Executivo apresentou novas leis eleitorais na AL
Oportunidades perdidas
Muita parra, pouca uva. Os deputados queixaram-se de que o Governo perdeu uma boa oportunidade para implementar alterações concretas à lei eleitoral. A presidente da AL deu três ‘puxões de orelha’ aos representantes do Executivo: dois por interpretações e alusões incorrectas e desnecessárias à Lei Básica. Um último pela demora na apresentação dos diplomas ao hemiciclo
Alfredo Vaz
Oportunidades perdidas
Muita parra, pouca uva. Os deputados queixaram-se de que o Governo perdeu uma boa oportunidade para implementar alterações concretas à lei eleitoral. A presidente da AL deu três ‘puxões de orelha’ aos representantes do Executivo: dois por interpretações e alusões incorrectas e desnecessárias à Lei Básica. Um último pela demora na apresentação dos diplomas ao hemiciclo
Alfredo Vaz
A Secretária para a Administração e Justiça esteve ontem à tarde na Assembleia para apresentar os três projectos de alteração da legislação das eleições. Os diplomas, que foram alvo de auscultação pública, introduzem algumas novidades, nomeadamente no combate à corrupção, uma das disposições obriga os deputados eleitos a abandonarem o cargo caso a lista porque foram eleitos seja condenada por corrupção eleitoral. Também as penas por acto ilícito são agravadas para oito anos.
Ng Kuok Cheong abriu a fase de perguntas (foi o deputado mais interventivo na sessão de ontem contabilizando cinco intervenções) perguntando se a nova lei para a eleição do Chefe do Executivo não abrirá portas ao clientelismo e à corrupção: ”Alguns candidatos são eleitos para a comissão por via do sufrágio indirecto e podem receber subsídios. Por exemplo: um Secretário confere grandes subsídios a uma determinada associação cujos membros podem depois ser constituídos membros do Colégio Eleitoral que por sua vez vai eleger o Chefe do Executivo. Como se pára estas situações, este tipo de clientelismo”, perguntou Ng Kuok Cheong.
Florinda Chan disse haver uma série de novas regras, frisando que há uma série de novas normas muito específicas em que se exige descriminação de todas as receitas e despesas das pessoas colectivas ou individuais que apoiem os candidatos a Chefe do Executivo ou que venham a fazer parte do Colégio Eleitoral que elege o responsável máximo da RAEM.
A Secretária referia-se aos artigos 106 ‘A’ e 106 ‘B’, cuja redacção refere “acrescentar-se a criminalização de dois tipos de ilícitos relativos à propositura ou não propositura e à designação ou aceitação como eleitor, ambos com pena de prisão de um a cinco anos.”
Susana Chou fez então a sua mais longa intervenção, dizendo achar que a sociedade não vai acolher bem estas sugestões do Executivo: “Assim não vamos ter Secretários ou outros dirigentes a candidatarem-se,” considerou a presidente da AL. Para perguntar:’
Quer dizer que a partir de amanhã os dirigentes têm que parar de ter contactos com as associações?.” Susana Chou disse ainda que as respostas da Secretária não satisfaziam as perguntas dos deputados, e avançou ela própria com um exemplo concreto: “O director do Instituto de Acção Social reúne todos os dias com diversas associações a quem tem que atribuir subsídios. Quer isto dizer que não pode concorrer no futuro? Temos que esclarecer bem ou caso contrário arriscamo-nos a não ter candidatos no futuro. Sem dúvida que temos que combater a corrupção, mas não desta maneira. Não se podem confundir as questões”, rematou Susana Chou.
A democratização dos sistema eleitoral, e o número de deputados a serem eleitos por sufrágio directo foi outros dos pontos que mereceu debate. Florinda Chan disse que para se mexer na legislação teria de ser alterado o anexo 2 da Lei Básica. A explicação foi prontamente contrariada pela Presidente da AL. Susana Chou lembrou que a alteração ao método de eleição não implica qualquer alteração à Lei Básica, mas que para tal basta a aprovação por dois terços dos deputados. Susana Chou disse que “gostaria de aproveitar a oportunidade para esclarecer a questão”, que tem suscitado algumas dúvidas na praça pública. Continuou a presidente da AL: ”A lei eleitoral tem que ser apresentada pelo Governo com consentimento do Chefe do Executivo. E quando assim for, será apreciada pelo hemiciclo, podendo ser aprovada por esta casa se dois terços dos deputados votarem a favor. Ou seja, não é preciso alterar o Anexo 2 da Lei Básica”, esclareceu Susana Chou.
