4.5.08

Dez anos após prisão de "Dente Partido"
Seitas perderam visibilidade

José Costa Santos *

A 1 de Maio de 1998 o rebentamento de um engenho explosivo no carro do director da Polícia Judiciária de Macau deixou marcas no final da administração portuguesa e definiu o início do fim da guerra das seitas.
A actividade criminosa estava no auge com dezenas de mortes nas ruas, fruto da guerra pelo controlo do já então lucrativo negócio dos casinos.
Cerca das 10:00 horas, António Marques Baptista saiu sozinho de casa para uma corrida matinal no monte da Guia. Seguiu num carro não identificado que estacionou com a porta do condutor encostada ao muro que sustenta a ladeira para o acesso ao circuito da Guia.
Saiu do veículo, abriu a porta traseira onde seguia o seu cão que fugiu levando o dono a afastar-se da viatura imediatamente antes desta explodir.
Aqui começam algumas dúvidas nunca explicadas no caso.
Marques Baptista era, segundo o próprio, um alegado alvo das seitas criminosas a operar em Macau e andava sempre acompanhado de um forte dispositivo de segurança.
Nesse dia não só saiu sozinho como também utilizou uma viatura diferente da habitual que, ou estava guardada na garagem da Polícia Judiciária, ou protegida por agentes da corporação no edifício onde o director vivia.
Outra dúvida levantada por quem acompanhou de perto o processo prende-se com o facto do cão de Marques Baptista, que este disse estar treinado para detectar explosivos, ter fugido quando o dono lhe abriu a porta da bagageira em vez de "estancar" ao farejar a bomba.
Também nunca se chegou a apurar a responsabilidade pela quebra de segurança que permitiu armadilhar um carro utilizado pelo dirigente máximo da corporação.
Queimado o carro e com Marques Baptista a salvo, o governo reuniu de emergência. Horas depois foi lançada uma operação para deter Wan Kuok Koi, conhecido como Pang Ngai Koi ou Dente Partido, o líder da seita 14 K, que seria localizado e preso dentro do hotel Lisboa quando jantava com amigos.
Com Wan Kuok Koi foram detidos outras figuras de topo da organização, a maioria dos quais acabaria julgada e condenada no então denominado "mega processo das seitas", um julgamento cujo final iria acontecer a menos de um mês do final da administração portuguesa, mas que acabaria por contribuir para pôr um ponto final na luta entre grupos rivais.
A primeira sessão do julgamento, com o juiz Alberto Mendes como presidente do colectivo, foi agendada para o final de Abril de 1999 mas a não notificação de quatro dos arguidos levou ao adiamento do seu início.
Alberto Mendes sublinhou na altura que, apesar do mediatismo do processo, o caso era como "qualquer outro onde se houvesse prova haveria condenação e, caso não fossem provadas as acusações, haveria absolvição".
A frase proferida pelo magistrado custou-lhe a não renovação da comissão de serviço e o respectivo afastamento do processo e de Macau.
Em sua substituição veio Fernando Estrela, o juiz que chegou, julgou e condenou.
Apesar de ter aceite o convite de Edmund Ho para permanecer na futura Região Administrativa Especial chinesa, criada a 20 de Dezembro de 1999, Fernando Estrela partiu em segredo para Portugal, devido a questões de segurança, conforme foi alegado mais tarde.
Apesar da complexidade do processo com mais de 3.000 páginas, o julgamento decorreu de forma rápida entre 11 de Outubro, data da primeira sessão, e 23 de Novembro, data da sentença, tudo no ano de 1999.
Fernando Estrela conduziu o julgamento em constante atrito com os advogados de defesa e com testemunhas que prestavam depoimentos contrários à tese da acusação (que levaria ao abandono da defesa de Wan Kuok Koi, a cargo do advogado Pedro Redinha) e terminou o processo com uma sentença de 15 anos de prisão a Wan Kuok Koi, pena que seria reduzida em um ano e dois meses num recurso no Tribunal de Segunda Instância.
Curiosamente, Fernando Estrela teve como auxiliares no julgamento Sam Hou Fai, o actual presidente do Tribunal de Última Instância, e Lai Kin Hong, o presidente da Segunda Instância, dois juizes ligados a recentes casos mediáticos de Macau, integrando o colectivo que condenou Ao Man Long, antigo secretário governamental, por corrupção, abuso de poder e branqueamento de capitais.
Dez anos depois, Wan Kuok Koi prepara-se para solicitar a liberdade condicional, cumpridos que estão dois terços da pena que lhe foi imposta, Fernando Estrela continua em Lisboa e Marques Baptista esteve nos últimos anos no estrangeiro, numa missão ao serviço do Estado português.
Na entrada da administração chinesa a 20 de Dezembro de 1999, a actividade das seitas já estava na normalidade, ou seja, já não era visível.
Os condenados cumpriram ou cumprem pena numa prisão de alta segurança, guardada por gurkhas nepaleses, e com o passar dos anos, aquele que foi o processo mais mediático da presença portuguesa só pode ser comparado com a actualidade através da sentença "exemplar" e perto do máximo (para os crimes praticados) como foi a do ex-secretário Ao Man Long, recentemente condenado a 27 anos.

* Jornalista da Agência Lusa

Edições Anteriores

Arquivo

DIRECTOR Paulo Reis REDACÇÃO Isabel Castro, Rui Cid, João Paulo Meneses (Portugal); COLABORADORES Cristina Lobo; Paulo A. Azevedo; Luciana Leitão; Vítor Rebelo DESIGN Inês de Campos Alves PAGINAÇÃO José Figueiredo; Maria Soares FOTOGRAFIA Carmo Correia; Frank Regourd AGÊNCIA Lusa PUBLICIDADE Karen Leong PROPRIEDADE, ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Praia Grande Edições, Lda IMPRESSÃO Tipografia Welfare, Ltd MORADA Alameda Dr Carlos d'Assumpção 263, edf China Civil Plaza, 7º andar I, Macau TELEFONE 28339566/28338583 FAX 28339563 E-MAIL pontofinalmacau@gmail.com