13.4.08

Augusto Nogueira, da ARTM, alerta para comportamentos desviantes dos jovens de Macau
"Não se devem aligeirar os consumos
ocasionais de pastilhas ou ketamina"


A ketamina anda a seduzir cada vez mais jovens de Macau e já é caso para dar um sinal de alerta. Augusto Nogueira, presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau, explica como a chamada droga recreativa pode levar ao inferno

Marta Curto

"O que mais nos preocupa é o crescente consumo de ketamina pelos jovens de 14 e 15 anos". Augusto Nogueira é presidente da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM) e as suas palavras, em teoria, nada têm a ver com consumidores de ketamina, uma droga recreativa, só tomada em ambientes de diversão. Um toxicodependente não é alguém que sai à noite e, só aí, consome drogas. Um toxicodependente é a pessoa viciada em heroína, que se injecta de duas em duas horas, e rouba para alimentar o vício. Mentira. "Um toxicodependente é alguém que consome diariamente e que precisa do consumo para funcionar, mas não se devem aligeirar os consumos ocasionais de pastilhas, canabinoídes ou ketamina, uma droga cada vez mais popular entre os jovens".
Só para evitar ânimos leves: o Ice, por exemplo, faz os consumidores sentirem cócegas na pele, como se tivessem formigas subcutâneas. Há quem chegue a arrancar a pele para matar as 'formigas'. O ecstasy pode provocar dependência à primeira toma, ou mesmo a morte. A verdade é que nunca se sabe o que aquelas pastilhazinhas contêm, já que os dealers não vêm com uma lista dos componentes químicos dos comprimidos mágicos.
A ketamina provoca um estado que os consumidores chamam de 'experiência de morte', que é algo parecido com aquilo que se diz ver-se nos momentos que precedem o quedar do coração, em que alegadamente se vê o próprio corpo de fora. E os 'charros' provocam perda de concentração e impotência. "A maioria dos consumidores diários de drogas começaram com marijuana. Quem a chama de droga leve são os próprios!"
Augusto Nogueira sabe do que fala, já que gere a única instituição que neste momento aceita toxicodependentes de qualquer tipo de droga e a única a aceitar seropositivos em Macau. "Claro que não é fácil dizer que não, mas é por isso que fazemos acções de prevenção nas escolas todos os anos e tentamos explicar-lhes que devem seguir o seu próprio caminho e não os passos dos outros. Porque os passos dos outros podem não levar ao melhor fim".
Augusto já viu homens a ressacar com dores desumanas, prostrados em camas num corpo mole que só o vómito arrasta. Já viu recuperações mal sucedidas, gente que sai limpa do centro e volta passado pouco tempo porque a vontade do dealer foi mais forte do que a sua. E assistiu a jovens adolescentes parados, no meio da rua, na mesma posição, dez minutos seguidos, porque a ketamina lhes provocou uma paralisia muscular temporária. A frase é sempre a mesma: 'Páro quando quiser'.
"Em 2003, os números oficiais falavam em 3 mil toxicodependentes de heroína, os consumidores regulares de outras drogas não estavam contabilizados. Nos últimos 13 anos, terão procurado ajuda cerca de 1100", diz Augusto Nogueira. O presidente da ARTM explica que a metadona afasta muitos da reabilitação. Quem é que quer sofrer se pode ir pelo caminho mais fácil?
"O IAS oferece o serviço de metadona e, quando alguém decide iniciar o tratamento, supõe-se que não esteja a consumir. Recebe então um subsídio mensal de cerca de duas mil patacas. Por isso a maioria não quer ir para um centro de reabilitação", observa Augusto Nogueira.

