26.3.08

CCAC associa registos telefónicos ao alegado esquema de corrupção montado por Ao Man Long
Telefonemas "suspeitos"

Houve chamadas intercaladas entre Ao Man Long, o irmão e dois empresários arrolados no processo que corre no TJB que antecederam os encontros privados do ex-secretário. Também Jaime Carion e Castanheira Lourenço atenderam dois telefonemas de Ao quando, alegadamente, o ex-secretário estaria a jantar com Ho Meng Fai. Assim desmontou os registos da CTM um investigador do CCAC

Sónia Nunes

Os power-points do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) sobre a investigação do caso Ao Man Long começaram ontem a ser exibidos no Tribunal Judicial de Base. Foi apresentada uma exaustiva lista de registos telefónicos feitos em três anos. Tratam-se de chamadas intercaladas entre o ex-secretário, o irmão, Ho Meng Fai, Chan Tong Sang, Jaime Carion e Castanheira Lourenço que, cruzadas com as notas do Caderno da Amizade, antecedem ou coincidem com os encontros particulares entre o antigo governante e os empresários.
A rede de contactos, analisou o chefe de investigação do CCAC, Lei Tong Leong, sustenta o alegado esquema de corrupção. Porém, criticou a defesa, o raciocínio apoia-se numa interpretação de dados. A testemunha reconhece que fez uma “análise comparativa” e que não se sabe o conteúdo das conversas. Mas, destacou, o método “pelo menos, prova que eles tinham contacto e se conheciam uns aos outros”.
Quando testemunhou no TJB, o antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), Castanheira Lourenço, afirmou que nunca recebeu instruções de Ao Man Long e assegurou que só teve uma conversa telefónica com o ex-secretário. Contudo, os registos da Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) dão conta de uma chamada feita por Castanheira Lourenço a Ao Man Long, em 2005. No mesmo ano, o empresário da Chon Tit, Chan Tong Sang (arguido no processo) telefonou ao antigo governante que, pouco tempo depois, fez uma chamada para o ex-coordenador do GDI. Nestes dois casos, a testemunha não associou (pelo menos em tribunal) os telefonemas com a agenda de Ao. Porém, ilustrou a tese do alegado sistema de telefonemas com seis jantares que o ex-governante terá tido com o empresário Ho Meng Fai e que anotou na agenda.
Em três dos dias em que Ao marcou encontro com o arguido, telefonou - pouco tempo depois ou à noite - a Castanheira Lourenço. Noutros dois, entrou em contacto com o director da Direcção dos Serviços de Obras Públicas e Transportes (DSSOPT): há registos de uma chamada feita para Jaime Carion às 23h45 de uma sexta-feira. Também na mesma data em que o ex-secretário acertou um encontro com o empresário da San Meng Fai em Zhuhai, Carion recebeu dois telefonemas de Ao.
Já no último encontro com Ho Meng Fai, que terá ocorrido nos últimos meses de 2006, o ex- governante telefonou aos dois. O registo das quatro chamadas – duas para Carion e duas para Castanheira Lourenço – coincide com o suposto jantar entre Ao e o arguido e foi feito no espaço de uma hora, entre as 18h00 e as 19h00.

