1.4.08

Julgamento de atleta cabo-verdiano suspeito de violação começa hoje
Dura Lex

O jogador de futebol Samiro Soares começa hoje a ser julgado no Tribunal Judicial de Base acusado do crime de violação de uma jovem estudante de etnia chinesa, de nome Fai Kai. Um incidente com forte impacto mediático, social - e até cultural - que mexeu com a opinião pública está agora fazer um ano e meio. O PONTO FINAL tentou falar com advogados, amigos e familiares da ofendida e arguido, convites declinados com os argumentos de manter o princípio do"segredo de justiça" e de "não querer exercer pressões sobre a justiça através da comunicação social"

Alfredo Vaz

O fim-de-semana era de festa. Macau despedia-se de centenas de atletas e dirigentes do mundo lusófono que montaram quartel em Macau durante duas semanas desse Outubro de 2006. "Quatro Continentes, uma língua, unidos pelo desporto", foi o lema da 1ª Edição dos Jogos da Lusofonia, uma competição de características desportivas olímpicas, e ao mesmo tempo um festival multi-cultural.
Os objectivos desportivos e sociais tinham sido alcançados e, um pouco por todo o território, os atletas celebravam a participação, faziam as despedidas, guardavam as últimas memórias e trocavam contactos para mais tarde recordar. Dois locais em concreto monopolizavam nessa altura as preferências das delegações. Enquanto na Ilha da Taipa decorria em simultâneo a despedida das delegações, integrada na Festa da Lusofonia, na península de Macau o lugar escolhido era o Basement, um bar-discoteca da Avenida Sidónio Pais.
Samiro Soares tinha uma razão especial para celebrar: a equipa de Cabo-Verde, da qual é internacional no escalão de sub-23 anos na posição de defesa-central, acabava de conquistar a Medalha de Ouro no torneio de futebol dos Jogos da Lusofonia.
O dia, que era de festa, marcou o início de um grande pesadelo. Para ele, para a jovem com quem se envolveu, para familiares e para uma parte considerável da comunidade de Macau, tanto a lusófona como a chinesa.

O Segredo de justiça

O PONTO FINAL relembra os acontecimentos retratando a história com base em declarações de testemunhas ligadas a ambas as partes do processo. As únicas certezas, com base nas declarações da Polícia e do Ministério Público (ver caixa), são que Samiro Soares e Fai Kai estiveram no mesmo dia e à mesma hora na Discoteca Basement, ali tiveram relações sexuais na casa de banho dos homens e deixaram o estabelecimento de diversões, separadamente, e na companhia de amigos por volta das 5:00 horas sem que qualquer queixa tivesse sido feita ou apresentada, nem que a Polícia tivesse sido chamada ao local e sem que alguém tivesse dado conta de que algo de anormal ou grave tivesse acontecido.
No resto da história as versões de ofendida e arguido divergem: Fai Kai acusa Samiro Soares de a ter forçado a manter relações sexuais "em várias posições e durante mais de 15 minutos". O arguido reclama inocência, confirma ter consumado o acto sexual mas diz que foi consentido: uma história de sexo, apimentada pelo consumo de álcool e a euforia de ambiente de festa.
A queixosa diz ter ido à casa de banho e de ter sido puxada para o interior da zona privada onde foi manietada fisicamente e forçada a ter relações sexuais. O arguido diz ter ido ao encontro de Fai Kai à casa de banho porque interpretou um aceno com a cabeça por parte da queixosa como um 'convite' para um encontro de sexo casual, de circunstância.

