Nº1457 Série III Ano XVI
JOSÉ PEREIRA COUTINHO ANTECIPA 2009
“Acredito que Ho Chio Meng
possa ser um bom Chefe do Executivo”
JOSÉ PEREIRA COUTINHO ANTECIPA 2009
“Acredito que Ho Chio Meng
possa ser um bom Chefe do Executivo”
O deputado José Pereira Coutinho explica, em entrevista ao PONTO FINAL, por que razão a ATFPM não apoiou a última manifestação de protesto contra o governo. E avança com o perfil que defende para a sucessão de Edmund Ho: um homem de leis, com experiência na Administração Pública. O actual Procurador-Geral da RAEM, admite, é quem se enquadra melhor nesse perfil, mas garante que a ATFPM também poderá apresentar um candidato próprio
Ricardo Pinto
Ricardo Pinto
– 2007 trouxe a Macau um crescimento económico sem precedentes. Ainda assim, houve nada menos do que três grandes manifestações de protesto contra as politicas do governo. Como se chegou a este contra-senso?
José Pereira Coutinho – Macau enfrenta hoje novos desafios em virtude do investimento massivo na indústria do jogo. Esse investimento do exterior encheu os cofres públicos, mas teve muitos efeitos indirectos indesejáveis. Infelizmente, o governo tem sido incompetente na forma como tem vindo a gerir a situação. A riqueza está mal distribuída, o fosso entre ricos e pobres não pára de crescer e há muita gente a passar por grandes dificuldades, especialmente devido à subida das rendas de casa e à falta de uma política de mão-de-obra justa e coerente. Na minha opinião, o governo devia encorajar os empresários da construção civil a fazerem novos edifícios residenciais em que se comprometessem a praticar preços controlados. Os habitantes de Macau precisam desesperadamente de ter casas que possam pagar. Em vez disso, o governo decidiu voltar às hastas públicas, esperando desse modo fugir às acusações de favorecimento que lhe vinham sendo feitas. Só que estas hastas públicas não vão ajudar a resolver o problema da especulação imobiliária, bem pelo contrário. Em relação ao mercado do emprego, toda a gente pode ver que importação de mão-de-obra é facilmente autorizada no seio da indústria do jogo, onde os salários cresceram muito, enquanto que as pequenas e médias empresas esperam meses por uma ou duas quotas que podem ser vitais para a sua sobrevivência. O sistema não é transparente e é responsável pelas grandes dificuldades que pequenos e médios empresários, e os seus empregados, enfrentam hoje em dia. A juntar a tudo isto, a segurança social está cada vez mais fraca, havendo muita gente com um futuro incerto pela frente assim que se reformarem. Tendo tudo isto presente, não custa perceber por que houve tantos protestos contra o governo no último ano.
Qual foi o real impacto desses protestos?
Em primeiro lugar, ajudaram a acordar muita gente para os problemas que lhes diz respeito. Nunca antes em Macau as pessoas estiveram tão envolvidas na discussão da coisa pública. E tenho a certeza que muito mais pessoas teriam comparecido nas manifestações se o governo não tivesse feito os possíveis para as desmobilizar, promovendo eventos alternativos na mesma data e à mesma hora. Por outro lado, se se olhar com atenção para algumas das medidas mais recentes do governo, julgo que se perceberá também que elas foram tomadas como resposta às reivindicações dos manifestantes e, essencialmente, para evitar novos protestos. Por outro lado ainda, acho que se deve reconhecer que se estamos agora assistir a um crescendo das criticas contra o governo, isso explica-se pelo facto de 2009 estar cada vez mais próximo. As pessoas com ambições politicas pretendem surgir agora mais distanciadas do governo, já que a sua popularidade está muito em baixo.
A última das três grandes manifestações, a que teve lugar no aniversário do handover, 20 de Dezembro, foi a primeira a reclamar como objectivo principal a implantação da democracia em Macau. Por que razão esteve ausente dessa manifestação?
Bem, qualquer pessoa que conheça o meu passado político, bem como dos meus colegas de direcção na ATFPM, terá que reconhecer que desde sempre exigimos reformas democráticas. Queremos que o chefe do Executivo e todos os deputados sejam eleitos por sufrágio directo e universal, e é isso que andamos a defender há muitos anos. Queremos que o sufrágio indirecto acabe o mais depressa possível. Os deputados já sabem que vão ser eleitos muito antes das eleições se realizarem, e isso é uma forma de sufrágio que é anti-democrática. Queremos também que o número de deputados nomeados pelo Chefe do Executivo seja reduzido gradualmente, até todos os membros da Assembleia Legislativa serem eleitos por sufrágio directo. Por último, somos a favor de um alargamento do colégio eleitoral do chefe do Executivo, antes mesmo de também ele passar a ser eleito por sufrágio directo. O número de membros do colégio eleitoral deve ser aumentado para o dobro. Ao mesmo tempo, considerando que uma boa parte dos eleitores são pessoas recentemente chegadas do Continente chinês e pouco familiarizadas com as regras da democracia, defendemos que o governo devia promover campanhas de educação cívica sobre as questões fundamentais da evolução do sistema politico. Infelizmente, nada tem sido feito nesta área, muito provavelmente com receio que a maior educação política dos eleitores possa virar-se contra o governo.
