19.5.08

José de Guimarães não consegue ‘apanhar o rasto’ a sete das onze peças que criou para o Jardim das Artes
Arte perdida

O artista plástico português está “frustrado e desiludido”. Veio a Macau para tentar descobrir o paradeiro de sete peças do conjunto escultórico que criou para o Jardim das Artes, e que se terão perdido quando das obras de construção de um parque de estacionamento naquele espaço. Parte hoje com a mesma pergunta: “o que fizeram – e qual o paradeiro – aos meus trabalhos?”

Alfredo Vaz

José de Guimarães foi convidado em 1997 pelo arquitecto paisagista Francisco Caldeira Cabral a conceber um conjunto de peças para o Jardim das Artes - um espaço de lazer para a zona do NAPE (Novos Aterros do Porto Exterior) - paralelo à Avenida da Amizade. José de Guimarães concebeu um conjunto de nove peças, figuras em metal de pequeno, médio e grande porte, inspiradas em caracteres chineses, que ficariam distribuídas de ponta-a-ponta do jardim: das imediações do Hotel Lisboa, às proximidades das traseiras do World Trade Centre. O projecto foi desenhado nos ateliês do artista em Portugal, e parte dele ‘rabiscado’ nas vindas a Macau, e executado numa fábrica de moldes da província de Cantão escolhida pelo autor. Do conjunto de embelezamento faziam parte três outras esculturas de artistas chineses, incluindo a estátua do escritor português Fernando Pessoa. O jardim abriu as portas ao público em 1999 e tornou-se rapidamente num espaço muito popular, também por ‘culpa’ das peças ali colocadas, que tiveram “grande receptividade do público. As pessoas tiravam fotografias, sentavam-se ao lado das peças, passavam por baixo delas, das maiores, as de grande porte”, lembra José de Guimarães com um sorriso e alguma nostalgia.
Em 2004, o plano de reordenamento parcial do Jardim das Artes, contemplou um parque de estacionamento subterrâneo para aquela zona, e a obra obrigou a um levantamento parcial do espaço de lazer. Todas as esculturas foram levantadas “quer as dos artistas chineses, quer as minhas. As minhas, que estavam aparafusadas – apenas – ao chão, e que para as tirar bastava desaparafusar, guardá-las e depois voltá-las a por, parece que o empreiteiro, teve dificuldade em lidar com a questão – acho que os parafusos estavam enferrujados, ou algo parecido”, diz o autor, que se lamenta disso mesmo “apenas ouvi dizer”, porque nunca fui tido nem achado, e nessa fase – eventualmente – não tinha que ser”, disse José de Guimarães ao PONTO FINAL.
A empreitada de reordenamento do Jardim das Artes foi encomendada pela Direcção dos Serviços de Solos Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) ao referido empreiteiro, que as terá perdido, “receio bem que as possa ter perdido, embora não tenha a certeza”, lamentou o artista.
Um engenheiro contactado pelo PONTO FINAL referiu que a obra era uma trabalho temporário, relativamente fácil de executar : bastava tirar o que estava por cima, construir uma laje e voltara a colocar o que havia para colocar. O jardim foi reaberto em 2007, mas de fora ficaram sete das nove peças do conjunto escultórico de José Guimarães. O que o artista não percebe - o que o indigna, até – é que as outras três obras, da autoria de artistas plásticos chineses – voltaram a ser colocadas no lugar de origem: “Porque não as minhas, pergunta?”
Guimarães considera que esta é uma questão de fácil resolução, “haja vontade politica (...) o projecto está feito desde a origem, não é preciso pagarem-me de novo. Eu imaginei um conjunto para aquele espaço, fiz o desenho, escolhi os materiais e indiquei o executante, uma fábrica de moldes aqui do sul da China, não fui eu que paguei o trabalho, a mim pagaram-me o projecto, os desenhos. Este tipo de esculturas é realizado como se fosse um projecto de arquitectura, é tudo desenhado em papel e a fábrica depois produz. Ou seja, se a DSSOPT seguir a recomendação do GDI, basta encomendar as peças à fábrica e voltar a colocá-las onde elas estavam.”
Indignado com a situação, e a pretender reclamar “aquilo a que tenho direito: o artista tem o direito de saber a localização e o uso do seu espólio.” Em Maio de 2007 – faz agora um ano - José de Guimarães escreveu uma carta ao Chefe do Executivo perguntando quando as esculturas seriam colocadas “Não me respondeu a isso”. Uma segunda carta foi escrita em 18 de Abril último, também para o Chefe do Executivo, “ a dizer, eu vou para Macau, vou lá estar de 15 a 18, e gostaria de falar com alguém para saber com o é isso das minhas esculturas. Não tive resposta.”
O artista plástico parte de Macau esta manhã de regresso a Portugal via Hong Kong: “estou preparado para voltar. Gostava de ajudar a resolver a questão, de ver as minhas obras expostas no lugar para a qual elas foram pensadas.”

CAIXA
Fascínio pelo Japão

Macau e a China cruzaram-se no destino do artista plástico português quase como uma escala numa das muitas viagens que o escultor realiza frequentemente ao Japão
A cultura asiática é um dos vértices do triângulo deste ‘artista global’: tinha estado em África – deixou Angola em Novembro de 1974 – e tem uma “boa colecção” de arte africana; do Oriente acumula uma outra “bela colecção de arte chinesa – nomeadamente arte arcaica, coisas do neolítico, etc, que são as zonas que me interessam...e também tenho uma colecção de arte pré-colombiana, porque também andei por essas zonas.”
José de Guimarães descobriu o Japão por razões profissionais. A primeira fez convidado para ir a Imegi fazer papagaios de papel Imegi. À segunda ‘escala’ respondeu a uma chamada de uma das maiores galerias de Tóquio, a Fuji Television, onde participa há vários anos com regularidade em exposições individuais e em colectivas com outros artistas japoneses e de outros pontos do mundo.
Mas a terceira vertente, a que mais o “seduz, a mais produtiva é a dos trabalhos públicos. Uma das maiores intervenções, que se prolonga no tempo, aconteceu na prefeitura de Kushiro, uma cidade costeira, ‘flagelada’ por centenas de dias de nevoeiro por ano. Os autarcas locais pediram a José de Guimarães que encontrasse uma solução plástica que ajudasse a minimizar o efeito de ‘cortina de fumo’ da névoa e – ao mesmo tempo - embelezasse a cidade. O artista plástico criou de Kushiro, um conjunto de peças escultóricas para a zona da baixa ribeirinha em metal e com ‘neons’ a raios infra-vermelhos, que teve grande aceitação popular que se transformou num ex-libiris da cidade.
“ A minha empatia com o Japão começou por razões profissionais, mas para manter essa continuidade, e por interesse pessoal, comecei a estudar também a cultura japonesa. O Japão, nesta zona asiática, continua por isso a estar no meu espírito, associado à cultura chinesa. Dou-me muito bem no Japão
Eles têm um grande respeito pelas outras culturas. Os grandes artistas internacionais estão lá sempre, eles vão buscá-los a todas as partes do mundo
Por outro lado têm uma grande cultura literária, porque têm e continuam a ter grandes escritores, grandes autores. Mas conhecem Fernando Pessoa, por exemplo; conhecem Camões – não sei se toda a gente, mas quem se interessa. O Japão, é um pais muito aberto, longe do preconceito nos países ocidentais e – falo com mais conhecimento de causa, sobretudo na Europa.”

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