"Local Docu Power 2007" - Documentaristas "made in Macau" apresentam as suas obras
Os cinco
Os cinco
Macau está em destaque na segunda edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo. Uma série de filmes e documentários de autores locais, seleccionados entre os concorrentes a duas iniciativas lançadas pelo Centro Cultural de Macau (CCM) na primeira edição do festival vão ser mostrados pela primeira vez ao público este sábado, numa maratona que decorre a partir das 16:00 no CCM. As sinopses que se seguem são da autoria do departamento de promoções e apoio a imprensa do CCM, seguidas dos comentários dos próprios autores
"Last Chance (Última Oportunidade)", de Raymond Lei Cheok Wai
Se pudesse viver a minha vida de novo, será que escolheria acabar com ela da mesma forma?” Hin era um excelente estudante, e tudo o que fazia era perfeito. Tinha uma namorada bonita e uma grande amiga desde criança – a Ian. Apesar de Ian gostar de Hin, ela nunca lhe disse, e Hin tratava Ian apenas como uma melhor amiga. Infelizmente, embora Hin amasse muito a sua namorada, descobriu que ela andava a traí-lo. Hin ficou magoado e chateado e decidiu suicidar-se. Contudo, foi apenas nesse momento que compreendeu que…
"...e é este final que não quero revelar, para deixar o espectador em suspenso", começou por nos dizer Raymond Lei. "Não quis fazer uma história de amor, nem sei se ou muito romântico...talvez. Também não quis fazer um drama. Quero é pôr a minha geração e pensar, sobretudo, nas consequências do egoísmo...porque o suicida egoísta, não pensa no mal que deixa as pessoas que traumatizaram com a sua decisão", disse o jovem autor, de 17 anos.
"Sonata", de Ng Sio In
Sonata é um vídeo musical sobre a vida. Através das estórias de três grupos de personagens que apresentam três classes típicas da nossa sociedade, “Sonata” constitui uma reflexão muito franca sobre o tipo de vida que certas pessoas levam em Macau. As cenas de estúdio do cantor entrecruzam as três histórias: a que nos fala de estudantes rufiões que vadiam pelas ruas, a das mulheres que passam a vida no bar de karaoke e a de um jogador viciado. No início, todos são felizes mas acabam por perceber que, no fim, tais vidas conduzem sempre à tristeza, ao rancor e à desilusão.
Ao PONTO FINAL, Ng Sio In disse ter tentado "retratar um mundo de pessoas sem sonhos, esperanças nem objectivos. Sonata começa por ser um vídeo de histórias avulsas e inconsequentes , que no fim acabam por se encontrar e serem, no conjunto, reflectivas. O mote foi uma música de um amigo meu. Ao andar pelas ruas, ao ver e ouvir histórias que me contavam ouvia a música na minha cabeça e começava a associá-la a essa informação. Quase uma ficção que se encaixa na realidade, pelo menos na maneira como eu interpreto essa realidade."
"Sons of the Land (Filhos da Terra)", Elisabella Larrea
Os Macaenses, descendentes crioulos dos portugueses e dos chineses de Macau, são a história viva da sua terra natal. Não só constituem uma prova física do relacionamento harmonioso entre o Ocidente e o Oriente como a sua cultura, o seu patuá, e os seus costumes ilustram cabalmente este multiculturalismo. Contudo, face à globalização e à incerteza da sua continuidade na era pós-colonial, o que será que o futuro reserva para os macaenses? A nossa câmara capta as suas xuxumecas (fofoca, conversa fiada), o seu espírito jovial e o seu amor à terra natal, documentando estes momentos de sobrevivência de uma ‘comunidade no ocaso’. Este documentário funciona igualmente como um megafone, divulgando e deixando registada para a eternidade a voz dos Filhos da Terra...
Elisabela partiu para este documentário determinada, mas algo titubeante. Mas decidiu avançar a passo rápido porque"as memórias estão a desaparecer a uma velocidade vertiginosa. "Olho para a geração dos 17 aos 30 anos e antevejo que possam não ter referencias próprias quando forem adultos. Sem memorias não há transmissão de cultura, quis fazer a minha parte. Humildemente, quero deixar referencias do ser macaense. Mas antes disso tive que tentar perceber qual é, para os macaenses, ser-se Macaense. Não cheguei a grandes conclusões, por isso refugio-me numa máxima do escritor Henrique de Senna Fernandes: Ser macaense é um modo de vida, uma forma de estar."
