25.3.08

Lei da paridade: Coutinho altera lista para as eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas
Candidatura ganhou segundo sexo

A lei é recente e foi esquecida por Pereira Coutinho quando escolheu os seis candidatos para as eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas. Um terço da lista têm de ser ocupado por mulheres. A imposição divide a opinião pública. Ana Manhão, uma das novas caras, é a favor das quotas: a medida é “mais conveniente” do que esperar pela iniciativa feminina, justifica

Sónia Nunes

Houve uma alteração de última hora na lista de Pereira Coutinho para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), a única, até ao momento na corrida às eleições de 20 de Abril. Não foi cumprida a nova lei que obriga a que um terço dos candidatos seja preenchido por mulheres. A falha foi notada na passada semana. Ontem, passaram para primeiro plano Ana Manhão e Daniela Martins – nomes que não figuraram no plano inicial do deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) por não terem disponibilidade nas agendas profissionais e pessoais, assegura Coutinho.
“Atendo à exigência da lei, aprovada em Dezembro de 2007, que obriga a que um terço dos candidatos sejam de outro sexo, tivemos que meter uma senhora como conselheira efectiva e mais uma senhora como conselheira suplente”, explica Pereira Coutinho. Com a regras impostas pelo Governo de Lisboa, saiu da corrida ao CCP, Hélder Fernando (candidato a primeiro suplente) que foi substituído por Daniela Martins. Já Ana Manhão aceitou a pasta de terceira candidata efectiva, posto que tinha sido reservado para Fernando Gomes, elemento da lista que passa agora a primeiro suplente.
“Não houve imposição, tudo foi negociado da melhor forma e todos vamos continuar a trabalhar com o mesmo objectivo e mesmo os que foram substituídos vão agir como conselheiros efectivos”, avança o líder da candidatura. Pereira Coutinho garante que no processo de formação da lista “não foi feita discriminação entre mulheres e homens”. O primeiro projecto avançava com seis homens para os seis cargos em eleições por uma questão de “estratégia”: “Fizemos aquela lista que incluía apenas uma senhora como mandatária e uma outra como presidente da coordenação geral das eleições devido à disponibilidade das pessoas. Por razões pessoais entenderam que não podiam participar”, esclarece o deputado.
“Por obrigação legal, tivemos que, de alguma forma ‘forçar’ a entrada de Ana Manhão – que era já mandatária da lista e responsável pelo grupo de folclore da ATFPM – e da doutora Daniela Martins que está envolvida em muitas outras associações e é muito interventiva ao nível social. A mudança vai obrigar a uma melhor distribuição dos tempos pessoais”, reitera.

“Aceito esta imposição legal”

Ana Manhão confirma a tese da falta de tempo e de justaposição com a actividade profissional e vê na nomeação um voto de confiança dos candidatos masculinos. “Aceito esta imposição legal. Não sinto que fui, de modo algum, obrigada a participar. Explicaram-me a situação e pediram-me para ser conselheira porque confiam no meu trabalho”, destaca. O convite surgiu no tempo certo, uma vez que para o ano a candidata atinge a idade da reforma para a função pública e deixou de se impor “o medo de não ter disponibilidade” para representar Macau no CCP.
Ana Manhão faz parte do grupo de mulheres que defende a criação de quotas mínimas de participação feminina em cargos públicos e políticos. E entende que a prática de discriminação positiva é uma ferramenta útil para garantir a entrada de mulheres em postos de relevo. “Concordo, não é só uma questão de igualdade. [A criação de quotas] é um bom principio para chamar as mulheres à vida pública. Já há mulheres a trabalhar em altos cargos, mas esperar pela iniciativa espontânea não é tão conveniente assim. Somos sempre do sexo oposto, mas há mais oportunidades”, entende a candidata.
Já Pereira Coutinho assume não ter uma opinião definida sobre as imposições legais para a distribuição de sexos nas listas às eleições, mas, realça, respeita a política. A discriminação positiva “terá que ver com os baixos índices de participação de mulheres no CCP. Em oito anos, nunca tivemos uma mulher no Conselho Permanente, por exemplo”, avança.
Contudo, em Macau, distingue, o cenário é diferente. “As mulheres de Macau são muito participativas nas associações locais. Temos muitas mulheres à frente de associações e temos uma que não existe em mais parte nenhuma do mundo: a Associação das Senhoras de Macau”, exemplifica. O deputado destaca ainda que há uma Associação das Funcionárias Públicas, só para trabalhadoras, e que a ATPFM é também conduzida por mulheres. Rita Santos é presidente da Assembleia Geral (e mandatária na lista de Coutinho ao CCP) e Madalena Leong é presidente do Conselho Fiscal.
A lei aprovada em Dezembro em Portugal, entende, deve ser enquadrada ao nível internacional, onde a participação das mulheres é mais reduzida do que em Macau. O deputado não consegue apresentar razões para o cenário que descreve: “Não sei porquê. Talvez a predominância dos homens seja mais elevada nos outros países”.


