10.4.08

Maria José Freitas contra intenção do IACM em construir ponte entre Casas e o Venetian
"Não faz sentido"

Maria José Freitas comentou ao PONTO FINAL a intenção do IACM em construir uma ponte pedonal entre as Casas Museu da Taipa e o Venetian. A responsável pela reabilitação das moradias, em 1999, discorda do projecto

Marta Curto

"Uma ponte pedonal entre as Casas Museu da Taipa e o Venetian? Não me parece que tenha grande interesse. Acho que visualmente tem um impacto forte e não faz grande sentido naquele cenário". Maria José Freitas foi a responsável, entre 1997 e 1999, pela renovação das Casas Museu da Taipa que agora, segundo o Ou Mun, podem vir a estar ligadas ao Venetian através de uma ponte pedonal.
O jornal chinês cita Tam Vai Man, presidente do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), que adianta a intenção de estudar a viabilidade da infra-estrutura com as Obras Públicas. Ainda não há garantias de continuidade do projecto mas Maria José Freitas diz, desde já, que tanto visualmente, como ambientalmente, uma ponte teria um forte impacto no cenário que circunda as casas de 1921.
"Aquilo eram casas de praia, segundas casas que foram feitas à beira mar. E depois temos ali à frente o que resta da Baía da Esperança, que começou por ser uma reserva natural e que ainda hoje é destino de várias espécies de aves que vão ali nidificar em determinadas alturas do ano". O argumento do IACM é de trazer mais turistas à Taipa, e consequentemente às Casas Museu, mas nem isso convence a arquitecta. Apesar de ser a favor de um património 'vivido' e não só 'admirado', Maria José explica que as moradias já têm muita vida. "Eu acho que as casas não precisam disso, já é suficientemente habitado por várias comunidades. Também ali se realiza a festa da lusofonia, assim como vários acontecimentos importantes. E é curioso notar que vários casais chineses se casam na Igreja do Carmo segundo o ritual católico, independente dos rituais que possam vir a professar a seguir". A arquitecta diz que o local chega a ter mais de dois mil turistas por dia, pelo que não "vejo grande interesse em encher aquele sítio de tal maneira, que deixe de se sentir a tranquilidade que, neste momento, é notória".
Quando Maria José Freitas lançou mãos à obra, em 1997, viu as moradias em muito estado. O tempo, a formiga branca e o desmazelo não tinham ajudado a preservação do passado. As moradias já nem tinham portadas de madeira e, em seu lugar, tinha sido colocada caixilharia metálica. Com a ajuda de muita pesquisa no arquivo histórico e uma equipa que ia aprendendo todos os dias, a reabilitação demorou dois anos. "Cheguei a ensiná-los a pôr calçada à portuguesa, já que tínhamos elementos chineses na equipa". A inauguração aconteceu no dia 5 de Dezembro de 1999. "Eu rendo uma grande homenagem ao arquitecto Lança Cordeiro, que, na altura, trabalhava nos serviços de turismo e foi um dos grande apoiantes desta obra. Às vezes sentava-me com ele e olhávamos para a montanha, víamos a China do outro lado e as cegonhas a fazer um movimento pendular. Hoje a visão é outra, mas apesar de tudo aqueles degraus respiram uma calma, uma melancolia e um saudosismo. É uma satisfação ter proporcionado aquele ambiente".