Versões e contradições

Fai Kai e Samiro tinham amigos comuns (outros elementos da comunidade estudantil africana radicados em Macau), mas entraram separadamente na discoteca. Aliás, aqui introduz-se um outro dado discordante. Fai Kai disse a amigos que não tinha visto Samiro até ao encontro na casa de banho, o arguido tem versão oposta, corroborada - soube o PONTO FINAL - por uma das testemunhas apresentadas pela defesa que terá dito à Juíza de Instrução Criminal que viu a ofendida e arguido a dançarem juntos - em plena pista de dança (na presença das cerca de seis dezenas de pessoas que a essa hora ainda estavam naquele espaço de diversão) - "a beijarem-se no pescoço e abraçarem-se, a trocar carícias."
Ainda na divergência entre 'sexo consentido ou forçado', outro elemento de discordância diz respeito aos alegados pedidos de ajuda e tentativas de rejeição da ofendida aos avanços sexuais do arguido. Fai Kai diz ter gritado várias vezes "não" e pedidos de "ajuda e socorro", mas que ninguém a terá ouvido ou querido ajudar. Uma versão que não colhe do lado de quem acredita na inocência do arguido: "Se a casa de banho não tem uma parede separadora até ao tecto - entre o lado dos homens e das senhoras - como é possível que ninguém, naqueles 15 minutos, tenha ouvido ao apelos da rapariga. É possível que ninguém tenha ido ao WC naquele tempo? E se foi, como a própria ofendida confirma que ouviu barulhos vindos do compartimento anexo, porque razão ninguém interveio ou chamou a segurança?", interrogou-se ao PONTO FINAL uma fonte com conhecimento do processo.
Estranha-se também o facto de "como ter sido possível ninguém ter dado por nada (das cerca das cinco a seis dezenas de pessoas que estavam na discoteca a hora dos acontecimentos)" e da ofendida não ter apresentado queixa ou ter tido qualquer reacção nos momentos que se seguiram a ocorrência: "A ofendida diz que quando saiu da casa de banho voltou para a zona dos sofás onde foi ter com os amigos com quem tinha ido para a discoteca. E que não se manifestou para não incomodar as amigas. Como é possível alguém ter tanta capacidade de controlo emocional quando - alegadamente - tinha acabado de ser sujeita a uma experiência altamente traumática?", questiona-se a mesma fonte.
O julgamento começa hoje, passado quase ano e meio sobre a data do incidente.


*****


Cronologia dos acontecimentos

O incidente aconteceu na madrugada de 15 de Outubro de 2006, no Clube de Diversões (bar-discoteca) Lei Man, Basement, por volta das 4:30.
Os protagonistas, Fai Kai e Samiro Soares - agora identificados como Ofendida e Arguido - deixaram o estabelecimento de diversões, separadamente e na companhia, de amigos por volta das 5:00 horas sem que qualquer queixa tivesse sido feita ou apresentada nem que a Polícia tivesse sido chamada ao local e sem que alguém tivesse dado conta de que algo de anormal ou grave tivesse acontecido.
Algumas horas mais tarde, a ofendida, dirigiu-se ao Centro Hospitalar Conde de São Januário com o intuito de realizar um teste de HIV (Sida). Terá sido na sequência deste diligência que o obstetra accionou os mecanismos legais, dando início a investigação policial.
Ao final da manhã do mesmo dia 15 de Outubro a Judiciária foi ao Hotel onde estava instalada a selecção de futebol da Comitiva de Cabo-Verde a procura de Samiro Soares. O atleta não estava nas instalações tendo-se entregue as autoridades policiais, de livre vontade, ao início da tarde.
(...)
Dia-e-meio depois, 16 de Outubro, às 16:00 horas, Samiro Soares foi presente à Magistrada Judicial do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base da RAEM onde foi interrogado e constituído arguido.
Imediatamente a seguir ao depoimento do arguido, por volta das 17:30, a Juíza de Instrução ouviu a queixa da ofendida.
Ao final do dia, concluídos os primeiros depoimentos, A Magistrada Judicial decretou como medida de coacção para o arguido o Termo de Identidade e Residência, ficando o arguido a aguardar julgamento em liberdade com a proibição de ausência do território.
(...)
Entre os dias 17 e 22 do mesmo mês teve lugar a audiência das três testemunhas, uma apresentada pela ofendida, e outras duas apontadas pela defesa. Neste período deu também entrada o relatório do médico obstetra que, a 15 de Outubro, realizou o exame pericial.
(...)
A quinze dias de se assinalar um ano e meio sobre a data da ocorrência começa hoje, dia 1 de Abril, o julgamento, a partir das 11:30 da manhã, numa das salas de audiência do Tribunal Judicial de Base de Macau.

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