Testemunha avança para
envolvimento dos familiares


Segundo o investigador do CCAC (e os registos da CTM) também o irmão do ex-governante, Ao Man Fu, estabeleceu contactos e recebeu chamadas de Ho Meng Fai e Chan Tong Sang – o arguido tinha dito que não conhecia os empresários envolvidos no processo. A relação telefónica mais frequente seria, no entanto, feita com o sócio já falecido da Ecoline – a amizade entre o irmão de Ao e Lee Se Cheong tem sido referida durante a audiência – e incidia, por norma, no dia anterior aos encontros que o ex-secretário terá marcado com Ho Men Fai.
“Eram chamadas com pouco intervalo de tempo e intercaladas entre Lee Se Cheung, Ao Man Fu e Ao Man Long. São telefonemas ocorridos antes do encontro com Ho Meng Fai”, resumiu a testemunha. Por exemplo, referiu Leong, no dia anterior à ida para Zhuhai, Ao Man Fu falou por telefone com Cheung, entrou, pouco tempo depois, em contacto com o irmão que, por sua vez, contactou Ho Meng Fai. Segundo o agente, o irmão de Ao Man Long também se deslocou, na mesma data, até à região vizinha.
O rol das chamadas dá ainda conta de telefonemas entre Ao o irmão e a cunhada que batem com as datas de abertura de contas em Hong Kong e na Inglaterra e com transferências bancárias, realçou o inspector. Foi também referida uma chamada feita por Lee Se Cheung a Ao Chan Wa Choi, em 2005 e que foi repescada pela defesa. “Que telefonema é este de 0,2 segundos?”, lançou David Gomes. “Só posso provar que houve contacto; o conteúdo não sei”, referiu a testemunha. “Não pode haver conteúdo”, ripostou o causídico.
Lei Tong Leong fez uso ainda da coincidência do registo de passagem pela fronteira e o processo de abertura de contas em Hong Kong como prova de que Camila Chan, Ao Chan Va Choi, Ao Man Fu e Ao Veng Kong estiveram no banco e chegaram a depositar dinheiro. Também aqui, David Gomes não aceitou o raciocínio e colocou o testemunho no “universo das probabilidades”.
“Só posso dizer que foram na mesma altura e voltaram na mesma altura. Para depositar dinheiro tinha que ir lá alguém. É uma lógica directa: se eu tenho uma conta em meu nome, é lógico que fui eu a depositar”, contrapôs Leong. A testemunha reiterou que há documentos que foram assinados por Camila Chan e que a colocam como sócia única da TrandFree. “Para assinar tinha que ir ao banco e os funcionários tinham que confirmar os dados pessoais. Ela podia mexer nas contas”, afirmou a testemunha. Ao contrário do que tem vindo a ser sugerido pela defesa, Camila Chan, apesar de estar a viver em Inglaterra, vinha a Macau pelo menos duas vezes por ano (no Natal e no Verão), onde permanecia por cerca de um mês, revelou Leong.
Ao Chan Wai Choi – que, uma vez mais, pediu para fazer uso da palavra, mas desta vez o colectivo não cedeu – tinha declarado que assinou documentos em branco. Também uma funcionária de um banco de Hong Kong referiu que a arguida não esteve presente quando a segunda conta em nome da CityGrand (empresa em que era a única sócia) foi aberta. Os depoimentos foram invocados por David Gomes mas a testemunha foi curta no contraditório: “Só posso afirmar que foi ela que os assinou”. Contudo, Leong concluiu que os familiares do ex-secretário, “não iam muitas vezes a Hong Kong depois de abrirem contas e conferirem poderes a Ao Man Long”.
Também o advogado de Chan Tong San tentou diminuir a força do testemunho ao referir que o investigador tinha tido participação indirecta no caso. Mais: algumas das 34 chamadas que acusação entende que terão ocorrido entre Ao Man Long e o empresário, aparecem no registo da CTM com o nome da empresa Chon Tit. “Não consigo ver outra pessoa que pudesse ter feito o contacto. É o meu entendimento e acredito que seja assim”, declarou a testemunha.

CAIXA
Nolasco não entrou na lista telefónica

De acordo com os registos de chamadas da CTM apresentados ontem por um inspector do CCAC, entre 2003 e 2006, Ao Man Long e Frederico Nolasco da Silva nunca falaram ao telemóvel. Porém, a testemunha referiu que não há informações sobre as chamadas feitas pela rede fixa e recordou os 20 encontros que o ex-secretário teve com o empresário e arguido no processo.
Leong afirmou que se apoiava nos Cadernos da Amizade para indicar o número de vezes que o ex-secretário se encontrava com os empresários e para associar a frequência das “reuniões” com as transferências de dinheiro, tidas pela acusação como subornos. O advogado do arguido perguntou por outras diligências de prova (além das notas pessoais de Ao) e a testemunha avançou que outro agente contactou os restaurantes para provar os almoços particulares. Contudo, referiu, nem todos os estabelecimentos apresentaram dados sobre a reserva das mesas.

CAIXA
Investigador destaca autonomia do octogenário
Ao Veng Kong “recusou-se” a colaborar com CCAC

Durante o inquérito no CCAC, dois dias antes da detenção de Ao Man Long (6 de Dezembro de 2006), Ao Veng Kong terá sido informado em como havia suspeitas que algumas das contas em que era titular estariam a ser usadas para lavagem de dinheiro. Foi-lhe pedido, segundo o testemunho ouvido ontem, que passasse uma procuração aos investigadores para acelerar o processo de obtenção de provas. O arguido respondeu que primeiro teria que falar com o filho. A postura deu “a impressão que ele estava com medo e tinha conhecimento das movimentações das contas”, analisou Lei Tong Leong.
“Tive contacto com Ao Veng Kong e disse-lhe que havia suspeitas de que alguém usava as contas para branqueamento de capitais. Pedimos que nos passasse procuração e ele recusou-se”, afirmou o investigador. O arguido terá ainda sido “aconselhado” a colaborar com o CCAC por forma “a descobrir a verdade e eliminar suspeitas”. Porém, o octogenário terá dito que precisaria primeiro de falar com Ao Man Long.
Ao Veng Kong esteve a ser vigiado pelos investigadores e, de acordo com Leong, era autónomo. “Tinha uma vida regrada. Depois de fazer a ginástica matinal, conduzia o seu BMW ou o Mini Cooper, circulava a uma velocidade bastante alta e estacionava na alfaiataria”, descreveu. O arguido, diagnosticado com cancro terminal, também “tratava das suas finanças, ia ao banco e via os juros” e “fazia as deslocações sozinho”.
O retrato foi posto em causa pelo advogado David Gomes que usou a ironia como contraponto: “Parece que está a falar de um atleta de alta competição que vai aos Jogos Olímpicos com 80 anos”. O comentário rematou a linha de perguntas da defesa da arguida Camila Chan que procurou saber como é que o investigador podia provar que os familiares de Ao Man Long aderiram ao alegado esquema de branqueamento de capitais, através do cruzamento do registo de chamadas telefónicas, entradas e saídas de Macau e aberturas de contas. “É uma lógica directa”, afirmou Leong.

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