29.1.08

TÉCNICOS DA DSSOPT CONFIRMAM ALTERAÇÕES NAS GRELHAS PROVISÓRIAS
“Era simples: ia ao Excel,
fazia ‘delete’, e eliminava rubricas”


As contradições e faltas de memória continuam a marcar presença no TJB, que está a julgar os familiares de Ao Man Long e três empresários. Ontem, quatro técnicos da DSSOPT admitiram mudanças na avaliação dos projectos para obras públicas. Mas divergem no tom da indicação, como e quando era feita, e nos procedimentos de fiscalização de obras

Sónia Nunes

Foi ontem conhecida uma outra forma para fazer ajustes nas grelhas de avaliação provisória dos projectos a concurso de obras públicas. Os ajustes não eram no sentido de aumentar ou diminuir os valores, passavam antes pela eliminação de alguns critérios da folha. O testemunho foi do técnico da Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas (DSSOPT), Chan Wai Hong, que ontem foi ouvido em mais uma sessão do julgamento que corre no Tribunal Judicial de Base (TJB) e tem como arguidos quatro familiares de Ao Man Long e três empresários. Chan Wai Hong admitiu ainda que a primeira vez que ouviu o termo grelha provisória foi já na fase de inquérito do processo.
O responsável da DSSOPT pela avaliação dos circuitos de ventilação, sistemas de incêndio e elevadores e que fez parte da Comissão de Avaliação das propostas a concurso, afirmou que foram feitas alterações nas pontuações de várias obras, mas não precisou quais. As indicações partiam do chefe de divisão de Projectos e Obras das Edificações Públicas (Lok Wai Choi) e da coordenadora da Comissão de Avaliação, Lei Sun Mou. “Diziam-me para não ter em conta determinadas matérias. Retirava-as da pontuação e o resultado ficava diferente. Não me davam explicações nem diziam de onde provinham”, referiu a testemunha.
O técnico destacou que as mexidas na grelha não alteravam em muito o resultado final, mas referia-se apenas ao sector em que era especialista - o que representaria cerca de três dos 20 por cento atribuídos ao critério de avaliação do material. Chan Wai Kong explicou que nunca viu uma grelha provisória e que as reuniões com os membros da comissão eram feitas “a sós” (o que foi negado ontem por Lok Wai Choi). Porém, avançou com a hipótese de terem sido feitos outros ajustes nas fichas: “Como quem não quer a coisa, íamos sondando os nossos colegas. Íamos fazendo perguntas”, sublinhou.
À semelhança dos demais funcionários da DSSOPT, o técnico tentou explicar ao tribunal que cumpria ordens do superior e que não estava em posição de fazer frente à hierarquia. “Eu não ficava conformado. Mas não achava necessário ir contra o meu superior. Há cercas coisas no trabalho em que não devemos ser extremistas e, de qualquer maneira, a minha área não ia afectar muito a pontuação final”, ressalvou.
O Ministério Público tentou puxar pela memória de Chan Wai Hong e confrontou-o com a obra do Auto-Silo no Cotai. A testemunha disse que tinha uma vaga ideia do processo, que o projecto teria sido ganho pela Chon Tit, mas não tinha certeza. A observação valeu-lhe um protesto feito pelos procuradores que se escudavam nas declarações prestadas pela testemunha ao CCAC. Foram feitas cerca de sete perguntas – todas referentes ao parque de estacionamento para pesados – que receberam sempre a mesma resposta: “Realmente não me recordo”. O técnico explicou, mais tarde, que na altura do inquérito junto do Comissariado tinha iniciado tratamentos de quimioterapia o que se repercutiu na memória: “É evidente a forma como fiquei afectado. Não sei como explicar. Parece que quando viro costas, já não sei o que vou fazer”, destacou.
Contudo, ainda na fase de inquérito pelo MP, Chan Wai Hong afirmou ter participado nas comissões de avaliação para as obras do Pavilhão do Instituto Politécnico e Macau Dome – mais um reparo dos procuradores que invocaram os deveres de uma testemunha em audiência. O técnico da DSSOPT acrescentou depois que para os projectos associados ao Jogos da Ásia Oriental foi entregue um papel amarelo, que não indicava nem a concessionária a receber a adjudicação, nem as pontuações a serem atribuídas. “Ninguém sabia muito bem o que era o papel amarelo”, afirmou Chan. O testemunho reiterou que fez alterações em várias obras e resumiu o processo que operava em todos os casos: “Era simples: ia ao Excel, fazia ‘delete’ e retirava algumas rubricas”.
Chan Wai Hong afirmou ainda que a fiscalização das obras era entregue a uma empresa de consultadoria – não eram os engenheiros que faziam a vistoria no terreno– e que os funcionários da DSSOPT só assinavam o relatório final. O técnico nunca se deparou com o facto, a afirmação resultou do que ouviu dizer aos colegas. Contudo, a primeira testemunha ouvida ontem no TJB, Lei San Fat (do mesmo departamento de Chan) também afirmou que a fiscalização das obras pertencia a uma empresa, embora fossem os técnicos do Governo a assinar o documento de supervisão – o que foi, na sessão da tarde, contradito por Lok Wai Choi. Lei destacou ainda que não fez qualquer ajuste nos critérios de avaliação – defendeu que a área que lhe competia (energia eléctrica) era por demais objectiva e não podia ser alterada. Referiu que não teve nenhuma influência na adjudicação do Auto Silo do Cotai à Chon Tit, mas admitiu alterações nos concursos.