O deputado Pereira Coutinho, um dos legisladores que mais reivindica a democratização urgente do sistema eleitoral, referiu-se ainda ao que considera ser “a injustiça” que obriga os funcionários públicos a renunciarem ao cargo se quiserem candidatar-se ao cargo de Chefe do Executivo. Para o deputado, tal contraria o artigo 26 da Lei Básica que confere aos residentes permanentes o direito a candidatarem-se a e a serem eleitos. Florinda Chan respondeu que todos os cidadãos – funcionários públicos incluídos - são iguais e têm os mesmos direitos perante a lei
Novas associações, velhos costumes
A Proposta de lei intitulada Alteração à Lei do Recenseamento Eleitoral esteve quase hora e meia em debate no hemiciclo.
O ponto 2, alínea ‘A” da alteração à Lei do Recenseamento Eleitoral propõe a elevação dos requisitos do recenseamento eleitoral das pessoas colectivas de modo a “preservar a seriedade do exercício dos direitos políticos por parte das mesmas.”
O aperfeiçoamento do regime de reconhecimento da pessoa colectiva como pertencente a determinado sector, ou seja, prevê-se que só possam requerer ser reconhecidas como pertencentes ao respectivo sector as pessoas colectivas que tenham adquirido personalidade jurídica há pelo menos três anos e que só podem requerer a sua inscrição no recenseamento as que quer tenham sido reconhecidas como pertencentes ao respectivo sector há pelo menos quatro anos.
Quanto às novas associações, que ainda não viram o seu pedido reconhecido, vão ter que aguardar, disse na plenário José Chu, director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP).
E foi precisamente a obrigatoriedade das associações - pessoas colectivas - estarem registadas há pelo menos sete anos que motivou uma acesa discussão entre deputados e deputados, incluindo a presidente da AL.
Florinda Chan referiu que no diploma que regula a matéria “vamos introduzir alterações de forma clara.” Para acrescentar que os “procedimentos eleitorais têm em conta casos do passado, os eleitores singulares têm que ter pelo menos sete anos de residência em Macau, é esse o princípio para as associações”, disse Florinda Chan.
Ng Kuok Cheong insurgiu-se contra as explicações da Secretária e do director dos SAFP, dizendo que este é um direito politico salvaguardado na Lei Básica, não um direito de associação. “Em 2008, repentinamente, as novas associações ficaram a saber que vão ter que esperar mais quatro anos para se inscreverem. Este é mais um entrave à sua participação nas eleições. Parece que há intenção do Governo em favorecer as associações já inscritas e em prejudicar as novas, porque – de facto – só daqui a quatro anos é que haverá uma mudança radical”, lamentou o deputado.
Um jurista ouvido pelo PONTO FINAL diz que o raciocínio do deputado faz sentido, concordando com a conclusão do legislador de que “com esta medida o Executivo está a querer travar o surgimento de novas associações.” Segundo este operador de direito, “o critério dos sete anos faz sentido para pessoas individuais - para residentes permanentes – mas não faz sentido para pessoas colectivas. Isto é uma abstracção”, considerou o mesmo jurista.
Não citar a Lei Básica em vão
Florinda Chan saiu em defesa da medida agora proposta pelo executivo para a eleição das pessoas colectivas dizendo que este se baseia no espírito do artigo 26 da Lei Básica. Mas a referência da Secretária mereceu uma advertência pronta e séria da presidente da Assembleia Legislativa. Susana Chou disse que o Governo está no seu direito de fixar o prazo de sete ou mesmo de 10 anos para o reconhecimento das associações mas pediu:”Por favor, não relacionem a matéria com a Lei Básica, caso contrário as consequências podem ser graves”, advertiu.
Juízes em causa própria
Segundo explicação da Secretária a revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa tem como objectivo principal adoptar medidas eficazes para garantir a publicidade, a justiça, a imparcialidade e a incorruptibilidade nas eleições. No pressuposto de garantir a justiça e a imparcialidade, são aperfeiçoados o processo eleitoral e a organização das operações da votação de modo a dar maior facilidade aos eleitores e elevar a eficácia Na presente proposta de lei propõe-se o seguinte: reforço do mecanismo de gestão; reforço do combate à prática de actos de corrupção eleitoral: destacando-se o agravamento para pena de prisão de 1 a 8 anos, a pena relativa à prática de crimes de corrupção eleitoral, em vez da actual de 1 a 5 anos.
