14.5.08

Conselho Executivo concluiu a apreciação da revisão da Lei do Recenseamento Eleitoral
Cuidado com as tentações

Os deputados eleitos vão ter de deixar o lugar se a lista a que pertencerem for condenada por corrupção eleitoral. Esta é uma das principais novidades introduzidas na proposta de lei eleitoral. A Secretária Florinda Chan considerou que este não é o momento oportuno para o sufrágio directo

Alfredo Vaz

O Conselho Executivo concluiu a apreciação da revisão da Lei do Recenseamento Eleitoral, Lei Eleitoral para o Chefe do Executivo e Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa (AL). As propostas serão agora entregues à AL para apreciação e votação.
Em conferência de imprensa realizada ao início da tarde de ontem o porta-voz do Conselho Executivo, Tong Chi Kin, referiu que o Executivo da RAEM recolheu um total de 7468 opiniões referentes aos nove pontos em auscultação durante a consulta pública das três leis eleitorais, sugestões provenientes de diversos sectores da sociedade. Deste total, 86,5 por cento (6458) concordaram com o documento posto a auscultação, acrescentou o mesmo responsável, sublinhando que este resultado demonstra que a opinião dominante apoia o espírito e o “esforço para elevar a qualidade das eleições e promover solidamente a democracia”. Segundo Tong Chi Kin, no cômputo geral as opiniões centraram-se nas questões respeitantes ao reforço no combate à corrupção nas eleições e no recenseamento eleitoral, entre outras.
Após o encontro com o porta-voz do Conselho do Executivo, também a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, e os representantes dos Serviços para a Administração e Função Pública e do Gabinete para a Reforma Jurídica realizaram uma conferência de imprensa.
De acordo com o documento apresentado, é sugerida a aplicação do “regime de responsabilidade solidária” e do “mecanismo de eleito inválido”. Assim, caso o elemento de uma lista candidata seja condenado em Tribunal, além do eleitor envolvido ter que assumir a respectiva responsabilidade criminal, o acto da eleição respeitante a essa candidatura será considerado inválido e as vagas resultantes desse facto serão preenchidas através de eleição suplementar. Contudo, tal não impede que o elemento da lista se venha a candidatar novamente. Sustenta-se também que deve ser bem ponderada a introdução do regime de “inclusão de motivos que possam excluir a culpa”, prevenindo casos em que malfeitores se aproveitem deste regime para culpar inocentes, agravando-se a pena relativa à denúncia caluniosa. Além disso, prevê-se também a protecção da identidade do “arrependido” através da aplicação do regime de segredo de justiça.
No que diz respeito a actos ilícitos eleitorais, nomeadamente aqueles que constituam crimes, a proposta sugere o agravamento da pena. Entre estes contam-se os actos ilícitos que envolvam corrupção, cuja multa não poderá substituir a pena de prisão. Ainda neste plano, a proposta sugere que as penas de alguns actos ilícitos sejam agravadas para oito anos de prisão.
No que toca ao desenvolvimento progressivo do regime democrático, Florinda Chan reiterou que a revisão das três leis eleitorais tem como principal objectivo enquadrar os dois actos eleitorais que se realizam no próximo ano, bem como elevar a qualidade geral dos eleitores, razão pela qual é uma das mais importantes reformas na promoção do desenvolvimento político. Por outro lado, salientou a mesma responsável, a postura do Governo da RAEM sempre se pautou pelo estudo detalhado do desenvolvimento do regime democrático. Assim, segundo a secretária para a Administração e Justiça, as opiniões dos vários sectores da sociedade servem de base a uma proposta consensual e, em tempo oportuno, permitem criar os mecanismos necessários para acompanhar os respectivos trabalhos.


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Deputado Pereira Coutinho e jurista Nuno Lima Bastos comentam
Oportunidades perdidas

