Alberto Estima de Oliveira morreu ontem, em Portugal, aos 74 anos
"Perde-se uma voz poética,
mas o Estima raia a eternidade"
"Perde-se uma voz poética,
mas o Estima raia a eternidade"
Alberto Estima de Oliveira, poeta que viveu vários anos em Macau, faleceu esta quinta feira, 1 de Maio, aos 74 anos, no Hospital da Luz, em Lisboa, após doença prolongada.
Estima de Oliveira nasceu na capital portuguesa em 1934, e aos 23 anos parte para Angola. Regressa a Portugal em 1975, deixando novamente o país em 1977, desta vez em direcção à Guiné Bissau. Poeta desde os 18 anos, Estima, como era carinhosamente tratado pelos amigos, tem participações nos Cadernos Vector II e III (no Huambo, Nova Lisboa) e na primeira Antologia de Poesia Africana de Expressão portuguesa, Kuzuela III (Luanda).
Macau cruza-se no destino de Estima de Oliveira quando, em 1982, chega ao território para trabalhar na Companhia de Seguros Bonança. Dois anos mais tarde muda-se para a recém criada Companhia de Seguros de Macau, onde mais tarde viria a ocupar o cargo de administrador, posto que só deixou em 2001 quando se reformou.
Foi já em Macau, que Estima de Oliveira viria a publicar o primeiro livro de poemas, “Infraestruturas”, em 1987. Esta seria, também, anos mais tarde(1999), a sua ultima obra editada no território, numa versão bilingue em português e em chinês.
Carlos Marreiros, amigo pessoal de Estima de Oliveira e ex-presidente do Instituto Cultural de Macau, recorda com saudade o poeta, mas sobretudo o amigo: “O Estima era uma pessoa que estava sempre de sorriso aberto, lembro-me das tertúlias artístico-culturais em que participámos nos anos 80”. Quem também relembra este gosto pelas tertúlias é o ex-director da Revista Cultura, Luís Sá Cunha: “Quem não se lembra das reuniões semanais do Estima, do Hélder Fernando, do Silveira Machado, entre outros, numa tasca chinesa perto da Rua da Felicidade?”
O poeta Alberto Estima de Oliveira deixa uma importante obra. Ao longo dos 20 anos que viveu no território, publicou quase uma dezena de livros. “O Estima era um poeta de Macau. Penso que se pode dizer que a voz interior da poesia dele nasceu aqui”, afirma Luís Sá Cunha. As vivências em Macau e África têm uma influência “decisiva” nos seus poemas, considera Carlos Marreiros. O arquitecto acrescenta: “Há um tropicalismo na poesia do Estima. É uma poesia desmaterializada, 'esqueletizada', estrutural, de versos curtos, quase gráficos, de conteúdo abstracto.”
Para Luís Sá Cunha, Alberto Estima de Oliveira “publicou o que tinha de publicar. Nem mais, nem menos. Nunca se deixou resvalar para ser um poeta de exotismos. Ele tinha um conceito elevado da arte poética. Perde-se uma voz poética, mas o Estima, em Macau, raia a eternidade.”
*****
Ana Paula Laborinho acompanhou os últimos momentos de Estima de Oliveira
“Estava em paz, muito sereno”
Ana Paula Laborinho, antiga Presidente do Instituto Português do Oriente (IPOR), acompanhou de perto os últimos dias da vida de Alberto Estima de Oliveira. Ao PONTO FINAL, Ana
Laborinho disse que estava ontem à tarde no quarto do Hospital da Luz, por volta das 16:00 horas (de Portugal), com a mulher de Estima, Maria Luísa, quando a equipa médica ‘confrontou’ a família com a difícil decisão de desligar a máquina de suporte vital que o mantinha vivo: “Estava muito em paz, muito sereno. A última vez que falei com ele foi na terça-feira, dia 22, mas desde este último domingo (dia 27) que ele estava com muitos sedativos e já não conseguia sequer abrir os olhos e comunicar com as pessoas(...) Estava com a Maria Luísa no quarto quando os médicos lhe puseram a questão de desligar a máquina. Ela chamou os netos, e eu deixei-os em família nesse momento de grande dor e privacidade.”
*****
Os poetas são eternos
Os poetas são eternos
O Alberto partiu. E com ele foi uma parte de nós. Momentos conjuntos e irrepetíveis. Noites longas de conversa, a descoberta de um vinho, um ângulo de mar, livros e música, até o sabor de uma carne grelhada que só ele sabia preparar. A meio da tarde surpreendia com um telefonema para ler um poema acabado de escrever (a caneta suspendia-se sobre um ofício e o olhar vogava ao correr da vida por cima dos telhados). O Alberto partiu e não mais teremos os fragmentos de papel que soltava do bolso, cheios de poesia, a sua poesia. Mas esta dor, este buraco negro da sua ausência é um pequeno egoísmo de quem gostaria de o agarrar ao finito tempo da nossa existência. O Alberto partiu para outros encontros. Outros o esperam. Deixou-nos a bênção da sua poesia. Eterna palavra. Os poetas não morrem. O Alberto foi de viagem. Até já, amigo, até já.
Ana Paula Laborinho
*****
Três poemas de Alberto Estima de Oliveira
por vezes acontece-me o silêncio
e nesse nada haver afasto-me de mim
então surpreendo-me no espanto
de não estar
não estando vou indo
na tal berma
as margens do caminho
esvoaço
geralmente ao entardecer
na claridade da noite
caminho sempre
a primavera existe
no mais profundo inverno
há um frio interior
que se transforma
com o calor do sangue
(rosas vermelhas)
In "O Diálogo do Silêncio", 1988
macau 22 horas
na noite amordaçada
cheia de luzes e nada
sobre montras de ilusão
fecham-se portas pesadas
onduladas
feitas de chapa de ferro
na rua estrita
cansada
abandonada de vida
soam passos de incerteza
pela ausente madrugada
nos olhos tristes
das casas
de sorrisos reduzidos
recortam-se silhuetas
nos postigos.
In "O Diálogo do Silêncio", 1988
sinto dentro de mim uma necessidade enorme de mover-me.
sair da pele que me cobre. reflectir o porquê desse vazio.
penso que só assim chegarei a alguma conclusão,
se porventura é disso que preciso.
é um exercício doloroso,
os músculos doem, as articulações estalam,
os ossos fundem-se na massa que os envolve,
perdem consistência.
a boca seca, a respiração irregular,
os olhos adquirem outra luz
alcançam horizontes de outra galáxia.
estou subindo uma montanha difícil
com estreitas veredas, precipícios enormes, muito verde,
cheia de perfumes silvestres.
alimento-me com a ideia dos pássaros
vou mascando as tenras folhas dos arbustos.
In "O Corpo Consentido", 1993