18.4.08

Ainda falta entregar relatório considerado fundamental no caso de Samiro Soares, que já pode sair de Macau
São Januário falha prazo
imposto pelo TJB


A credibilidade do CHCSJ foi posta em causa por um antigo médico da instituição depois da direcção do hospital ter falhado na entrega de um relatório de perícia considerado fundamental para o apuramento da verdade dos factos num caso de acusação de violação em Outubro de 2006. Perante a falta do relatório e do depoimento de uma testemunha, o Tribunal Judicial de Base de Macau determinou o reforço da caução do acusado, Samiro Soares, em mais cinco mil patacas, para um total de 10.000 patacas, manteve o Termo de Identidade e Residência, mas levantou a proibição de ausência de Macau

Alfredo Vaz

O Tribunal Judicial de Base (TJB) levantou ontem a proibição ao futebolista de Cabo-Verde Samiro Soares de sair do território mas duplicou o valor da caução. O passaporte deve ser devolvido esta manhã ao atleta, precisamente no dia em que completa um ano e meio sobre a ocorrência, uma vez que dezoito meses é o prazo limite para que a medida de coacção se mantenha em vigor enquanto a sentença transita em julgado.
O Tribunal determinou o reforço da caução do atleta em mais cinco mil patacas, para um total de 10.000 patacas, manteve o Termo de Identidade e Residência, mas levantou a proibição de ausência de Macau. De acordo com a lei da RAEM, a medida da proibição de saída do território não pode ultrapassar o prazo de 18 meses a contar da data da sua aplicação e por isso o Tribunal ordenou o seu levantamento.
Detido a 16 de Outubro de 2006 pela Polícia Judiciária de Macau, sob a acusação de violar uma universitária de origem chinesa, o jovem cabo-verdiano, que integrou a selecção de futebol do seu país aos primeiros Jogos da Lusofonia realizados em 2006, manteve sempre a sua inocência (ver cronologia dos factos) admitindo sempre – e apenas - ter tido numa discoteca da cidade relações sexuais consentidas com a alegada ofendida.
Após a sua detenção, Samiro Soares permaneceu em liberdade depois de alguns naturais de Cabo-Verde terem assegurado condições financeiras ao atleta. A decisão do tribunal surge depois de a 1 de Abril o julgamento ter sido adiado, sem novo prazo, por a defesa ter considerado indispensável a inquirição de uma testemunha residente em Portugal, e que ainda não foi ouvida, bem como a realização de perícias médicas ao atleta e à vítima.

“CHCSJ é irresponsável
e não tem desculpas”

Um antigo médico do Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ), o hospital público da RAEM, que tem acompanhado de perto este e outros processos, e que pediu o anonimato, referiu-se a uma série de casos análogos do passado recente para concluir que “as pessoas, nomeadamente os médicos, têm o mau hábito de não cumprir com suas obrigações. Devem julgar-se acima da lei, e o problema é que quem devia chamá-los chama-los à razão não o faz. E uns e outros, chefias e subordinados, devem ser responsabilizados pelas suas omissões. É inconcebível que uma estrutura do Governo – com obrigações e responsabilidades sociais, a meu ver especiais, não cumpra com nas suas obrigações.”
Postos os factos, o médico, que exerceu durante quase duas décadas funções de responsabilidade naquela estrutura, considera que “a situação é indesculpável, não devia haver perdão, de forma alguma. Estamos perante mais um acto de indisciplina. Há falta de disciplina. É de uma grande irresponsabilidade da parte do Hospital, seja de quem for: desde a direcção às pessoa, ou pessoas, que têm de elaborar o relatório.”
A mesma fonte disse ao nosso jornal que “se os funcionários, médicos, não querem colaborar – seja por razões for – que o assumam e que saiam.”
Para o clínico, a confidencialidade da matéria não pode ser invocada quando esta prejudica o apuramento da verdade dos factos: “Estamos perante um facto de claro prejuízo para ambas as partes – acusador e acusado – uma situação que vai contra os próprios estatutos da função pública.”
O antigo médico do CHCSJ recorda um caso recente em que a direcção daquele hospital foi instruída pelo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal a entregar ao advogado de defesa cópias de um relatório pendente - igualmente considerado indispensável para o apuramento da verdade material dos factos – e que até à ordem judicial a direcção do CHCSJ recusava facultar ao causídico alegando a confidencialidade da informação. Apesar da ordem do Juiz, o relatório acabou por nunca ser apresentado como prova, justificando o CHCSJ que os documentos se perderam algures entre o departamento onde tinham dado entrada e aquele em que deviam ter sido arquivados.

