24.3.08

CCM premeia cinco jovens realizadores em maratona cinematográfica
Novo cinema instantâneo

Na sexta-feira santa, o Centro Cultural de Macau lançou um desafio e uma palavra para o ar. Propôs uma corrida de 48 horas para produzir um filme sobre o conceito “Play”. Na tarde de ontem foram entregues e projectadas 24 curtas-metragens. O júri nomeou cinco vencedores e destacou a qualidade das obras

Sónia Nunes

Há vantagens em estar num meio pequeno. A timidez da indústria cinematográfica local convive bem com a iniciativa dos amadores e dá ânimo à criatividade dos principiantes. À nova geração de realizadores que tem ideias, domina a tecnologia e é capaz de lançar um filme sem um grande aparelho de produção por trás. E dois dias depois vê a obra projectada e dá uma entrevista porque saiu vencedor numa competição de cinema. Foi o caso de António Faria, um dos cinco premiados na maratona “48 horas a abrir – desafio vídeo”, um evento que terminou ontem e abre as portas ao Festival de Cinema do Centro Cultural de Macau.
António Faria tem 26 anos e chegou a Macau há um mês e meio. Conta com quatro anos em corridas de dois dias para fazer um filme – o evento é uma estreia do CCM mas é já feito em Portugal – e um prémio que recebeu em 2006.
Na passada sexta-feira, o CCM lançou uma palavra às 75 pessoas que se inscreveram na maratona de cinema: disse “play”. Foi apresentada a única linha condutora para os concorrentes criarem uma curta-metragem de cinco minutos a ser projectada e avaliada por um júri 48 horas depois.
É o primeiro evento do género em Macau, mas António Faria já conhece as regras do desafio. Além do mais, trabalha numa empresa de vídeo e design e licenciou-se em publicidade e marketing. O curriculum permite-lhe assim ter “uma visão mais reduzida e objectiva para pensar uma imagem. Ter uma sinopse para um filme num curto espaço de tempo”. Da publicidade para o cinema, para o mundo do audiovisual, o realizador “não perde o foco, nem o objectivo, que é, no fundo, enviar uma mensagem”, sublinha António Faria.
No último fim-de-semana, o realizador só teve que pôr a lente da câmara a olhar para outra cidade. Porém, a procura de imagens começou antes: “Na primeira semana [na RAEM], andei perdido e sozinho. Andei a passear, a absorver alguns décors, para usar em filmes. A imagem do túnel, por exemplo, já estava programada na minha cabeça há algum tempo”, conta.
Também o conceito do filme, que ganhou o nome “Turn Off”, já lhe percorria a mente há dias. A curta pega no imaginário do filme de terror “Saw” e conta a história do rapto de uma rapariga. A personagem aparece com “um saco de plástico na cabeça, num túnel. Depois caminha sobre a cidade, atordoada, e começa a encontrar imagens projectadas num ecrã gigante. As imagens podem ser sobre o passado ou sobre o futuro. Deixo isso à vossa interpretação”, resume o realizador.
O pouco tempo de Macau pode ter sido uma ajuda para o poder de síntese, destaca assistente de realização, Adriana Gil, arquitecta paisagística: “conseguiu retirar com mais facilidade os cenários que lhe agradavam”. A par do túnel, havia outra parte de Macau que tinha, necessariamente, de ser transposta para o grande ecrã: “Tinha que pôr uma cadeira na Avenida da Praia Grande e ponto final. É uma imagem bonita”, destaca António Faria.
“Turn Off” resultou do trabalho em conjunto e das ideias de três pessoas: o realizador, Adriana Gil e a actriz. Fórmula que, destaca António Faria, é raro ser seguida pelos estúdios de cinema e traz vantagens à criação. A ponto de comentar assim o prémio que lhe foi atribuído: “É um reconhecimento do trabalho que fiz com estas duas [assistente e actriz] que ficaram comigo até às sete da manhã”, brinca.
Também na sexta-feira, Liliana Bouça, também arquitecta paisagística, recebeu um telefonema. “Apanhou-me na hora em que eu ainda estava a acordar. Eu disse-lhe: ‘Está bem’. Só ao longo do dia é que me fui apercebendo no que me tinha metido”, refere a actriz. O estatuto de personagem de cinema foi-lhe sendo revelado nas horas que se seguiram, quando os três andaram pela cidade à procura de adereços. “Ele dizia-me, vais ter que andar aqui; vais ter que te sentar aqui, mesmo com esta chuva”, conta.
A missão foi cumprida. Porém, há ainda um sonho maior: a produção de uma longa metragem. O projecto pode resultar do cúmulo das curtas metragens que António Faria já realizou. “Pode-se aprofundar cada uma das curtas e juntar todas as histórias numa só história. É uma ideia agora, se calhar logo já não é”, hesita. O conceito pode ser alterado mas fica o objectivo. “É preciso uma equipa, dinheiro e ideia. Não há mais nada. É preciso conhecer com quem se trabalha, como numa equipa de futebol, e saber o passo que o outro vai dar”, entende.
A estadia em Macau está ao nível da passagem. António Faria gosta da terra, só não sabe por quanto tempo vai ficar. “O meu intuito é produzir cinema. Mas é complicado, não há muitos apoios. Ao nível de cinema não vi muita coisa. Estou a apalpar terreno. Esta iniciativa é boa, é excelente”, avança. Contudo, o território, descreve, tem ainda as características de cidade pequena. O que nem sempre é mau: “ Estou a dar uma entrevista, o que é isto?! Talvez por ser pequena, dê mais visibilidade aos trabalhos dos artistas locais”, remata.