O pesadelo

À Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau, os corajosos chegam encaminhados pelo Instituto de Acção Social ou pelo Tribunal. E depois vem o pesadelo. A pior parte é a desintoxicação. Leva dez dias em que o toxicodependente toma a medicação receitada por um médico do IAS, mas mesmo assim sofre de dores musculares, dores de rins, vómitos, insónias, o cérebro que não larga uma imensa confusão como um abismo sem fundo.
É a ressaca. Quando passa, as dores físicas diminuem, mas depois há algo que começa e assusta: é uma pessoa que nasce, irreconhecível, estranha. Durante três meses, o corpo limpo está sempre acompanhado, começa por fazer parte da equipa da cozinha e ir a reuniões de acompanhamento.
A fase seguinte é de controlo dinâmico e aí o ex-toxicodependente já passa a ajudar alguém mais novo. Segue-se a etapa de guia, onde já se consegue guiar a si mesmo. E, por fim, a de guia-orientador, em que consegue guiar a si mesmo e orientar outros.
O processo dura um ano e é gratuito. Mas não basta. É fácil estar dentro do centro, ter aulas de informática dadas por um voluntário que lá se desloca, fazer ginástica na sala de fitness, ou simplesmente fazer companhia aos animais da ANIMA que também partilham o espaço enquanto esperam adopção. É fácil lá estar. Perto de outros corpos limpos, longe da tentação. Longe dos becos onde se injectou, das ruas onde comprou, vielas onde ressacou à espera da próxima dose.
"Eles às vezes pedem para ficar mais tempo porque não se sentem preparados, e podem ficar o tempo que for necessário. Mas a verdade é que há gente que consume há 30, 40 anos, já não sabem viver sem aquilo. Só se sentem vazios. Há recaídas", admite Augusto.

Espaço de aconselhamento
no Iao Hon


A ARTM espera chegar a mais gente através dos novos contornos do programa de rua da instituição, que até agora foi semanal, mas que o IAS quer que passe a diário.
"A Associação já arranjou um espaço no Iao Hon, onde os toxicodependentes mais se costumam juntar, para além de querer manter as rondas pela cidade. Também queremos começar a abranger mais a nossa zona de intervenção, não agir só na zona norte de Macau através da carrinha".
No novo espaço, que ainda está em obras, a ARTM pretende oferecer refeições, disponibilizar espaço de banhos, aconselhamento psicológico aos toxicodependentes e às famílias, encaminhamento para centros de reabilitação, aos que assim o desejarem, e prevenção de comportamentos de risco, nomeadamente a partilha de seringas, que é frequente em Macau.
"Acontece porque a lei penaliza mais quem tem em sua posse utensílios de consumo de droga, do que quem tem droga em sua posse", explica Augusto Nogueira.
Dependendo das drogas, há quantidades que são consideradas de consumo. Quem for interceptado com essa quantidade em sua posse levará uma pena de três meses. No entanto, quem tiver um utensílio de consumo, como uma seringa, pode levar até um ano de prisão.
"Claro que eu posso ir à farmácia comprar uma seringa porque vou fazer um tratamento médico em casa e preciso dela. O máximo que pode acontecer é ir para a esquadra responder a algumas perguntas se a polícia me apanhar com a seringa. Mas não há provas da finalidade do uso. Mal o toxicodependente usa a seringa, ela fica com vestígios de droga e portanto já pode ser usada pelas autoridades. O que eles fazem é esconder as seringas para as usarem da próxima vez. O problema é que quando lá voltam, em vez de uma seringa, estão três. E eles usam qualquer uma delas. Isto para além da partilha de seringas voluntária entre toxicodependentes".
Nas suas acções de rua, a instituição ensina os toxicodependentes a lavarem as seringas, limpando três vezes com água e com álcool, "mas para além de isso não ser 100% seguro, estou certo que eles não o fazem. A menos que estejam em casa e tenham espaço e tempo para isso. Mas se forem injectar-se entre amigos, na rua, não vão limpar nada".
A ARTM está a tentar ver a lei alterada, assim como ver se convence o Governo a oferecer seringas aos toxicodependentes, como acontece em Portugal.

CAIXA
A SIDA em Macau

Em Macau, a SIDA ainda não é uma epidemia como acontece noutros territórios. Até Fevereiro deste ano havia 391 casos oficiais de seropositivos na RAEM, entre os quais 29 eram toxicodependentes.
A partilha de seringas é, sem dúvida uma das causas para a transmissão do vírus entre os consumidores de drogas injectáveis, mas as relações sexuais sem protecção também.
Nos becos da zona norte da cidade, andam prostitutas de rua que levam 30 patacas por relação sexual. "E se o cliente pagar 50 não precisa de usar preservativo. Para os toxicodependentes é perfeito, mas perigoso".
Augusto Nogueira explica que os números de infectados são tão baixos em Macau porque "todas as mulheres que estão nas saunas têm de fazer testes de três em três meses no Laboratório de Saúde Pública e por isso têm muito cuidado com esta questão, porque sabem que, se foram infectadas, são logo despedidas".

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