CAIXA
A Letra M

Se a primeira testemunha da manhã, o técnico da divisão de obras e projectos da DSSOPT, Lei San Fat, defendeu que era impossível alterar as avaliações relativas à energia eléctrica, o técnico principal da mesma divisão, Leong Siu Kuan afirma o contrário. A testemunha disse também que as indicações para alteração das grelhas eram dadas em conjunto a todos os membros do Conselho de Avaliação. Confirmou ter recebido ordens para colocar a San Meng Fai no primeiro lugar para as obras do Centro Internacional de Tiro e referiu que as mexidas nas grelhas eram feitas por cada técnico, na solidão do gabinete. Tentou explicar por a mais b que as alterações seguiam os critérios oficiais, mas quando olhou para uma ficha de avaliação não sobe descodificar a fórmula de cálculo.
“A instrução que eu recebi foi para indicar a San Meng Fai e elevar a pontuação” da empresa, declarou Leong. A testemunha já não se recorda qual era a companhia que estava em melhor posição na grelha provisória, porém toma como certo que não era a empresa de Ho Meng Fai. O funcionário subiu os pontos da companhia no sector da energia eléctrica (atingiu o valor máximo) e supõe que os colegas terão feito o mesmo nas restantes categorias: “ Tomei conhecimento posteriormente”, afirmou.
Leong referiu ainda que o mesmo processo ocorreu na adjudicação das obras da Capitania dos Portos (entregue à Tong Lei) e que as alterações foram feitas no mesmo dia em que chegou o despacho do ex-secretário Ao Man Long. Faltava saber se as movidas no item da energia eléctrica seriam suficientes para alterar as posições das empresas.
A testemunha foi confrontada com o documento final de avaliação para as obras do Centro de Tiro. A defesa apontou que no ponto da energia eléctrica todas as empresas tinham o mesmo valor. Já uma das juízas notou que na categoria indicada pela letra M os valores eram todos diferentes. “Não fui eu que elaborei esse documento”, ripostou a testemunha. Leong reiterou que, mesmo havendo ordens superiores, “se o material não obedecesse aos critérios não poderia ter uma boa pontuação” e avançou que mesmo na área em que era especialista se tinha em conta o crivo da experiência e do prazo de conclusão – pontos que foram já referidos por outras testemunhas como os ideais para receber alterações, por serem subjectivos.
A juíza tentou saber o que significava aquela letra M, sem sucesso. Um dos advogados de Ho Meng Fai avançou então com uma explicação para a categoria e tentou revelar a forma de cálculo (leu o que estava no documento). A testemunha permanecia calada e a presidente do colectivo intervêm: “O senhor elabora fichas de avaliação e não consegue dizer o que é a letra M?! Foi como o advogado disse?”. A última resposta da testemunha foi “não sei”.
Uma outra juíza do colectivo continua a fase de perguntas, recordando que Leong tinha já dito em tribunal que a San Meng Fai tinha sido beneficiada. A magistrada tentou esclarecer o facto de haver ordens não isentar os técnicos de proceder a formas de cálculo “lógicas” para as alterações e o exercício resultou em desabafo: “Cada vez percebo menos”, conclui. E a testemunha voltou à frase mais ouvida em julgamento: “Cumpri ordens”.