Criatividade sob pressão

Rita Iao foi outro dos vencedores da maratona de cinema. Foi a segunda vez que participou numa competição de vídeo. O primeiro trabalho que submeteu à critica de um júri tinha 30 minutos, era um documentário e foi feito com calendário largo. Porém, a lei do tempo limite, as 48 horas, ensinou (obrigou) a realizadora a ser mais assertiva nas ideias e a ter mais confiança nas imagens a captar.
“É muito divertido fazer filmes em 48 horas, à pressa. Tive que fazer as coisas de forma mais rápida e pensar menos. Por norma, vou sempre alterando a ideia, o storyboard, o enquadramento da câmara. Mudo tudo. Aqui tive de me concentrar num objectivo e fazer tudo de rajada”, destaca Rita Iao. O processo, quando o tempo não é regra, leva-lhe, pelo menos, duas semanas até ser concluído.
O resultado final foi “Pleasurable Life! Always Young” (que também contou com a colaboração de Calvin Chiu Vai Ip), uma curta-metragem que transpôs a palavra-chave “play” para o quotidiano da terceira idade. Em jeito de comentário, os realizadores falaram com os idosos de Macau e tomaram nota de histórias de gente feliz. “Quisemos promover o que nos disseram, que apesar de serem idosos têm uma vida agradável e feliz”, revela a realizadora. Captaram as imagens dos parques verdes às sete da manhã, onde os idosos fazem exercício físico, praticam badmiton ou tai chi. Passaram também pelos espaços que homenageiam a ópera chinesa e os cinemas. O cenário, continua Rita Iao, foi acompanhado por uma batida sonora frenética, mais moderna. O contraste serviu para documentar que “os mais velhos, podem não ser saudáveis como um jovem, mas vivem uma vida que os faz feliz”, conclui.
A realizadora confessa-se ainda surpreendida com os trabalhos que viu ontem projectados. “São muito, muito melhores do que eu esperava. O que é muito surpreendente. Alguns, são muito melhores do que o meu. Não sei porque não foram eles os premiados. São mesmo bons”, avalia.
O CCM premiou ainda Wong Sio U e Chong Mei Si por “Paper Box in the City”, Ip Kok Man pela obra “Playing Single” e Ieonh Chon Man e Vong Ka Pou que apresentaram a curta “Realease”. Ficaram assim seleccionadas os cinco melhores trabalhos das 24 produções em concurso, entregues até ontem. Além do título, os vencedores receberam ainda duas mil patacas.
A escolha coube a um colectivo de seis júris: o realizador de Macau, James Jacinto, o responsável pela galeria de S. Paulo , James Chu, o curador Albert Chu, o presidente da Associação de Design de Macau, Dirco Fong, a directora da Creative Macau, Lúcia Lemos, e o antigo director de programação do Centro de Artes de Hong Kong, Jimmy Chu.


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Realizadores destacam qualidade das curtas
“Mandem os vossos trabalhos
para Hong Kong”


O realizador de Macau e membro do júri do CCM na maratona cinematográfica “48 horas a abrir – Desafio Vídeo”, James Jacinto, cumprimentou um dos vencedores da tarde, António Faria, com um sorriso e uma curta frase: “Dominaram muito bem a técnica em 48 horas, parabéns”. Para o produtor, mais de metade das 24 curtas em concurso tinham qualidade e no último fim de semana Macau conseguiu oferecer um “bom estímulo” para a sétima arte.
No espaço de dois dias, os jovens realizadores “conseguiram ter uma ideia, pôr mãos à obra e apresentar um trabalho final com boa qualidade. [Este tipo de eventos] dá mais oportunidade aos artistas locais e dá-lhes projecção ”, destacou James Jacinto. O realizador destaca ainda o trabalho de Rita Iao (“Pleasurable Life! Always Young”) e realça as ferramentas tecnológicas que estão agora ao alcance dos jovens realizadores e podem materializar as ideias. “Não podem ser comparadas com um trabalho profissional, que tem equipamentos bastante caros. Estas curtas têm pouca iluminação, por exemplo. Mas a criatividade é outra coisa”, observa. Ou seja: os concorrentes conseguiram produzir um filme de cinco minutos em 48 horas e sem orçamento.
Já o antigo director de programação do Centro de Artes de Hong Kong, Jimmy Chu, recupera a participação que teve nos festivais internacionais de cinema de Berlim e Taipe para fazer um elogio aos novos realizadores de Macau. “Não é costume eu dizer este tipo de coisas, sou muito crítico e já vi muitos filmes. Não posso dizer que conseguiriam competir num festival internacional de cinema, mas posso afirmar que podiam competir no festival de Hong Kong. Enviem os vossos trabalhos para Hong Kong”.
James Jacinto espera que o Executivo venha a promover mais o cinema em Macau e apela à participação dos artistas locais, para que “façam mais e com gosto”. Fica só feito um altera: “Tenham mais cuidado com tudo o que faz parte da produção de um filme. Tem de se ser mais apurado quando de diz que o último take foi bom”.

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