Alfredo Vaz

O deputado José Pereira Coutinho disse ao PONTO FINAL entender que há uma ligação directa entre o conteúdo das propostas apresentadas pelo Executivo e o ‘caso’ Ao Man Long. O legislador considera que o Executivo “perdeu credibilidade e margem de manobra” para ‘negociar’ com o Governo Central em Pequim a introdução de reformas no sistema de democratização da RAEM. Em declarações a este jornal, Pereira Coutinho começou por lamentar que “não se tenham dado passos significativos no sentido de, pelo menos, aumentar mais lugares de deputados eleitos por sufrágio directo e reduzindo de sete para cinco os nomeados. Isto porque nos últimos quatro anos, o nível de intervenção cívica da população aumentou, em termos de participação politica, o que é demonstrado pelo aumento do número de lista”, considera o deputado.
Para Pereira Coutinho, perdeu-se uma boa oportunidade :” é evidente que a população lamenta, todos nós lamentamos, é uma pena que este Governo não tenha a coragem de apresentar essas opiniões ao Governo Central, muito por culpa da perda de credibilidade registada com o caso Ao Man Long, que retirou margem de manobra ao Executivo, em termos de apresentação de propostas para o aumento da representação, da implementação do sistema democrático. O Governo perdeu confiança em si próprio, perdeu credibilidade e margem de manobra de fazer endossar, em nome da população de Macau, as propostas credíveis e justificáveis para o aumento do número de deputados para a Assembleia Legislativa, e aumento do Colégio Eleitoral que elege o Chefe do Executivo
Por outro lado disse que “não se devem misturar alhos com bugalhos, camuflando as situações mais importantes e que têm a ver com avanços do sistema democrático, com os problemas registados com a corrupção eleitoral.” Na opinião do deputado, essas propostas já deviam ter sido apresentadas há muito tempo, antes mesmo das eleições de 2005 “a fim de evitar a corrupção eleitoral. Trata-se de questões técnicas no âmbito do direito penal que deviam já ter sido resolvidas no passado.”
Pereira Coutinho lamentou ainda que não se tivesse aproveitado esta revisão legislativa para aumentar o número de pessoas que figuram no Colégio Eleitoral para a eleição do Chefe do Executivo. Do Colégio fazem parte 300 votantes, número que o deputado queria ver aumentado para, pelo menos, o dobro:”Propusemos um aumento de 100 por cento, tendo em consideração o aumento da capacidade cívica da população, que é cada vez mais participativa.

“A montanha pariu um rato”

“É muito pouco, é muito pouco”, desabafou o jurista Nuno Lima Bastos quando ouvido pelo PONTO FINAL, ontem.
O jurista resume, considerando que se perdeu uma grande oportunidade: “ A Secretária Florinda Chan, disse que só houve uma ou duas opiniões no sentido do sufrágio directo... Pois, provavelmente uma delas é minha. O que se passa é que o próprio conteúdo do projecto que foi submetido a auscultação pública, acabou por limitar a participação das pessoas: nesse projecto, não se previa, em lado nenhum, qualquer alteração do sistema em termos de alteração do sufrágio directo, ou termos de alargamento do Colégio Eleitoral que elege o Chefe do Executivo. Não houve qualquer margem de abertura para isso, e as opiniões das pessoas acabaram por se concentrar naquilo que já era o conteúdo da proposta inicial do Governo."
Pegando nos números do Governo, e para um total 7468 opiniões relativas aos nove pontos em auscultação, “se apenas se extrair de útil os pequenos aspectos referidos, sendo que o mais relevante é aquele que me parece relativamente óbvio, que é, em relação à corrupção eleitoral, os deputados eleitos perderem o lugar e ter de haver uma eleição suplementar – um ponto que me parece tão óbvio que devia ter constado do documento inicial – só se retirar isto, e um ou outro pormenor pequeno (...) é só isto que se retira em quase 7500 opiniões, então a montanha pariu um rato. É muito pouco, é muito pouco.”
Nuno Lima Bastos ‘alerta’ ainda para o que considera ser “uma coisa curiosa. Diz-se que 86 por cento das pessoas concordaram com o documento mas eu fico sem saber se os outros 13,5 por cento correspondem a estas pequenas alterações, ou se incluem outras coisas que não constavam do documento, nomeadamente se afinal se dentro dessas mil opiniões (13,5%) existem estas pequenas alterações, ou se existem umas quantas a pedirem mais abertura do sistema em termos democráticos, e se não são apenas uma ou duas como a Dra. Florinda Chan acabou por dizer. Essa é uma dúvida com eu fico.”
Lima Bastos repetiu - e por várias vezes - que “se perdeu uma oportunidade, que se devia ter ido um pouco mais além, não era preciso fazer uma revolução, pelo menos dar-se mais um passo, fazer-se aquilo que se fez de 2001 para 2005 – que foi aumentar mais dois deputados eleitos directamente, e mesmo assim uma coisa minúscula – e que obviamente não colide em nada com estas medidas de combate à corrupção, uma coisa não invalida a outra. Aliás eu recordo que em Hong Kong metade do LEGCO 30 em 60 deputados já são eleitos directamente pela população.”

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