"Left Behind (Deixados Para Trás)", de Kam Sut Mei
Macau é conhecida como a Monte Carlo do Oriente, mas o surto económico provocado pela liberalização do jogo em 2002 deixou para trás os menos favorecidos. Este documentário mostra-nos como é que uma pessoa se vicia da droga, ao mesmo tempo que descreve as noções que a sociedade chinesa tem sobre este assunto. Pelo meio, seis toxicómanos chineses de Macau são entrevistados, confessando os seus receios e remorsos, enquanto reflectem na vida que levaram. Como é que eles expõem os seus sentimentos contraditórios ao admitirem as suas identidades de ‘viciados na droga’? Como encaram eles a injecção de heroína, algo que consideram agradável e imoral ao mesmo tempo, numa Macau em rápida mudança?
Cecília Ho, assistente social em Hong Kong, actualmente a leccionar em Macau, diz que "não foi fácil entrar no mundo dos toxicodependentes, mas foi fascinante a partir do momento caíram as barreiras da desconfiança. Num ano entrevistei 6 pessoas. Duas deixaram as drogas, as outras quatro continuam com o vício e acabaram por pedir para não serem incluídas, com receio de represálias sociais. Macau é uma sociedade altamente conservadora."
Já Rogério de Sousa, um dos dois personagens que decidiu dar a cara, mostrou-se menos diplomático, agastado com a intolerância de ser humano para o seu semelhante. "Sinto que a sociedade não perdoa, diz que não temos moral, mas como podem eles falar se nos marginalizam no dia-a-dia. Querem cortar-nos as pernas. Ignoram-nos no apoio, e só se fazem ouvir quando é para nos colocar obstáculos. Fecham-nos a porta dos empregos, a polícia revista-nos a qualquer pretexto. Tiram-nos o futuro. O meu maior desejo é que este filme abra os olhos a muita gente, e que percebam que nós apenas queremos a nossa dignidade, e um verdadeiro apoio social. Não queremos esmolas, obrigado!"
"Rising City (Cidade Crescente)", de Rita Iao Cheng
Macau, que surgiu de uma aldeia de pescadores, tornou-se numa cidade extravagante, mas do esplendor ao absurdo a distância pode ser curta... Ao entrevistar pessoas dos mais variados estratos, como turistas, deputados, vendedores ambulantes, profissionais, estudantes, etc, Cidade Crescente revela-nos os problemas sociais e incidentes da cidade, procurando alertar as gentes locais para o caminho que pretendem seguir. Com o intuito de realçar as características locais, Cidade Crescente utiliza como banda sonora a música original de duas bandas de Macau, Crosshair e WhyOceans.
"Ouvi quase quarenta pessoas, limitei-me a registar. Mas noto tendências", diz a autora. "E a tendência que mais notei, e que quero ajudar a combater com este documentário, é que as pessoas queixam-se muito, por tudo e pró nada. Eu Amo Macau, e custa-me ouvir estes queixumes. Se mudar uma pessoas que seja, se a ajudar a ver a realidade com mais cores, acho que ganhei um bom bocado de vida. Fazer este documentário fez-me gostar ainda mais de Macau."
"350 metros", de Fernando Eloy
Este documentário procura interpretar as tendências sociais do Macau actual. Ele tenta capturar a alma profunda da cidade, e preservar a sua memória. Este documentário é um acto de amor pelas pessoas de Macau, às quais os autores acreditam pertencer. 350 metros é uma viagem de 24 horas pela Rua Cinco de Outubro, um vestígio vivo daquilo que Macau em tempos foi; uma viagem curta por vidas que estão a desvanecer e a braços com incertezas. Com este documentário, queríamos despertar memórias e legados que estão a desaparecer. Em suma, esperamos que 350 metros seja uma chamada de atenção para o facto de que a identidade cultural, a harmonia e o desenvolvimento social raramente se constroem apenas com cimento e dinheiro.
"Este é um trabalho de memória. Um registo de uma Macau que pode desaparecer a qualquer momento" disse Fernando Eloy numa entrevista ao nosso jornal (edição de 12 de Outubro de 2007). "Há ali (na Avenida 5 de Outubro) estórias que vale a pena serem contadas." No documentário vão poder ver-se entrevistas e os vários momentos do dia. Há os 'yam tcha' onde todos os dias se canta ópera chinesa, as 4 ou 5 da tarde. "É como nas casas de fado em Lisboa. Ora canto eu, ora cantas tu. Lá bebe-se vinho, aqui bebe-se chá. Mas o espírito é muito semelhante", descreve Eloy.
