Exposição mostra as fotografias do artista na China, em 1982
Warhol num país nada Pop
Warhol num país nada Pop
Andy Warhol está de volta à China. O artista que celebrizou a Pop Art é a figura central de um exposição das fotos que o seu fotógrafo pessoal, Christopher Makos, fez de Warhol quando este visitou pela primeira e única vez a China, em 1982.
Intitulada "Andy Warhol na China", a exposição estreia-se a nível mundial nos dois espaços da editora Timezone 8 no país, (no espaço 798, de Pequim, e na galeria M50, de Xangai), no próximo dia 24 (sábado), e fica patente até depois dos Jogos Olímpicos de Pequim, que se realizam de 8 a 24 de Agosto.
Christopher Makos estará em Pequim no dia 24 de Maio e em Xangai no dia 31 do mesmo mês, para o lançamento das exposições e do livro no qual aborda a experiência enquanto fotógrafo de Warhol.
No dia 25 de Maio, Makos é o orador de uma conferência sobre "Andy Warhol na China", marcada para as 17 horas, no Ullens Center for Contemporary Art Sunday.
A acompanhar a exposição, a Timezone 8 vai lançar um livro de grande formato, a publicar em Hong Kong, para o qual o artista chinês Ai Wei Wei assina um texto introdutório (ver caixa).
Quanto a esta exposição, segundo a descrição da própria organização, trata-se de um conjunto de "cenários icónicos de uma completamente diferente Pequim", todos a preto e branco, com Andy Warhol a servir de figurante, junto ao retrato de Mao na Praça de Tiananmen, na Muralha da China, na Cidade Proibida ou no quarto do hotel.
Nestas fotografias, Warhol surge distante da celebridade que os paparazzi nova-iorquinos desesperadamente tentavam captar. Aqui, o artista é um mero estranho, irreconhecível, apenas mais um turista curioso numa cidade longe dos estereótipos capitalistas de Nova Iorque.
E é precisamente neste aspecto que reside uma das grandes ironias desta série de fotografias: vermos Andy Warhol, que abraçou o capitalismo e os seus códigos, a cultura de massas e popular, numa cidade despida de quaisquer referências comerciais. Não há nomes de marcas, anúncios, carros de luxo, restaurantes, estrelas de cinema. Tal não acontece hoje em dia.
Contudo, Warhol pressentiu em 1982 que o futuro ia transformar Pequim. "Quando perguntei a Warhol o que ele achava de Pequim não ter um McDonalds, respondeu-me: 'Oh, vai ter...'", conta Makos.
O fotógrafo diz que Warhol iria gostar da Pequim e Xangai de hoje. "O 'glamour', o luxo, as pessoas bonitas, os brinquedos e a vida nocturna. Ele sentir-se-ia em casa."
Texto de Ai Wei Wei de introdução ao livro "Andy Warhol China 1982 - As fotografias de Christopher Makos"
"Andy Warhol deixou abruptamente a cidade e as pessoas que lhe eram familiares, os sons, as cores e o seu calor, há mais de 20 anos. No momento em que desapareceu, o mundo mudou. Não foi uma flecha lançada pela força de um arco, mas sim um arco (e o mundo que o segurava) que caiu, separando-se da flecha, num único instante e para sempre.
Tudo na vida de Andy parecia pretensioso, um caleidoscópio de cores e extravagância. Tal como um profeta que consegue ver para lá dos limites do tempo, muito antes de a época que antevira ter chegado, qualquer coisa no seu campo de visão parecia aumentada, reproduzida sem limites e, como tal, esvaziada de qualquer emoção, mentalmente fragmentada. O Tempo e o Homem podiam, de forma igual, parecerem esplêndidos e extraordinários, ou insignificantes.
Andy vivia ligado a um mundo cheio de incertezas, ainda que esse mesmo mundo suspeitasse ou desconfiasse dele. Até ao momento final, ele e esse mundo partilharam um ressentimento difícil de definir; temporariamente juntos, e provavelmente separados para sempre, algo como uma sentença original que escapou mas que voltou para ser engolida, e tudo o que deixou para trás foi uma sensação de espanto e admiração.
Mas o absurdo é que um dia, em 1982, Andy chegou por coincidência a esta nação pouco familiar. Aqui, as pessoas ainda viviam embebidas nos artifícios do governo comunista, todos os rostos vestiam a mesmo simples timidez. Por estas coordenadas geográficas, nem uma única pessoa expressava qualquer interesse no artista. Ninguém reconhecia aquela face feita máscara infame no resto do mundo. E, apesar de Andy ter feito inúmeros retratos de figuras famosas, a mais famosa delas todas era, ironicamente, a representação arquetípica do líder nacional da transição na China, um retrato que ele pintou centenas de vezes. O ubíquo retrato fez com que Mao Tse-tung fosse olhado como um deus, na China. Contudo, na representação de Andy, a força alegórica do retrato de Mao era convencional, a sua enormidade fora transformada em neutra, fora objectivada, esvaziada do seu valor moral, bem como da sua intenção estética.
A China era um lugar pouco familiar para Andy, com uma rotina que ele não conseguia compreender. Estava no lugar errado, no tempo errado.
Só podia admirar-se com o comprimento da Grande Muralha, e até disse que os uniformes e a forma de vestir dos milhares que viu enformavam a sensibilidade da moda que ele perseguia. Mas ele nunca, por uma vez, acreditou que um mundo sem McDonalds pudesse ser agradável e generoso; tal como aos olhos de uma criança, um mundo sem McDonalds não pode ser um bom lugar - independentemente do que tenha. Numa era em que o ping pong e os pandas eram reverenciados como objectos sagrados, havia muitas coisas ausentes... Não havia batons, música pop, luzes néon, clubes nocturnos, homossexualidade, automóveis pessoais ou apartamentos e, claro, luxo ou corrupção. Aquela população simplesmente ainda não tinha enriquecido.
O mundo de hoje e o mundo no tempo de Andy são, essencialmente, os mesmos. São espantosamente lindos, elegantes ou suaves, e igualmente perfeitos. A diferença é que Andy Warhol não conseguia existir aqui, uma mega-estrela de uma família convencional, com os valores humanísticos e democráticos mais banais. Ainda que ele nos conte sempre a sua história de indiferença, enfrentamos um mundo que se torna mais estranho todos os dias... 'Tem cuidado com o que pedes... Poderás vir a tê-lo'."
Ai Wei Wei, 21 de Janeiro de 2008