Mas, insisto, por que não aderiu à manifestação de 20 de Dezembro, depois de ter estado muito activo nas duas anteriores?
Nós não aderimos à mais recente manifestação de rua em Macau porque não estivemos envolvidos na sua organização. A ATFPM tem hoje 10 mil sócios e tornou-se uma importante força política em Macau. Como outras associações, funciona como se fosse um partido político para efeito de eleições. E deve actuar como tal. No 1º de Maio, juntámo-nos à manifestação por considerarmos que essa é uma data que deve ser sempre assinalada com manifestações, mesmo que não haja nada de muito importante para reclamar. A 1 de Outubro, havia uma nova lei do tráfego rodoviário que entrava em vigor nesse dia e que continha muitas regras injustas. Fazia sentido, por isso, protestar contra a sua aplicação, para tentar convencer o governo a corrigir os erros. Já a 20 de Dezembro, o motivo avançado para a mobilização foi mais político – e, como disse, nós não estivemos envolvidos na organização. Daí que tenhamos achado melhor não aderir. A ATFPM não deve andar a reboque das iniciativas políticas de outras associações. Queremos ser independentes deles, pensar pela nossa própria cabeça. E devo também dizer que não concordámos que a questão da democracia tivesse sido apresentada como prioritária, quando há outros assuntos que precisam de ser tratados antes, nomeadamente a corrupção e a má governação. Estes são os dois factores que mais impacto negativo têm na vida das pessoas. Ninguém acredita que o ex-secretário Ao Man Long fosse o único responsável importante envolvido em corrupção. Os factos de que se falou no seu julgamento são apenas a ponta visível do icebergue. E a capacidade governativa do executivo foi posta em causa de tal modo que os membros do governo já contam os dias para o termo dos seus cargos. O próprio Chefe do Executivo disse recentemente que há altos membros da Administração que “actuam como crianças a tratar de assuntos de homens”. Portanto, sim, achamos importante que se apele à democracia, mas fá-lo-emos numa altura mais apropriada, provavelmente através de uma manifestação organizada por nós próprios. Não nos podemos esquecer que há eleições legislativa marcadas para 2009, e queremos que o eleitorado saiba distinguir-nos claramente de outras forças políticas.
É defensável que, a prazo, mais democracia traria menos corrupção e melhor governação...
Os cidadãos de Macau não podem ficar à espera da democracia. Os cidadãos de Macau estão fartos da corrupção e da má governação. Querem mais accountability, como dizem os ingleses, antes mesmo de se avançar com a democracia. Há muita coisa que pode melhorar a curto prazo. Porquê então esperar por novas regras democráticas que não se sabe quando serão aprovadas?
Alguma coisa mudou desde a prisão de Ao Man Long?
Não muito. Diria que alguns procedimentos foram abandonados durante algum tempo, mas nada de muito significativo mudou. Acho que vai ser interessante ver o que alguns membros do governo vão fazer na vida depois de abandonarem os seus cargos. Talvez então se consiga perceber melhor que trocas de favores tiveram lugar neste período.
Como avalia o trabalho do Comissariado contra a Corrupção?
Eu considero que o trabalho do CCAC só poderá ser globalmente positivo quando estiver sob a supervisão da Assembleia Legislativa. É uma instituição com demasiados poderes para estar apenas sob controlo do chefe do Executivo. E penso também que não faz sentido um mesmo órgão tratar do combate à corrupção e da promoção da legalidade administrativa, dado que por vezes existem interesses conflituantes.
Defende a criação de um Provedor de Justiça ao lado do CCAC ou, mais do que isso, o desaparecimento do comissariado, ficando a investigação da corrupção entregue às forças policiais?
Creio que a Polícia Judiciária, depois de dotada de um departamento especial com meios materiais e humanos, deveria ter a seu cargo a investigação dos crimes de corrupção. E um Provedor de Justiça ajudaria a garantir que o governo e os serviços públicos actuariam em conformidade com a lei. Fico chocado sempre que o CCAC anuncia publicamente que alguém foi constituído arguido, e depois essa pessoa é mantida na mesma situação durante anos, sem ser acusada de crime nenhum, sem ser julgada e sem que o caso seja arquivado. Ao meu conhecimento chegaram casos de pessoas que o CCAC constituiu arguidos em 2005 e que ainda hoje não sabem o que lhes vai acontecer. Isto não pode ser tolerado num Estado de Direito.
Era suposto o desenvolvimento político de Macau ter sido submetido a consulta pública pelo governo no segundo semestre de 2007, mas nada de muito relevante se fez nesta área. Quando o governo finalmente avançar para esse debate, que tipo de propostas está preparado para apresentar? Serão idênticas às apresentadas pela Associação Novo Macau no seu Mapa para a Democracia?
