19.3.08

Ana Cristina Alves apresentou ontem livro sobre condição feminina na China
A Mulher e os (maus) Princípios

O livro “A Mulher na China” de Ana Cristina Alves mostra como princípios filosóficos milenares que alicerçam a cultura Chinesa determinaram a submissão da mulher ao poder masculino, resignada à ignorância e ao silêncio. O comunismo aboliu estes valores, mas a revolução cultural nesta área está longe de terminar

Nuno Mendonça

No século III a.C., o filósofo confuciano Xunzi determinou o papel da mulher dentro do casal: “O que torna uma pessoa uma mulher? Respondo: se o marido possuir princípios rituais, submissamente o seguir e docilmente o servir. Mas se ele não os tiver, então deve temer e recear pela sua própria sorte.”
Além da obediência, o filósofo nega à mulher qualquer outra capacidade, incluindo a inteligência e a individualidade. A mulher tem direito a uma existência ordenada porque o homem assim determina. Risível, se não fosse tragicamente assumido durante séculos, e não somente nas altas esferas imperiais.
Os ditados que Ana Cristina Alves cita nesta sua tese de doutoramento agora transformada em livro, mostram que a cultura popular fez da filosofia prática de vida, em latitudes e culturas totalmente díspares. Se na China se diz, “mulher sem talento tem virtude”, em Portugal o paralelo manda – “guarda-te da mula que diz sim e da mulher que fala latim”. E se em Portugal, “ a mulher e o peixe no mar, são difíceis de agarrar”, na China “o pensamento de uma mulher é como uma agulha no fundo do mar”.
A leitura é simples; homens do mundo uni-vos porque a mulher é um ser selvagem a domar, misterioso e por isso perigoso. Daí ao estabelecimento de uma moral social e estatal na China foi um passo, a ponto de se aconselhar o estado chinês a comportar-se como uma mulher: imóvel, discreta e submissa.
E é aqui que a autora do livro lança o repto; não será altura de substituir os princípios femininos na China?
O desafio não foi pacífico na apresentação do livro feito em parte pela própria autora na Livraria Portuguesa, num debate organizado pelo IPOR.
Falar de princípios femininos e masculinos em 2008 é para muitos um conceito datado que tende a perpetuar a ideia de poder masculino que filosofia e religião ajudaram a consolidar ao longo de séculos, na China e no mundo.
Afinal a mulher chinesa hoje em dia pode divorciar-se num dia e em Portugal em minutos e via internet.
Como salienta Ana Cristina Alves, a revolução comunista em 1949 trouxe à China uma nova máxima, desta vez de Mao Zedong: “A mulher pode ocupar metade do céu”.
A luta por uma sociedade sem classes nos tempos vermelhos do comunismo chinês, não correspondeu ainda assim à abolição total de velhas tradições como o casamento. Ao oficial imperial, seguiu-se o chefe de célula a determinar por vezes quem casava com quem para facilitar a produção económica e a procriação ordenada. O divórcio era autorizado por lei, mas relativamente escasso.
Com Deng Xiaoping nos finais de 70, veio o reformismo e com ele uma tolerância crescente.
Para a autora, a mulher chinesa de hoje evoluiu negando os princípios do passado, divorciando-se, cultivando-se, afirmando-se publicamente, tornando-se mais independente no seio de um poder politico onde ainda assim a sua representação é confrangedora.
Apesar de tudo isto, não é uma filosofia igualitária que Ana Cristina Alves defende.
Complementaridade é o conceito que a autora propõe, retomando os conceitos religiosos chineses de yin (força feminina) e yang (força masculina), de que a filosofia taoista tanto fala. Talvez por isso o taoismo, convenientemente esquecido na China imperial, possa agora renascer mais actual que nunca.
Na obra taoista Liezi, a ideia de paraíso concebe um paraíso terrestre e celestial onde mulher e homem são companheiros, esquecidos de poder e andando de mãos dadas. É Amor, mais simplesmente, esclarece Ana Cristina Alves.

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