng Kong se ausentar da sala do tribunal, tal como havia sido pedido por Pedro Leal, não poderia ser diferido. A pergunta foi feita directamente ao arguido: “O tribunal pode autorizar a sua ausência, mas não pelo artigo 315. Porém, o senhor tem direito a saber o que se passa na sala de audiência. Qual é a sua vontade?”.
Ao Veng Kong não entendeu o discurso. A resposta afirmativa coube assim ao advogado que garantiu que as declarações prestadas doravante na audiência seriam transmitidas ao arguido, internado no Centro Hospitalar Conde S. Januário.

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