Preservação tem de ser
feita com bom senso


"Macau é uma cidade curiosa onde tudo acontece ao mesmo tempo. Eu trabalhei aqui na preservação de alguns monumentos que estão incluídos na lista de património nomeadamente o teatro Dom Pedro V e as ruínas de São Paulo, e fico muito feliz por ver que estão de boa saúde". Há 20 anos que Maria José Freitas vive em Macau mas entre 2003 e 2005 esteve em Sintra a preparar o plano de estratégia da paisagem cultural de Sintra e do Palácio Montserrat na candidatura a património mundial da UNESCO. "Quando regressei a Macau gostei de ver que muitos bens inscritos na lista de património estavam bem preservados e que há uma preocupação do Instituto Cultural de Macau e da população em que isso se vá mantendo". A questão do envolvimento dos residentes é um dos grandes sucessos da classificação a património mundial, já que esta se limita a ser um "meio de transmitir às gerações futuras aquilo que herdamos e queremos transmitir em boas condições".
As Casas Museu da Taipa estão na mesma situação. Bem preservadas, bem habitadas, mas com falta de protecção. "As moradias estão numa zona excessivamente exposta e em frente está o Cotai. Penso que devia ser definida uma zona em redor daquela área". O que resta da Baía da Esperança podia ter essa função, de delimitar o que resta da tranquilidade de Macau do início do século XX.
Maria José Freitas não é, no entanto, contra a co-habitação entre a arquitectura moderna e o património histórico. "A cidade não pode permanecer estática no tempo, tem de evoluir, e aquilo que construímos hoje é o património do futuro". Um Cotai pode estar ao lado de casas de 1921, desde que o planeamento seja feito com antecedência, equilíbrio e bom senso. As condições com que o planeamento deve ser feito - e até o conceito de planeamento - é que não são tão óbvias em Macau. Maria José Freitas admite que a administração de Macau tem de ter em conta este equilíbrio, para não deixar que a arquitectura contemporânea abafe o património histórico. "Claro que quando falamos em arquitectura contemporânea falamos em arquitectura contemporânea de qualidade, e eu não sou apologista do copy paste. Não faz sentido vir para Macau fazer réplicas de Veneza, mas de resto podemos ter torres, prédios enormes. Tudo isto pode ser valorizável. O importante é que seja pensado, que tenha qualidade".
A questão do planeamento com antecedência é também uma das questões que envolve o famoso Farol da Guia e a sua asfixia. Mais uma vez, a arquitecta explica que a cidade não pode estar parada, a cidade evolui e, se o farol é realmente um elemento único e expressivo, também é verdade que Macau é pequeno. "Todos os projectos que sejam pensados para o perímetro do farol têm de ter isso em conta. O farol deve ser visto e deve ter vista, mas o território é escasso e qualquer perspectiva que se tenha num determinado ângulo, noutro pode não existir". Mas mesmo com este jogo de cintura e tolerância, o problema continua a ser o leite derramado. "Havia que ter definido os limites à partida, não era depois da população ter reclamado e de se ter gerado todo este contexto. Quando a Unesco estipula as zonas tampão não se pode considerar que a partir desse limite vale tudo". Era a tal questão de bom senso que deixa de existir quando o tempo não volta atrás, nem se podem deitar abaixo edifícios já construídos.



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Luís Amado, MNE português, não quer que "fique 'afogado' entre fileiras de prédios"
Portugal preocupado
com património em Macau


Na passada segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Luís Amado, anunciou que iria lançar um programa que inventariação, conservação e reabilitação do património da presença portuguesa no mundo. O projecto deve ser partilhado pelos ministérios dos Negócios Estrangeiros, Cultura, Educação e Economia, estando prevista a participação de instituições públicas e privadas.
A este respeito, Luís Amado disse, segundo a agência Lusa, que "mais do que preservar, Portugal tem, relativamente a Macau, que estar preocupado com a arquitectura da cidade para que o património cultural não fique 'afogado' entre fileiras de prédios".
Maria José Freitas comenta a afirmação, dizendo que aquilo que se diz em Portugal não difere muito do que é dito em Macau ou mesmo nos corredores da Unesco. "Até na Unesco a preocupação se manifesta, mas este é um problema das cidades em desenvolvimento, nomeadamente Sintra, onde a questão também se colocou. É um problema recorrente, a Unesco está atenta, e mais uma vez, digo que as cidades não podem parar, mas é preciso ter equilíbrio e bom senso para gerir a evolução".
Os olhos de Portugal estão nitidamente mais postos em Macau porque o problema é mais premente no território - por uma questão de espaço - do que em qualquer outro ponto da Ásia, onde a presença portuguesa também se faz sentir.
Goa, Damão e Diu são, para alem da RAEM, as zonas onde a influência portuguesa mais está patente e bem conservada, nomeadamente em igrejas, fortificações e casas coloniais. Na Tailândia, Filipinas e Sri Lanka também se encontram alguns vestígios portugueses, embora pouco visíveis. Na Indonésia e em Malaca, na Malásia, o património português encontra-se mais facilmente, já que foram pontos estratégicos das rotas de comércio, nomeadamente entre 1511 e 1641. Na Ilha de Sanchoao, onde foi primeiro sepultado o corpo de Francisco Xavier, hoje em Goa, ainda se encontra a pequena capela que servia de túmulo. E também em Pequim, Xangai e Hong Kong se vêm vestígios da presença portuguesa na Ásia através da arquitectura de algumas igrejas.

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