Alguns dos detidos por suspeita de associação criminosa têm menos de 16 anos
Menores entre suspeitos
Entre os nove jovens que começaram ontem a ser ouvidos no Ministério Público por suspeita de pertenceram a uma seita encontram-se menores: parte do processo foi já entregue ao TJB, segundo apurou o PONTO FINAL. A PJ continua com as investigações para localizar ainda cerca de 10 membros da tríade que diz ser “muito activa em Macau”
Sónia Nunes
Menores entre suspeitos
Entre os nove jovens que começaram ontem a ser ouvidos no Ministério Público por suspeita de pertenceram a uma seita encontram-se menores: parte do processo foi já entregue ao TJB, segundo apurou o PONTO FINAL. A PJ continua com as investigações para localizar ainda cerca de 10 membros da tríade que diz ser “muito activa em Macau”
Sónia Nunes
Há menores no grupo de nove jovens detidos pela Polícia Judiciária por suspeitas de associação criminosa, de acordo com fonte do Ministério Público. O órgão de investigação criminal começou ontem às 11h00 o inquérito aos suspeitos que, segundo os dados avançados pela polícia, teriam todos mais de 16 anos. Porém, parte do caso já terá sido entregue ao Tribunal Judicial de Base, ao abrigo do Regime Tutelar Educativo Especial dos Jovens Infractores.
“Não tomámos nenhuma decisão relativamente aos menores. O caso não foi arquivado nem houve acusação. Foi extraída uma certidão e remetida para o tribunal”, informou um funcionário do Ministério Público. Não foi porém dito quantos dos suspeitos estão nesta situação, nem revelada a idade dos menores. Os que não tenham ainda atingido a idade para a responsabilidade criminal (16 anos) serão presentes a um juiz do TJB que, na jurisdição do regime tutelar para os jovens infractores pode “solicitar à entidades públicas ou privadas [como Instituto de Acção Social], aos pais, ao tutor ou por quem tenha a guarda de facto, os esclarecimentos que careça”. O Ministério Público será também ouvido pelo magistrado antes que seja tomada qualquer decisão.
Até a meio da tarde de ontem, os suspeitos maiores de 16 anos estavam ainda a ser inquiridos pelo Ministério Público. “Os imputáveis encontram-se aqui em diligências. Não há nada a adiantar; está em segredo de justiça”, referiu o mesmo funcionário.
A alegada tríade de jovens foi desmantelada pela PJ na tarde de terça feira numa operação que terá apanhado os nove jovens em flagrante delito. “Surpreendemos o grupo nas proximidades das ruínas de S. Paulo que estava a agredir um aluno de uma escola da zona”, revelou fonte da polícia. O primeiro rumo das investigações indica que se trata de uma associação criminosa, liderada por um jovem de 17 anos (já detido) e em que, pelo menos, seis dos membros sinalizados pela PJ serão estudantes de escolas secundárias de Macau. O grupo agredia alunos e exercia pressões para que as vítimas integrassem a seita. A protecção, como é tradição nas sociedades secretas em Macau, era exercida em troca do pagamento de pouco mais de três patacas ao cabecilha da tríade.
Investigação começou há 4 meses
“Nós estamos atentos a entes grupo há cerca de quatro meses. Posso dizer que é uma seita muito activa em Macau, tem 20 e tal elementos, e está relacionada com pelo menos dez casos de agressão em zonas próximas de escolas secundárias”, revelou a mesma fonte da PJ. A investigação terá arrancado com as queixas que alguns alunos reportaram às instituições de ensino. “Disseram que havia um grupo que ameaçava e coagia os alunos de forma sistemática e os pressionava para integrar a seita”.
Estimava-se que entre oito a dez membros da associação criminosa estejam ainda em parte incerta. Alguns terão menos de 16 anos. “Há ainda intervenientes a monte. Ainda estamos a fazer a localização também de menores”, avançou a fonte. Segundo a PJ os membros mais próximos do líder da tríade rondarão os 16 anos, sendo que os menores deverão ter 15.
As suspeitas da polícia enquadram o grupo no quadro da criminalidade organizada. Segundo a lei, considera-se “sociedade secreta toda a organização constituída para obter vantagens ou benefícios ilícitos”, através da prática de crimes como ofensas à integridade física ou “ameaças, coação e extorsão a pretexto de protecção”.
Angariação de membros
com ameaças e extorsão
com ameaças e extorsão
“Acreditamos que a intenção deste grupo era mais exercer pressão, represálias para a vítima integrar um grupo e pagar para ter protecção. É uma tradição: pagar ao chefe, é um tipo de Lai si”, esclareceu a mesma fonte. Os crimes, continua, seriam cometidos contra estudantes comuns, sem ligação ao mundo do crime. “Não é um confronto entre gangs. Nada disso”, ressalvou.
A Polícia Judiciária tem um núcleo de acompanhamento de menores que “mantém um bom contacto com as escolas. Quando há indícios de crime ou problemas entre os alunos, a escola comunica connosco. Depois, mandamos os dados da investigação à DSEJ [Direcção dos Serviços de Educação]”, destacou a fonte. O departamento da polícia organiza ainda palestras e seminários sobre segurança na escola e prevenção da prática criminosa.
