13.4.08

Morreu Carl Smith, o historiador que se dedicou a registar a identidade de Macau
O escritor do povo

Já ouviu falar do reverendo Carl Thurman Smith? Se não, vai ler agora. Parece quase um paradoxo que uma autoridade na história e estórias do povo comum da região do delta fosse um quase desconhecido – precisamente do cidadão comum, fora dos círculos literários e académicos. Carl Smith morreu na última terça-feira em Macau com 90 anos, tendo ido ontem a enterrar, na terra de cujas gentes eternizou numa memorável colecção

Alfredo Vaz

Um historiador discreto, incansável, generoso e humilde. Alguns dos adjectivos que ouvimos de quem diz ter “tido o prazer” de ter privado com o Reverendo, “homem de sorriso fácil, um historiador com uma enorme história.”
Nascido em 1918 em Dayton, no Ohio norte-americano, foi ordenado Ministro da então Igreja Evangelista e Reformista (Evangelical and Reformed Church), actual Igreja Unificada de Cristo(United Church of Christ).
Carl Smith foi primeiro Ministro da igreja em Nova Iorque e Filadélfia, mas em 1960 decidiu tornar-se um Missionário e lançou-se ao mesmo tempo na aprendizagem do cantonês. Após vários meses de treino em que reconheceu mais tarde “não ter sido um bom aluno”, acabou por ser enviado pela sua congregação para uma missão em Hong Kong. Começou por leccionar teologia no Instiuto Tuen Mun, e entre 1962 e 1983 foi professor no Seminário Chung Chi, hoje a prestigiada Universidade de Hong Kong. Daí à investigação foi um pulo: Smith apaixonou-se pela história do Missionarismo em Hong Kong, Macau e China Continental.
O seu fascínio foi a diversidade do relacionamento entre as comunidades chinesas e os estrangeiros que assentaram praça por estas paragens. Nos tempos livres, dedicou-se a compilar uma série de cartões de informação, com registos históricos da vida nesta região, recortes de jornais, registos de propriedades e terras, livros raros, gazetas do governo, plantas e descrições de cemitérios, entre muita outra informação.
Em meados dos anos noventa, o Public Records Office de Hong Kong tinha uma gigantesca base de dados com 140 mil cartões de informação de 3x5 polegadas. A informação, que pode ser consultada pelo público no site da internet deste departamento, na secção ‘Carl Smith Collection’, tornou-se na mais rica fonte de uma panóplia de investigadores, incluindo escritores, académicos, arquitectos e artistas, entre outros.
O extenso trabalho do Reverendo Carl Smith é também reconhecido no seu país natal, fazendo parte de uma outra base de dados da biblioteca do congresso norte-americano, a maior do mundo.
Robert Nield, presidente da prestigiada Royal Artistic Society, da qual Smith era vice-presidente honorário, classificou o Reverendo como “uma figura monumental no seu campo de investigação, um homem imensamente sábio e generoso. Parecia que nunca queria nada em troca. Era uma pessoa da qual se gostava à partida.”


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"Fundamental para a compreensão
do que foi esta região"


Ruben de Freitas Cabral, Reitor do Instituto Inter-Universitário de Macau deixa aos leitores do PONTO FINAL um elogio ao Reverendo Carl T Smith

“Conheci o Dr. Carl Smith, porque – exactamente – decidimos dar-lhe o primeiro Doutoramento Honoris Causa desta Universidade, em 2005. Ele já estava nos seus 80 anos, com alguma dificuldade em se movimentar, mas extremamente lúcido, e foi um prazer muitíssimo grande. Ele era um daqueles historiadores que se dedicou à história do homem e da mulher comum.
De facto, o trabalho dele é incontornável para quem queira fazer a história dos povos aqui da região: de Hong Kong, Macau, de Ghuangzhou. Foi um coleccionador tremendo, um investigador que acumulou dezenas de milhar de fichas sobre essas estórias, portanto é uma figura incontornável.
Era uma pessoa modesta, uma pessoa que não buscava protagonismo, as luzes da ribalta, mas era um investigador com uma obra fantástica. Ele trabalhou uma área que muito poucos historiadores trabalham, que são as pessoas, pessoas normais, os comerciantes e muitos outros. E isto é fundamental para a compreensão do que foi esta região nos últimos séculos.
Por tudo isto, para nós foi um prazer muito grande, e foi também um prazer ter podido honrá-lo numa altura em que isso ainda lhe deu prazer. Foi feito na hora certa, ainda saboreou a honra que lhe fizemos – e ele honrou-nos também por ter aceite.
Foi uma sessão bastante interessante, vieram amigos de todas as partes do Mundo: dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Austrália, que se reuniram naquela altura para testemunhar o ele receber o Doutoramento Honoris Causa da nossa Universidade e da Universidade Católica.”


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Bibliografia seleccionada

Das dezenas de livros artigos e intervenções do Reverendo Carl Smith destacam-se, porque mais populares e de maior tiragem, Chinese Christians (1985, reimpresso em 2005) e Studies in the Social and Urban History of Hong Kong (1985). Aqui ficam outras obras, algumas que dizem respeito a Macau:

“Americans Buried at Macao”, China: National Genealogical Society Quarterly 59, nº 2 (1971)

“A brief History of the Diocese of Hong Kong and Macao, 1849-1974”

“A look at Ching Feng over the past twenty-five years”: Ching Feng 25, nº 4 (1982)

“The Adaptation of the Protestant Church to a Chinese and Colonial Situation.” Chin Feng 26, nºs 2 & 3 (1983)

“An eighteenth-century Macao Armenian Merchant prince”: Revista da Cultura S. 3, nº 8 (2003)

“Muslims in the Pearl River Delta”: Revista da Cultura S. 3, nº 10 (2004)

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