O primeiro a usar da palavra foi o deputado David Chow que falou numa “situação de desconforto, havendo no hemiciclo deputados eleitos e nomeados, alguns com vários mandatos. Pergunto, então no passado, será que houve corrupção, será que alguém dos que estamos aqui sentados, foi eleito de forma corrupta?”, deixou no ar David Chow. O deputado disse não se sentir à vontade, e referiu mesmo poder vir a apresentar uma proposta que – em futuros actos eleitorais – lhe poderá ser desfavorável, acabando no entanto por não especificar, ainda que tenha lembrado que no último acto eleitoral quase não foi eleito pela via a que concorreu, sufrágio directo. David Chow considerou ser necessário estabelecer no futuro uma plataforma para a eleição dos deputados por via indirecta.
As observações dos deputados em matéria de revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa não tiveram resposta por parte de Florinda Chan.
Mas a sessão terminou com mais um reparo da presidente da AL que se queixou do prazo limitado de dez dias que os deputados têm agora para apreciarem as três leis eleitorais. No terceiro ‘puxão de orelhas’ do dia aos membros do Executivo (depois das duas referências à Lei Básica) Susana Chou pediu ao Executivo que da próxima vez apresse a apresentação dos diplomas, referindo que os deputados vão ter de “trabalhar dia e noite” para poderem fazer uma apreciação credível e cuidada “como é nosso empenho e obrigação.”
David Chow ‘colou’ uma última opinião à observação da presidente da AL referindo que os deputados “não podem trabalhar sob pressão. Não podemos trabalhar precipitadamente, temos que ponderar muito bem”, finalizou o deputado.
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Vítimas do terramoto de Sichuan evocadas na AL
Um minuto de silêncio
Vítimas do terramoto de Sichuan evocadas na AL
Um minuto de silêncio
Boa parte dos deputados trajou de negro, ao entrar-se ontem no hemiciclo sentia-se um ar de pesar. A AL associou-se em plenário aos três dias de luto nacional decretados pelo Conselho de Estado Chinês e que o Governo da RAEM decidiu respeitar.
Três deputados, em nome de sete colegas, fizeram uma intervenção antes do Período de Antes da Ordem do Dia. Mas outros houve que manifestaram a intenção de intervir, não o fazendo apenas por economia de tempo de uma sessão que se adivinhava longa, extensão no tempo que se veio a concretizar.
Em sentido lato, os deputados louvaram o espírito de solidariedade e de união, as acções de apoio, a angariação de fundos e o humanitarismo a nível mundial. Mas também houve perguntas sobre a capacidade de resposta que a RAEM terá na eventualidade de ser atingida e afectada por uma catástrofe de grandes dimensões. Por unanimidade os deputados votaram uma proposta apresentada pelo deputado Chui Sai Cheong para que se respeitasse um minuto de silêncio pelas vítimas do sismo com epicentro na província de Sichuan. Cumprido o gesto de luto, iniciou-se uma longa maratona de quase seis horas, que abriu com acusações veladas - porque sem se mencionar directamente ‘o’ ou ‘os’ visados – por parte do deputado Tsui Wai Kwan, em nome dos colegas de hemiciclo Lao Pun Lap e Ieong Tou Hong.