CAIXA
Lok Wai Choi insiste na lógica para alteração das grelhas provisórias
“Se cada um alterasse à sua maneira, ficaria ‘feio’”

O chefe de divisão de Obras e Projectos da DSSOPT, Lok Wai Choi admitiu ontem no Tribunal Judicia de Base ter sido o responsável pela soma total dos pontos alterados pelos seus subordinados. O testemunho não coincidiu, em vários pontos, com os depoimentos ouvidos na parte da manhã: Lok Wai Choi declarou que nunca disse aos funcionários como modificar a avaliação das empresas a concurso. A ordem de trabalho resumia-se a um nome de uma empresa (que seria vencedora) - o que aconteceu no caso da Chon Tit, referiu, na adjudicação para as obras no Auto-Silo do Cotai. Afirmou também jamais ter dito aos engenheiros para não fiscalizarem as construções em curso.
O chefe de divisão começou por dizer que já não se recordava quais as empreitadas que tinham sido alvo de ajustes. Garantiu que as ordens partiam do superior e que se limitavam a dizer “o nome da companhia”, sem “mais pormenores”. Explicou, por mais do que uma vez, que nunca disse aos funcionários para alterarem as pontuações, apesar de reconhecer que uma coisa conduzia a outra. Na mesma linha do que já foi ouvido em tribunal, Lok Wai Choi justificou que as alterações tinham de ser feitas com rigor e rebateu a hipótese de os ajustes serem combinados pelos membros da Comissão de Avaliação.
“Não podíamos alterar muito. Tínhamos de ser objectivos. Era difícil fazer as alterações”, referiu. O trabalho, continuou, merecia críticas por parte dos técnicos. Havia queixas mas Lok Wai Choi “nunca recebeu qualquer explicação”, até porque “o chefe não tem de se justificar”.
Apesar de nas declarações prestadas ao Ministério Público em Maio do ano passado, ter dito que recebeu ordens para adjudicar a Chon Tit para as obras no Auto-Silo do Cotai, a testemunha não conseguiu ontem precisar datas. Confirmou, no entanto, ter recebido dois projectos da empresa para a mesma empreitada e que ganhou “a proposta mais cara”. Lok Wai Choi esclareceu que o projecto vencedor ocupava uma área maior de terreno e tinha mais parques de estacionamento. E admitiu ter recebido, já quando as obras da primeira proposta estavam em curso, uma carta da companhia a sugerir um novo projecto. O pedido, acrescentou, foi aceite e tido como uma obra de acréscimo - decisão que passava por Ao Man Long.
Lok Wai Choi afirmou ainda que a avaliação do concurso para o parque de estacionamento do Cotai era distinta por importar conceitos como “concepção”. Tornou a insistir na “área lógica” para alteração dos pontos e rematou: “Se cada um alterasse à sua maneira, não seria justificável, era fácil de detectar e ficaria ‘feio’”.
O chefe de divisão garantiu ainda que nunca disse aos funcionários para não fazerem a vistoria das obras, embora lhes tenha revelado que havia uma empresa de consultadoria para a fiscalização –e entrou em choque com os anteriores testemunhos. “Talvez tenham entendido mal as minhas instruções. Eu nunca disse que eles não tinham que ir aos estaleiros e que só tinham de assinar”, reforçou. Lok Wai Choi destacou que não teve qualquer intervenção nos projectos Macau Dome e Pavilhão do Instituto Politécnico, apesar de outros testemunhos terem indicado o contrário.

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