Se olhar para as Linhas de Acção Governativa dos últimos anos, facilmente constatará que há muitas outras promessas que ficaram por cumprir. Para o governo está estudo em fase de estudo, a ser objecto de consultas, o que equivale a dizer que nada se faz. Já estamos habituados a isso. O governo não é transparente na sua acção. Mesmo quando somo ouvidos sobre questões laborais, por exemplo, jamais nos é facilitado o acesso ao texto dos anteprojectos legislativos, ao contrário do que se passava no tempo da Administração portuguesa. Enquanto deputado tenho procurado saber o que se vai passar no novos aterros que vão da estátua de Kun Iam até perto da Torre de Macau, mas o novo secretario para as Obras Públicas e Transportes, Lao Si Io, pura e simplesmente ignora as minhas perguntas sobre esta questão. Gostava de perceber porquê.
Quanto ao desenvolvimento do sistema político, nós apoiamos o Mapa para a Democracia apresentado pela Associação do Novo Macau, assim como apoiaremos qualquer outra proposta que represente um passo na direcção certa.
O Governo Central anunciou recentemente que poderá considerar a introdução do sufrágio universal em Hong Kong em 2017, mas não antes. Que impacto esse anúncio poderá ter em Macau?
Penso que é um desenvolvimento positivo, porque pela primeira vez o Governo Central parece ter-se comprometido com uma data para a democratização do sistema. É claro que muita gente em Hong Kong preferia poder eleger o chefe do Executivo já em 2012, pois consideram que a população tem maturidade politica mais do que suficiente para viver sob democracia. Em relação a Macau, esta medida significa que muito provavelmente iremos seguir os passos de Hong Kong, passando a ter sufrágio directo e universal em 2019.
Que tipo de perfil defende para a sucessão de Edmund Ho? Que personalidade local se encontra melhor posicionada, na sua opinião, para se candidatar ao cargo?
De uma coisa eu tenho a certeza: não deve ser um empresário. As relações pessoais são muito importantes em Macau, e acho que o Chefe do Executivo deve estar tão distanciado quanto possível dos interesses empresariais. Julgo que o próximo Chefe do Executivo deve ser um bom jurista, com experiência de trabalho na Administração Pública. Alguém que esteja em condições de assegurar o respeito pelo primado da lei. Cometeram-se demasiados erros nos últimos anos, e só uma pessoa com esse tipo de perfil poderá fazê-lo de forma eficiente.
Colocadas as coisas dessa forma, e tendo em conta as especulações que se vêm fazendo sobre potenciais candidatos, diria que apoia a candidatura ao cargo do Procurador-Geral da RAEM, Ho Chio Meng. Estou certo?
De facto, ele responde ao perfil que acabei de traçar. Acredito que Ho Chio Meng possa ser um bom Chefe do Executivo, tanto mais que me parece também ser uma pessoa inteligente e ponderada. Só me falta saber que tipo de atenção dedicaria à comunidade portuguesa, o que é na minha perspectiva, como deve compreender, um importante factor a ter em conta antes de poder dar-lhe o meu apoio. Além disso, é muito importante saber quem será em última análise convidado para o governo. Acredito que o sr. Ho Chio Meng ou qualquer outra pessoa que venha a desempenhar o cargo de Chefe do Executivo – e há outros bons juristas na Administração que cabem no perfil que defendo – não devem hesitar em despedir um ou mais dos seus secretários, se não forem sérios e competentes – algo que infelizmente Edmund Ho sempre evitou fazer. O Governo Central deve dar carta branca ao sucessor de Edmund Ho para escolher a sua equipa, e para a remodelar sempre que isso se mostrar necessário.
Defende que as forças que se vêm batendo pela democracia deviam apresentar um candidato próprio, apesar de se saber já que Ng Kuok Cheong é mais favorável a um boicote?
Penso que sim. E a própria ATFPM não exclui a possibilidade de apresentar um candidato próprio ao cargo de chefe do Executivo, se os outros candidatos existentes não nos derem garantias de boa governação. Não estou a falar de mim próprio, que tenho já inúmeros afazeres, mas tenho a certeza que poderíamos encontrar um bom candidato entre os 10 mil sócios da ATFPM, ou mesmo fora da associação.
E para as próximas eleições legislativas, também em 2009, quais são as suas metas políticas?
Queremos ter um resultado melhor do que o das eleições anteriores e, se possível, eleger um segundo candidato. Confesso que me sinto cansado de lutar sozinho por muitas causas. O trabalho em sede de subcomissões é muito pesado, e um segundo deputado ajudaria muito.
Crê que são boas as hipóteses de eleger um segundo deputado?
Diria que não são más. Nas últimas eleições tivemos 9.900 votos e ficámos apenas a algumas centenas da eleição do segundo deputado. Sem falsas modéstias, julgo poder dizer que tenho feito um bom trabalho, nomeadamente ajudando a mudar a imagem errada que havia antes na AL relativamente aos trabalhadores da função pública. À parte isso, a ATFPM tem vindo a ouvir todos os sectores da sociedade sobre todo o tipo de assuntos, encontrando-se hoje mais enraizada do que nunca na sociedade de Macau. Por tudo isso, e também pela defesa de importantes causas que fiz dentro e fora da AL, estou convencido que iremos obter ainda melhores resultados eleitorais.