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As histórias e as experiências que juntam os estreantes cineastas
Realizadores de Macau sã assi
As histórias e as experiências que juntam os estreantes cineastas
Realizadores de Macau sã assi
O PONTO FINAL tentou juntar na mesma sala os autores de cinco dos filmes e documentários locais que vão ser apresentados no próximo sábado no Centro Cultural. Incompatibilidades de horários e ocupações não permitiram tê-los em simultâneo. Mas entre os que tiveram de ir e vir mais cedo, e os que foram chegando depois e ficando para o final, há pontos que permitem unir histórias, estórias, experiências e vivências
Alfredo Vaz
Não se conheciam uns aos outros. Partilham um sonho comum. Captar imagens que retratem a sua visão da realidade. Sentida e vivida. Das terceiras pessoas, para a primeira do singular: dos intervenientes e personagens para o autor.
Três gerações, dos 17 aos mais de quarenta anos, formações e profissões distintas. Dos cinco, apenas uma (Ng Sio In, a autora de Sonata) trabalha no ramo: tem uma produtora, a Different Productions. Os outros são um estudante, o benjamim do grupo (17 anos), o jovem Raymond Lei (Last Chance), duas funcionárias públicas - Rita Iao (The Rising City) e Elisabela Larrea (Sons of the Land), e uma assistente social - Cecília Ho (Left Behind) originária de Hong Kong, mas radicada em Macau, onde dá uma cadeira ligada à sua área num curso do Instituto Politécnico.
Em comum têm a paixão pelo cinema e a vontade de mover mundos e fundos - uma consciência e sentido social apurados. Tudo resultou em seis pequenos filmes que, juntos, quase dariam uma sétima obra.
A mais macaense das obras é precisamente aquela que vai à descoberta do que é ser macaense. Sons of the land, Filhos da Terra, é quase a semente de histórias em ângulos diferentes que reflectem uma linha comum: ser desta terra. Para o bem, e para o mal.
Filha de pai espanhol e mãe macaense, Elisabela Larrea, foi à procura da sua própria identidade. "Foi difícil conquistar a confiança das pessoas, porque, de uma certa forma, estava como que a invadir a privacidade das suas memórias mais queridas. Mas uma vez conquistada, tive bons resultados. Os meus pais não me quiseram desanimar, mas avisaram-me que seria difícil. Foi, e enquanto estava a ser, e quando eles perceberam o meu empenho, apoiaram-me a 100 por cento. A conclusão a que chego é que a identidade macaense está desgastada pela pouca expressão, pelo fenómeno da diáspora, mas sobretudo pela globalização. Receio que as futuras gerações percam as referências, e quis contribuir para deixar algumas memórias."
The Rising City, de Rita Iao, quase que parece o capítulo seguinte desta reflexão colectiva dos autores locais. "Onde estamos, para onde vamos?", foi o seu exercício. Apesar da autora não ter pretensões a que o filme seja um documento de estudo, o material recolhido traz muita informação que pode ser estatizada. Diz Rita Iao que, "curiosamente, são os mais novos a queixar-se mais. Ou ao contrário. A melhor surpresa foi não ver os mais velhos queixarem-se tanto. Mas deve ser cultural, e a idade dá-nos mais tolerância."
A "esperança" de Rita é que haja mais casos como o de Raymond Lei (Last Chance), o jovem estudante de 17 anos da Escola Yuet Wha, "onde aprendi a defender muitos dos valores que as pessoas reconhecem e gostam nos meus filmes."
Raymond e Rita conheceram-se pessoalmente ontem no encontro promovido pelo PONTO FINAL. Mas, como acontece tantas vezes em Macau, já se conheciam de vista, e até tinham visto o trabalho um do outro ao concorrerem, ambos, a outro concurso lançado pelo Centro Cultural, o mais recente Rush, 48 hours, em que os autores eram confrontados com um tema (Play) e tinham dois dias para preparar e entregar a sua obra.
"Adorei imenso Play the Life", diz Rita. "Para mim era o melhor. Só agora ao falar com o Raymond é que liguei o filme à pessoa. E ainda estou chocada por saber que foi feito por um miúdo de 17 anos. Que maturidade! Para mim é a esperança que eu quase perdi totalmente ao rodar o meu documentário. É um optimista e espero que tenha muito sucesso".
Elisabela tem a mesma opinião. Raymond agradece, sorri, e promete continuar.