Manuel Vicente compara Macau a uma ficha tripla onde se vai acrescentando outras
Cidade cresce "até rebentar"
Cidade cresce "até rebentar"
A silhueta de Macau muda diariamente com as novas construções que provocam desordem na cidade, mas o arquitecto Manuel Vicente recusa "mandar alguma coisa abaixo", embora deixe o alerta para a necessidade de se pensar o desenvolvimento da cidade.
"Mandar abaixo, eu? Não mandava nada, mas é preciso pensar que o desenvolvimento da cidade não pode ser feito apenas acrescentando mais terra aos aterros existentes", disse numa entrevista à agência Lusa o arquitecto que chegou pela primeira vez a Macau em 1965, mas que já perdeu a geografia da cidade que tinha na cabeça e que, "a certa altura, mudou".
"Se me puser a guiar um carro, às vezes perco-me porque já não sei muito bem onde se pode ou não cortar", conta.
Com projectos emblemáticos construídos no território como o World Trade Center ou a praça em frente da Torre de Macau, Manuel Vicente é, actualmente, um visitante regular da cidade e olha para ela "sem intervir directamente como arquitecto".
Manuel Vicente afirma ser um "apaixonado" da terra e de olhar sempre as mudanças que encontra sem qualquer "saudosismo", embora constate que "a cidade está a ficar bastante desordenada", comparando-a a uma ficha tripla onde se vai acrescentando outras até "rebentar".
Apesar do choque das mudanças diárias com a construção de novos casinos e de grandes edifícios, Manuel Vicente considera "um gesto heróico" pensar-se as cidades.
"É um gesto heróico. Se calhar nalguns países africanos é possível pensar-se uma nova capital como em Brasília há 50 anos. Mas pensar uma cidade é cada vez mais improvável", adianta.
A justificação encontra-a no capital, que "é sempre um pouco selvagem e tem grande urgência" nos resultados pelo que, no caso de Macau e de outras cidades, seria "arriscado negociar tempo demais".
Contra o aumento dos aterros, Manuel Vicente preconiza "ilhas" ou pólos de desenvolvimento onde seja possível prever as necessidades, fazendo crescer a cidade sem criar ao mesmo tempo mais uma zona de expansão sem controlo.
"É criar pólos complementares com alguma descontinuidade" e não acrescentar mais um bocado ao que já existe, disse.
Manuel Vicente defende também que Macau tem de "criar as competências necessárias" à gestão da cidade e, sublinhando não querer criticar ninguém, considerou que a última fase da administração portuguesa "não proporcionou o que era necessário" em termos de recursos humanos para gerir o território.
Por outro lado, depois do desenvolvimento económico após a transferência, Manuel Vicente diz ter chegado a hora de impor "algumas regras não para colocar a cidade na ordem, mas para criar uma nova ordem que permita integrar e viabilizar a actual desordem".
O trânsito, não só de veículos automóveis mas também o transporte de massas, são prioridades que Manuel Vicente gostaria de ver implementadas a curto prazo, mas recusa a ideia de entrar em discussões sobre a forma de construção.
"O que é preciso é que se faça o fato para Macau e por alguém que goste da cidade, mas há que ser rápido para responder aos factos que estão aí", sintetizou.