13.3.08

Tribunal Administrativo começou a ouvir testemunhas de defesa
Funcionários da DSEC negam pressões
por parte das chefias


Foram ontem ouvidas as testemunhas de defesa de quatro chefes da DSEC acusados por uma ex-funcionária de pressões e ameaças de despedimento durante o processo judicial de assédio sexual que correu em 2006. Os depoimentos rebatem as acusações mas o colectivo de juízes parece não ter ficado satisfeito

Sónia Nunes

Os funcionários da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) ouvidos ontem no Tribunal Administrativo negam que os superiores tenham exercido pressões psicológicas, ameaças ou condutas mais agressivas sobre a antiga colega de trabalho, Cheong Iok Chon. A queixosa, e autora do processo que começou a ser julgado a 5 de Março e volta a colocar no banco dos réus quatro membros da chefia do órgão e a RAEM, acusa a supervisora de maus tratos verbais e refere que foi aconselhada a não testemunhar num caso conexo – movido por quatro funcionários dos serviços que denunciaram práticas de assédio sexual – sob pena de vir a perder o emprego. O contrato acabou por não ser renovado.
O processo de Cheong Iok Chon terá chegado ao TA meses depois de a agora queixosa ter sido testemunha da funcionária Tam Mong Sin que também acusou a directora substitua da DSEC, Mok Iun Lei, de perseguição e cumplicidade no escândalo de alegado assédio sexual que rebentou em Julho de 2006. De acordo com a acusação, Mak Hang Chan, chefe de divisão, terá repreendido de forma agressiva a funcionária por ter faltado ao trabalho para depor em tribunal. Porém, as testemunhas ouvidas ontem, arroladas pela defesa, garantem que a ré apenas avisou Cheong Iok Chon que teria de informar os serviços sempre que se ausentasse do trabalho.
A funcionária terá dito à secretaria da DSEC que tinha sido notificada para se apresentar como testemunha no tribunal a 10 de Outubro de 2006. “Eu disse-lhe que não precisava de comunicar ao superior. Entendi que era uma matéria confidencial”, afirmou uma das funcionárias do gabinete, Beatriz Rosário. A testemunha destacou que, na mesma altura, outros trabalhadores tinham sido citados pelo TA e que foi incumbida de transmitir a informação às chefias - o que, no caso de Cheong Iok Chon, não terá cumprido. “Comprometi-me, mas não tive tempo”, revelou. Contudo, admitiu que “o superior deve ser sempre informado de que o funcionário não vai estar presente”.
A alegada discussão entre a queixosa e Mak Hang Chan terá ocorrido no dia seguinte ao julgamento de 2006. “Eu ouvi o nosso chefe de divisão, na altura, a dizer que para a próxima vez ela teria que informar quando saísse”, relatou um investigador da DSEC. Cheong Shan Pang acrescentou que Cheong Iok Chon ficou “zangada” com o reparo e que “começou a andar bastante rápido, a fazer coisas com som muito alto, e disse que a secretária lhe tinha dito que não tinha que informar [da falta]”. Contudo a testemunha ressalvou que descrição que fez do diálogo não deve ser vista como uma discussão.
O funcionário afirmou ainda que a quarta ré no processo, Mak Cheong Man, chefe do departamento de Coordenação e Integração Estatística, estava junto à entrada do gabinete do chefe de divisão mas não conseguiu reportar o conteúdo da conversa entre a chefia. A testemunha referiu ainda que não teve conhecimento da convocatória do tribunal e que não notou ausência de outros trabalhadores. “Ela já faltava frequentemente. Não sei se o superior teve ou não conhecimento. Somos subordinados, não falamos disso”, afirmou.

Acto de contradição

De acordo com a queixa apresentada no TA, Mak Hang Chan terá dito a Cheong Iok Chun para não ser testemunha no processo movido há quase dois anos pelos quatro funcionários da DSEC, durante um jantar de celebração do Ano Novo Chinês. Acusação que foi rebatida pela técnica de 1ª Classe, Hui Wai Meng, ouvida ontem.
“Eu não ouvi nada disso”, declarou. A assertividade despertou as dúvidas de um dos juízes que quis saber qual o tamanho da mesa do restaurante, o lugar da testemunha e como é que em duas horas nenhum dos envolvidos se ausentou para ir à casa de banho. Porém, a funcionária não hesitou e garantiu a veracidade da declaração: “Fui a última a sair do restaurante. E enquanto estive na mesa, não saíram para ir à casa de banho”.
Hui Wai Meng disse ainda ter assistido à conversa entre a chefia e a queixosa sobre a ida a tribunal porém só se recorda da última frase que Mak Hang Chan terá dito. A saber: “Para a próxima vez que faltares ao trabalho, tens que avisar”. Acrescentou que a antiga colega terá respondido num tom alto, mas não conseguiu reproduzir o conteúdo das afirmações – “Ouvi três vozes, a mais alta era a de Cheong. Não reparei no que ela disse, estava a fazer o meu trabalho”, explicou. A ressalva acabou por prejudicar o depoimento já que o juiz estranhou o facto de a testemunha ter prestado atenção só a parte do diálogo. Hui esclareceu que o aviso de Mak terá sido já dito fora do gabinete e que viu a queixosa a dirigir-se para o posto de trabalho. “Ouvi-a a atirar coisas com força. Estava zangada”, acrescentou. Porém, após a descrição da disposição das secretárias, o colectivo entendeu que a testemunha não podia depor com certeza. “Está a contradizer-se. Para a mesma pergunta, deu três respostas diferentes. É uma questão de detalhes”, observou a presidente do colectivo.

