Antigo-secretário adjunto para a Segurança até 1996
O dicionário de Lages Ribeiro
O antigo secretário-adjunto para a Segurança tem feito traduções e revisões de vários livros sobre política e estratégia, mas agora escreveu o seu próprio livro. Uma espécie de dicionário com milhares de citações. Uma obra que não está acabada, promete
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
O dicionário de Lages Ribeiro
O antigo secretário-adjunto para a Segurança tem feito traduções e revisões de vários livros sobre política e estratégia, mas agora escreveu o seu próprio livro. Uma espécie de dicionário com milhares de citações. Uma obra que não está acabada, promete
João Paulo Meneses
putaoya@hotmail.com
O que fazem os militares quando se reformam? Poderão fazer as coisas mais diversas, mas escrever livros não é o mais comum, muito mais livros como este, que na próxima semana será apresentado em Lisboa. Da autoria de Henrique Lages Ribeiro, é uma espécie de dicionário, ligado a tema políticos e estratégicos.
«Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico» é o nome do livro é uma obra enciclopédica, cheia de (milhares de) citações que o autor foi coleccionando e sistematizando ao longo dos últimos (dez? vinte?) anos. Sim, porque este é um trabalho de anos. Como conta na conversa com o PONTO FINAL e também na introdução da obra, «Desde sempre recorto jornais. Se os temas desta selecção foram variando ao longo da vida, a quase obsessão de não “perder” aquilo que tinha “achado” foi permanente».
Henrique Lages Ribeiro, espantar-se-ão os mais recentes em Macau?
Sim, Henrique Lages Ribeiro, agora general na reforma, foi secretário-adjunto para a Segurança até 1996, altura em que pediu a exoneração e foi substituído por Manuel Monge.
Mais três anos e Lages Ribeiro teria constado da lista dos últimos secretários-adjuntos que terminaram a administração portuguesa. Mas ao regressar a Portugal, o então brigadeiro não se limitou a passear e a descansar. A tradução e revisão científica de obras relacionadas com Estratégia e Relações Internacionais têm sido a sua paixão nesta década, que culmina agora com esta obra da sua autoria.
O nome de Lages Ribeiro aparece associado a diversos livros publicados nos últimos anos em Portugal, todos na área política e estratégica («O choque das civilizações e a mudança na ordem mundial», de Huntington, ou «A riqueza e a pobreza das nações», de Landes, ou ainda «O futuro da liberdade e a democracia liberal nos Estados Unidos e no Mundo», de Fareed Zakaria, seja como tradutor seja como revisor científico), mas «Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico» é certamente a conclusão de um sonho. Ainda que, reconheça o autor, «o trabalho (…) não foi fruto de um projecto ou de um objectivo cuja consecução agora se concretizou». Foi acontecendo e, por insistências externas, acabou por ganhar forma.
Fontes indirectas
De acordo com a editora, a Gradiva, do seu amigo e contemporâneo em Macau, Guilherme Valente (editora a que tem estado ligado nas tais funções de tradutor e revisor), este livro “não é um dicionário tradicional de citações e termos: trata-se, não de um conjunto de frases «lapidares, cáusticas, cruéis ou elogiosas», mas de uma selecção de citações recolhidas na sua maioria na imprensa diária e semanal (nacional e estrangeira) e cuja função é esclarecer o significado e o âmbito dos termos ou expressões em análise».
E está aqui, de acordo com a leitura que o PONTO FINAL já fez da obra, a principal falha da obra; se é verdade que Lages Ribeiro conseguiu manter a obra – que corria o risco de se tornar densa – acessível, a verdade é que as fontes são indirectas, são sobretudo excertos de artigos de jornais, que falam de outros autores.
A primeira citação, a título introdutório, é disso um exemplo simbólico: o autor não cita McLuhan, mas o jornalista que o citou: «(…) Qualquer dicionário é uma cadeia de clichés, que são outras tantas figuras extraídas dessa base que é a linguagem. As palavras e as frases de dicionários, e em especial os extractos dos ‘dicionários de citações’, são literalmente absurdos, ou seja, desenraizados.” Marshall Mc Luhan, cit. in Francisco Bélard, Ideias Feitas e Clichés, Exp. Rev., 22DEZ2001». Ora a citação indirecta tem, em abstracto, o risco de falta de rigor.
Lages Ribeiro é claro quando salienta que não se trata de uma obra de investigação, mas «de pura recolha», e explica que «Como princípio, tomei sempre como bom tudo o que foi afirmado pelos autores a quem furtei passagens do seu texto, inclusive citações em “2ª mão”, ou seja, as que não foram por mim colhidas directamente da obra original». E diz, neste texto, algo que fica sem explicação: «Lendo o que se segue compreender-se-á melhor que não foi por acaso que o título escolhido para o livro tenha sido “Contributos para um Dicionário…”». Ainda assim, o título para a posteridade e que aparece na capa é mesmo «Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico». “Contributos” aparece em subtítulo.
No resto, há milhares de citações, quase sempre da imprensa, umas naturalmente mais felizes do que outras. De acordo com a bibliografia apresentada, são apenas 30 livros referenciados ou consultados, o que demonstra o peso da imprensa periódica (de Macau e de Portugal).