No ano passado, foram registados 178 casos de delinquência juvenil, em que 328 dos envolvidos eram menores. Os números representam uma subida de 22,8 por cento em relação a 2006. Também os casos entregues ao Ministério Público subiram: foram detidos e enviados ao órgão 3617 suspeitos por infracções criminais, mais 106 casos dos que os ocorridos há dois anos. “Nos últimos anos, uma das grandes preocupações tem sido a delinquência juvenil. A polícia dá grande atenção a este trabalho”, concluiu a fonte.
CAIXA
Paul Pun alertou o Governo há meio ano
Complexo de herói
Paul Pun alertou o Governo há meio ano
Complexo de herói
O aumento da criminalidade juvenil organizada é reflexo da ausência de referência social, de pertença ao lugar. Á falta de melhor modelo, os jovens projectam-se nos (anti)-heróis do cinema ou nos gangsters que fizeram história em Macau. Para no fim poderem dizer: faço parte duma sociedade. A análise é feita pelo presidente da Caritas Macau e director da Escola S. João de Brito, Paul Pun.
“São jovens que se tentam projectar como pessoas poderosas. Tentam dominar, controlar os que estão à sua volta. Têm como motivação a formação de uma sociedade, através da qual encontram uma estrutura dá forma a um estilo de vida”, observa Paul Pun. O representante da Caritas entende que a juventude de hoje se acha fora da sociedade estabelecida. Não sentem que fazem parte de uma família, ou de uma escola, e perderam a auto-estima. “Sentem que não são importantes. Não têm sentimento de pertença, tem de criar um. A maioria dos estudantes quando cresce deixa de receber o encorajamento ou a apreciação do adulto”, nota. A figura paterna ou modelar é assim substituída, pelo “irmão mais velho”, o líder do grupo.
“No cinema aprendem como as pessoas são veneradas como heróis. São figuras que são respeitadas e podem decidir sobre a vida ou morte dos outros. É um tipo de missão que se chama poder. O líder conduz os outros e usa-os para angariar mais súbditos e formar uma sociedade”, destaca. Paul Pun refere ainda que o grupo que é constituído ocupa, por norma, a mesma faixa etária, têm as mesmas referências culturais ou um passado semelhante. “Podem ser crianças de famílias problemáticas, que tenham sido abusadas pelos pais. Este padrão comum faz com que se aproximem com facilidade, muito mais do que a outras pessoas”, acrescenta.
Paul Pun reconhece que os sintomas que descreve são comuns a todo o mundo. Porém, Macau continua único: “Esta cidade é uma aldeia, a mobilização de gangsters é muito mais rápida.
As tríades são populares. Os jovens usam os velhos métodos. Dão dinheiro e pensam que já fazem parte duma tríade à moda antiga. Usam os mesmos símbolos, a mesma roupa; sentem que estão juntos e são únicos. São como irmãos e irmãs que se ajudam uns aos outros. Esta é tradição de Macau”, destaca. Porém, a formação de associações criminosas será passageira e a prioridade do jovem, defende, é encontrar um líder. “Eles são super, mas não são supremos. Têm de identificar o irmão mais velho. Para eles, o mais importante é reclamarem que são membros de uma seita”, conclui.
Paul Pun reuniu-se com o Executivo há cerca de meio ano onde denunciou a entrada de tríadas nas escolas secundaras. Ficou prometido mais diálogo com as instituições escolares e família. A escola que dirige, a S. João de Brito, com cerca de 800 alunos, não têm casos do género. Mas é urgente a criação de uma rede de trabalho para a juventude que ajude os conselheiros escolares.
“Na minha escola, tentámos ajudar os alunos mas se há saída, estiver um grupo de 20 estudantes à espera do aluno, o que é que esse conselheiro pode fazer?”, lamenta o director. Paul Pun revela que quando há suspeitas de pressões exteriores anotam, por exemplo, matrículas dos carros e comunicam com a PJ. “Temos que definir uma estratégia comum. É importante que escola deixe de pensar só em manter a face, enquanto perde a alma dos alunos”, remata.
CAIXA
DSEJ traduz entrevista dada ao Ou Mun
DSEJ traduz entrevista dada ao Ou Mun
O PONTO FINAL tentou entrar em contacto com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), através de vários departamentos, para obter um comentário sobre o caso da alegada associação criminosa que se suspeita ter praticado crimes junto as escolas e em que cerca de seis membros serão estudantes em Macau. Era intenção do jornal também saber como é feita a troca de informações entre as instituições de ensino, a Polícia Judiciária e a DSEJ. O pedido acabou por ser encaminhado para o gabinete de Relações Públicas que se limitou à tradução de uma entrevista dada pela directora do Centro de Apoio ao Ensino Especial (CAPE) ao jornal Ou Mun. Trata-se, porém, duma reacção ao caso de agressão entre alunas que foi tornado público, na semana passada. Como disse o funcionário: “Estamos a falar no geral”. “A DSEJ acompanha todos os problemas dos alunos e vai reunir-se para analisar o caso e estudar medidas preventivas para evitar a repetição desses casos e dar os serviços de aconselhamento adequados aos respectivos alunos”, leu.