“Mal entendido”, refere subdirectora

A par do incidente de Outubro, a queixosa refere-se ainda a uma alegada reprimenda feita por Mak Hang Chan, chefe de divisão, relativa a um relatório feito pela funcionária em Março. As sete testemunhas ouvidas ontem negam a conduta. A subdirectora substituta da DSEC, Cheng I Wan destacou ainda que os dois processos disciplinares internos (um relativo à falta injustificada ao trabalho; outro sobre os comentários feitos ao relatório) foram arquivados por falta de provas.
“O chefe de divisão não estava a ralhar, apenas a informou que para a próxima vez teria que avisar que ia faltar”, contrapôs a testemunha que conduziu o processo disciplinar relativo à alegada discussão sobre a ida a tribunal de Cheong, como testemunha.
A ex-funcionária terá ainda apresentado queixa na DSEC contra Mak Hang Chan que terá sido indelicado quando recebeu um relatório feito pela trabalhadora. “Ela é que reagiu exageradamente. Acusou um inocente por repreensão mal educada. Disse que o superior não a respeitou. Quer o tom em que foi dito, quer o conteúdo, não foi mal educado. Foi um mal entendido”, resumiu a subdirectora substituta. A testemunha não conseguiu adiantar mais sobre o processo mas garantiu que ouviu os colegas de trabalho da queixosa.
Segundo o marido de Mak Cheong Man, a quarta arguida no processo, o relatório não terá sido escrito só pela antiga funcionária. Teve também a interferência do ex-supervisor Tam Chun Kit. O funcionário já testemunhou na primeira sessão do julgamento e disse, segundo o jornal Ou Mun, que a subordinada se queixou de falta de tempo para terminar o trabalho e pediu à chefe de divisão do Departamento de Estatísticas da Indústria, Construção e Comércio Externo (DEICCE) assistentes para o tratamento dos dados. Lo Kam Leng terá dito a Cheong que fosse carinhosa com os colegas e assumisse o papel de mãe – nenhuma das testemunhas ouvidas ontem notou que as relações na DSEC fossem além do trabalho.

Telefone da amizade

“Ela disse à minha esposa que o relatório não tinha sido feito por ela, e pediu para fazer outro”, relatou o marido de Mak Cheong Man, Lam Chi Fai. A testemunha admitiu que só teve conhecimento do caso depois de a mulher ter sido constituída ré em Outubro de 2006 e contou ao TA aquilo que ouviu dizer. No trabalho feito por Cheong constavam “exageros” e que terão espevitado a amizade da ré pela queixosa, num telefonema feito depois da hora de trabalho.
“Ela [Cheong] estava muito triste. A minha mulher telefonou-lhe por uma questão de preocupação. Disse-lhe que ela só tinha que escrever o relatório conforme a realidade”, afirmou a testemunha.
Os juízes duvidaram da inocência do telefonema feito “à noite”, mas o técnico dos Serviços de Saúde garantiu que as palavras da mulher foram de “conforto” e reiterou que a queixosa terá dito à ré que “os termos utilizados no relatório não eram da sua intenção”. Acrescentou que Mak Cheong Man era próxima do marido da ex-funcionária e rematou: “Posso testemunhar aqui eu o telefonema foi feito por amizade e não para exercer pressão”.
Contudo, o colectivo não pareceu convencido com a explicação e disse estranhar o facto de o telefonema ter sido feito enquanto o processo disciplinar que pendia sobre Mak Han Chan ainda corria. A ré era instrutora na investigação interna conduzida pela DSEC.

Testemunhas negam
estado de ansiedade


Cheong Iok Chun diz ainda apresentar ainda danos psicológicos alegadamente causados pela conduta dos superiores. Na primeira sessão do julgamento, um médico do Hospital Kiang Wu testemunhou que Cheong deu entrada na unidade com um quadro emocional instável e que lhe foi diagnosticada ansiedade, segundo Ou Mun. O clínico referiu ainda que a paciente recebeu medicação para travar os avanços da doença, tida, descreveu, como tipicamente urbana e associada a situações de pressão ou mau ambiente de trabalho.
Contudo, apenas um dos funcionários ouvidos ontem no TA notou alterações no comportamento da antiga colega de trabalho. “Eu cumprimentava-a, mas ela parecia não reagir. Aconteceu o mesmo com outros colegas. Não sei se tem a ver com o estado psicológico mas era o estado dela”, ilustrou Cheong Shan Pang.
O investigador da DSEC conheceu a queixosa na década de 90 e disse tratar-se de “uma pessoa explosiva”, que se “zanga com facilidade, mas costuma conversar”. Porém, destaca que “houve uma nítida mudança depois de sair do departamento”; ou seja, depois de ter sido transferida do DEICCE, e ter tido como chefe a primeira ré no processo. A afirmação pode vir a dar força ao testemunho do marido da ex-funcionária. Na primeira audiência, ainda segundo o Ou Mun, Lei Ion Chung declarou que a mulher se queixava do tratamento rude de Lo Kam Leng.
Já a técnica superior da DSEC, Hui Wai Meng, entende que a queixosa “trabalhou como sempre, normalmente” e contrapôs o perfil de personalidade frágil, alegado pela acusação: “Ela é forte psicologicamente. Trabalha de forma bastante independente. Não é pessoa difícil de lidar”. A testemunha negou ainda a existência de pressões por parte da chefia mas referiu que teve conhecimento do atestado médico apresentado por Cheong. Depoimento que foi atestado pelas restantes testemunhas. A próxima sessão está marcada para 15 de Abril.

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