Tsui Wai Kwan disse que nos últimos anos “são frequentes as opiniões extremistas nesta câmara, com as formas de expressão mais brutas, nomeadamente nestas últimas reuniões, o que para nós é lamentável!” Tsui Wai Kwan prosseguiu dizendo que alguns deputados gostam de empregar “terminologia de ataque e extremistas, tudo o que dizem é contra o Governo, gostam de insultar e de atacar verbalmente os que têm posições diferentes das suas, a fim de, através dessas atitudes, agradar e conquistar a confiança da população.” Passando a exemplos concretos, Tsui lembrou que numa dessas intervenções afirmou-se em plenário que “o sistema judiciário está a ruir de podre”, uma expressão que no entender do deputado “constituiu uma grave injúria e desrespeito à dignidade do poder judicial.” Tusi Wai Kwan considerou haver “inúmeros exemplos deste tipo, sendo impossível listá-los a todos.” Ainda assim deu mais um exemplo do uma expressão que considerou sem fundamento e difamatória, uma intervenção em que o deputado em causa (do qual Tsui não referiu o nome, mas que se sabe ter sido Ng Kupk Cheong) utilizou oito caracteres chineses para o título da sua intervenção Abandonar as ilusões e preparar-se para a luta. Num tom de voz que denotava indignação Tsui disse que “há que respeitar minimamente as pessoas. Até os miúdos da escola primária sabem esse principio. Porque é que os deputados não têm educação? Como é que conseguem lançar pela boca fora termos tão rudes e de mau gosto como ‘sacana’ e ‘governantes de caca’ nas reuniões plenárias ? A única explicação é quererem atingir objectivos políticos com este tipo de comportamentos”, considerou o deputado.
A intervenção de Tsui Wai Kwan não foi rebatida por qualquer dos deputados ‘veladamente visados’, nomeadamente Ng Kuok Cheong e Au Kam San, os representantes da Associação do Novo Macau Democrático.
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Trio de deputados contra eliminação de órgão de policia criminal da Direcção dos Serviços de Economia
“Cinco anos de silêncio”
Trio de deputados contra eliminação de órgão de policia criminal da Direcção dos Serviços de Economia
“Cinco anos de silêncio”
A sessão da AL já ia longa, com quase cinco horas de discussão, quando os deputados se debruçaram sobre o quarto ponto da agenda de trabalhos: discussão e votação na especialidade da lei que revoga as disposições legais relacionadas com a qualidade de autoridade de polícia criminal e de órgão de policia criminal no âmbito da Direcção dos Serviços de Economia (DSE). Apesar do ‘desgaste’ da extensão da apreciação das três leis eleitorais, houve ainda energia para discutir o que parte considerável dos deputados considera ser a falta de fiscalização, nomeadamente ao nível do controle de qualidade dos produtos alimentícios à venda no comercio a retalho ou servido nos estabelecimentos de restauração da RAEM.
A opção do executivo é no sentido de centralizar os poderes deste órgão de policia criminal nas autoridades policiais com funções de investigação criminal, havendo assim a necessidade de retirar a qualidade de autoridade de policia criminal do órgão de policia criminal da DSE.
Três deputados votaram contra na apreciação na generalidade a 29 de Fevereiro: Pereira Coutinho, Ng Kuok Cheong e Au Kam San; outros nove abstiveram-se, incluindo Kwan Tsui Hang, presidente da primeira comissão permanente que apreciou este lei (facto que mereceu elogio público do deputado Leonel Alves “pela forma isenta como a deputada conduziu os trabalhos, apesar de não ser a favor da lei.”
Os deputados discordantes queixam-se de dois factores: da eliminação da policia de economia traduzir-se na ausência de uma fiscalização efectiva, e da norma administrativa que regulamentou a ‘retirada da qualidade de autoridade de policia criminal e de órgão de policia criminal da DSE’ ter sido escondida dos deputados durante quase cinco anos.
Ao PONTO FINAL o deputado Pereira Coutinho disse que “a careca só foi descoberta quando a lei veio para apreciação na Assembleia. Mas isso só aconteceu cinco anos depois da introdução do regulamento administrativo: foi introduzido em 23 de Junho de 2003, chegou à comissão da assembleia em 29 de Fevereiro deste ano.”
Pereira Coutinho requereu informações junto do Governo a 21 de Janeiro deste ano e recebeu resposta dois meses e meio depois, a dois de Abril. Na opinião do deputado a resposta é clara quanto à “inércia do actual sistema” e à necessidade de manter a policia da DSE: de Junho de 2003 até 31 de Dezembro de 2007 foram instaurados pela Direcção de Investigação das Actividades Económicas (DIAE) 178 processos de investigação. Destes, 13 casos foram participados ao Ministério Público e 17 casos participados à Policia Judiciária para prosseguimentos. No entanto, a DIAE refere que “no mesmo período não têm instaurados processos de inquéritos em questão”, lê-se no último ponto à interpelação de deputado. Por isso Pereira Coutinho lamenta o que considera ser “cinco anos de silêncio inexplicáveis.”