Mas o que impressiona mesmo é o trabalho gigantesco, arrumado por temas – e o fundamental índice remissivo final ocupa diversas páginas. Como o autor conta, são cerca de três milhões de caracteres…
Pouco Macau,
mas muito Macau
mas muito Macau
Sendo um «Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico», é normal que Macau não tenha preponderância – apenas duas referências no índice e nenhuma delas ligada directamente à realidade local: uma sobre os «boat people» (refugiados do Vietname ou Cambodja, que chegaram a Hong Kong e Macau) e outra sobre futebol, a propósito do estágio da selecção portuguesa (!).
Macau aparece mais vezes mas apenas como origem de alguns textos citados, seja em jornais locais seja em obras que foram editadas no tempo da administração portuguesa.
Ao contrário do que se poderia esperar não há nenhuma palavra, por exemplo, sobre a transição. Mas como explica na conversa nesta página, o âmbito do livro ultrapassava em muito a realidade local. «São sobretudo expressões, mais do que factos». Continua a acompanhar, por aquilo que vai sabendo e conversando, mas já não lê a imprensa local com tanta regularidade, confessa.
E na verdade Macau é uma referência marcante na vida do autor.
Aqui esteve quatro vezes diferentes ao longo da sua longa vida, a primeira no distante ano de 1963. Voltaria em 1966, para ser o comandante da PSP (era então capitão do Exército), apanhou o 25 de Abril em Macau e voltou no início da década de 90, como secretário-adjunto para a Segurança, missão que quer terminou em Setembro de 1996 (tendo sido diversas vezes encarregado do governo nas ausências de Rocha Vieira).
A última vez que esteve em Macau foi para a transição, em 1999, embora pelo meio tenha ajudado a montar a representação de Macau na Expo98.
Além destas funções, e de acordo com a informação divulgada pela editora, estudou no Army Staff College, em Camberley, Reino Unido – onde lhe foi atribuído o Commandant’s Prize, pela melhor tese de Estratégia apresentada por alunos estrangeiros – e no NATO Defense College, em Roma. Cumpriu 7 comissões militares e civis no Ultramar em Timor, Moçambique, Angola e Macau. Foi professor de Estratégia, do Curso Superior de Comando e Direcção, no Instituto de Altos Estudos Militares, e Subdirector do Instituto de Defesa Nacional. Desempenhou, ainda, as funções de Vice-Presidente do Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, Subdirector-Geral de Política de Defesa Nacional, do Ministério da Defesa.
Lages Ribeiro fornece aos leitores do seu Dicionário um email para troca de opiniões: dicitacoes@gmail.com.
Henrique Lages Ribeiro, Dicionário de Termos e Citações de Interesse Político e Estratégico, Gradiva, «Fora de Colecção», 420 pp., € 19,00, ISBN: 978-989-616-230-6
CAIXA
À conversa, antes do concerto
À conversa, antes do concerto
Realiza-se esta semana o lançamento do livro do general Lages Ribeiro, ocasião que o próprio espera seja de confraternização com velhos e actuais amigos, mas também um momento para se falar das temáticas presentes no livro, a política e a estratégia internacionais. O antigo jornalista Mário Mesquita e o seu amigo general Loureiro dos Santos farão a apresentação que decorre no «sítio certo», como fez questão de referir ao PONTO FINAL: o Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa.
Em conversa telefónica com o jornal, Lages Ribeiro revela que este «trabalho pessoal não está terminado, nem nunca, provavelmente, estará terminado». Daí a insistência nos «Contributos». E conta que já o livro estava na gráfica e ainda mandava mais textos, até que da impressora veio a ordem para parar. Agora continua no computador, revela.
Sobre a obra, e face a muitas outras que existem nesta área, o autor destaca as notas, que geralmente não existem, e que «servem para explicar o contexto»; também o índice remissivo, «essencial para se entrar no que se quer».
«Não são citações, daquelas que ficam para a eternidade, até porque essas obras já existem, mas citações que, pela sua qualidade, nos ajudam a compreender determinado termo ou até a explorar uma possível contradição», explica.
Lages Ribeiro contou também que se é verdade que sempre fez recortes, que sempre leu os jornais de forma diferente, «como um garimpeiro», os seus interesses foram variando ao longo dos anos e das próprias décadas. Daí que não se possa falar propriamente num projecto definido. Este só começou a ganhar forma nos últimos anos, por insistências que foi recebendo.
Nesta conversa com o PONTO FINAL, Lages Ribeiro conta que conheceu o seu editor Guilherme Valente em Macau, era ele alferes-miliciano, amizade que ficou. Quando era secretário-adjunto para a Segurança Lages Ribeiro leu um livro de Kissinger que recomendou ao editor da Gradiva para edição portuguesa. A partir daí, e do trabalho de revisão que fez, a ligação começou a ser também ‘profissional’, com traduções e revisões, que agora já não faz com tanta regularidade, porque são cansativas.
Lages Ribeiro, que se mantém ocupado e tem, genericamente, tido boa saúde, estava de saída para assistir a um concerto na Fundação Gulbenkian, quando o PONTO FINAL falou com ele.