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Anabela Ritchie e Maria Amélia António rejeitam criação de quotas nas listas às eleições
Longa marcha pelo feminismo


A lei da paridade na constituição de listas partidárias ou a aplicação do sistema de quotas para garantir a igualdade entre os sexos nas nomeações para um caderno eleitoral é uma das questões fracturantes do feminismo contemporâneo. Uns defendem que a medida é cirúrgica e uma garantia para a afirmação feminina; outros entendem que a evolução social deve ser natural e que as mulheres têm capacidade individual para se imporem no mundo. A antiga presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Ritchie, e a presidente da Casa de Portugal em Macau, Maria Amélia António, seguem a segunda corrente.
“Acredito muito pouco nestes procedimentos. Acredito muito pouco em obrigar as pessoas a seguirem um caminho. Nunca foi preciso impor quotas para que as mulheres participassem na vida pública. Pelo menos em Macau, as coisas têm surgido muito naturalmente”, analisa a actual representante do Conselho Consultivo para os Assuntos das Mulheres, Anabela Ritchie.
A ex-presidente da AL não prevê que haja especiais benefícios na imposição do princípio da paridade na vida polícia. Porém, não é totalmente céptica quando comenta as alterações na lista de candidatura de José Pereira Coutinho ao Conselho das Comunidades Portuguesas: “Oxalá tenha um resultado positivo. Há males que vêm por bem. Se ele não pensou em nenhuma mulher, vai ter agora que as incluir [riso]”.
Para Anabela Ritchie a participação das mulheres de Macau na política e no mundo empresarial é já satisfatória. A optimização dos níveis de empenho feminino na vida pública passaria antes por mudanças estruturais na sociedade. “É muito mais importante criar condições para que haja iniciativa por parte das mulheres. As mulheres gostam de trabalhar e, por si, chegam lá. Não é preciso fazerem-no por favor de ninguém”, destaca.
Maria Amélia António apresenta a mesma linha de raciocínio e é categórica quando chumba o sistema de quotas nas listas eleitorais. “As coisas devem acontecer naturalmente e as mulheres estarem representadas porque é obrigatório não me parece – de forma alguma – a solução certa. Não se faz por imposição: as mulheres fazem um caminho paralelo ao do homem”, riposta.
A haver medidas que incentivem a participação feminina na vida social e pública devem ser focadas na criação de estruturas de apoio que permitam uma melhor divisão da mulher pelo espaço profissional, público e familiar. “A mulher continua a ser sobrecarregada. É sobre ela que caem uma série de tarefas nas quais os homens não participam e a sociedade também não ajuda”, avança.
A mulher do século XXI, sublinha, continua acumular as funções de trabalhadora e de doméstica: “As tarefas profissionais, de gestão da casa, de mãe, de acompanhante e educadora conjugam-se em muito maior escala na mulher. A disponibilidade para outras militâncias fica sempre diminuída”, reforça a presidente da Casa de Portugal e advogada.
O contexto social que ainda consente no uso da expressão condição feminina deve ser visto como a raiz do problema, observam Anabela Ritchie e Amélia António. É ele que, argumentam, justifica que o processo de emancipação das mulheres seja moroso e demore décadas para conseguir ombrear com a destreza masculina: “Leva muito mais tempo para que um número maior de mulheres esteja em pé de igualdade com os homens em termos de representatividade política e social. As quotas apenas tapam o sol com a peneira”, realça Amélia António.
Se Anabela Ritchie destaca os aceitáveis níveis de ingerência das mulheres na vida local, a presidente da Casa de Portugal fala em apatia geral na região. “Macau é limitado não só para as mulheres como também para os homens. Há pouca participação social”. Porquê? “Isso já é um estudo sociológico”, remata.

S. N.

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