Primeiro de Abril

Depois de ter estado quase ano e meio a aguardar pelo início do julgamento, Samiro Soares foi presente no passado dia um de Abril a uma juíza do Tribunal Judicial de Base. A autora da queixa não esteve presente na audiência, por se encontrar com os pais na sua terra de origem, na China Continental.
O adiamento foi pedido pela própria defesa. Álvaro Rodrigues, advogado de Samiro Soares, alegou duas razões fundamentais: a falta das declarações de uma testemunha “indispensável para a descoberta dos factos”, e também do relatório de perícia médica, ainda não enviado pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário, apesar da queixosa ter sido vista por um médico daquele hospital na manhã do dia da ocorrência dos factos, 15 de Outubro de 2006. A defesa alegou que o relatório hospitalar “é também fundamental para a descoberta da verdade material”.


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Cronologia dos acontecimentos

O incidente aconteceu na madrugada de 15 de Outubro de 2006, no Clube de Diversões (bar-discoteca) Lei Man, Basement, por volta das 4:30.
Os protagonistas, Fai Kai e Samiro Soares - agora identificados como Ofendida e Arguido - deixaram o estabelecimento de diversões, separadamente e na companhia, de amigos por volta das 5:00 horas sem que qualquer queixa tivesse sido feita ou apresentada nem que a Polícia tivesse sido chamada ao local e sem que alguém tivesse dado conta de que algo de anormal ou grave tivesse acontecido.
Algumas horas mais tarde, a ofendida, dirigiu-se ao Centro Hospitalar Conde de São Januário com o intuito de realizar um teste de HIV (Sida). Terá sido na sequência deste diligência que o obstetra accionou os mecanismos legais, dando início a investigação policial.
Ao final da manhã do mesmo dia 15 de Outubro a Judiciária foi ao Hotel onde estava instalada a selecção de futebol da Comitiva de Cabo-Verde a procura de Samiro Soares. O atleta não estava nas instalações tendo-se entregue as autoridades policiais, de livre vontade, ao início da tarde.
(...)
Dia e meio depois, 16 de Outubro, as 16:00 horas, Samiro Soares foi presente a Magistrada Judicial do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base da RAEM onde foi interrogado e constituído arguido.
Imediatamente a seguir ao depoimento do arguido, por volta das 17:30, a Juíza de Instrução ouviu a queixa da ofendida.
Ao final do dia, concluídos os primeiros depoimentos, A Magistrada Judicial decretou como medida de coacção para o arguido o Termo de Identidade e Residência, ficando o arguido a aguardar julgamento em liberdade com a proibição de ausência do território.
(...)
Entre os dias 17 e 22 do mesmo mês teve lugar a audiência das três testemunhas, uma apresentada pela ofendida, e outras duas apontadas pela defesa. Neste período deu também entrada o relatório do médico obstetra que, a 15 de Outubro, realizou o exame pericial.
(...)
Dia 1 de abril de 2008. Ao cabo de quase ano e meio de espera teve lugar a primeira sessão do julgamento, com a defesa a pedir de imediato adiamento por duas razões fundamentais: a falta das declarações de uma testemunha “indispensável para a descoberta dos factos”, e também do relatório de perícia médica, ainda não enviado pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário, apesar da queixosa ter sido vista por um médico daquele hospital na manhã do dia da ocorrência dos factos, 15 de Outubro de 2006. O pedido foi deferido pela juíza de instrução, que fixou o dia 15 de Abril como data limite para a entrada dos documentos em falta.
(...)
Dia 16 de Abril, passada quarta-feira. O Tribunal de Base de Macau levantou a proibição ao futebolista de Cabo-Verde Samiro Soares de sair do território mas duplicou o valor da caução para dez mil patacas. O passaporte deve ser devolvido esta sexta-feira a Samiro Soares.

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