Fotógrafo Edgar Martins premiado pelo New York Photo Festival
Retratos do espaço em mudança
Retratos do espaço em mudança
O fotógrafo Edgar Martins foi recentemente premiado pela série 'The Accidental Theorist' no New York Photo Festival (14 a 18 de Maio). O artista, que já viveu em Macau, foi o vencedor na categoria Personal/Fine Art Series. Nascido em Évora, em 1977, cresceu em Macau, onde fez a sua iniciação às artes, com a primeira exposição e a primeira publicação de um romance, "Mãe, deixa-me fazer o pino". Em 1996, mudou-se para Inglaterra, onde concluiu um mestrado em Fotografia e Belas-Artes no Royal College of Art, e ainda uma licenciatura em Fotografia e Ciências Sociais, na University of Arts London. O seu trabalho pode ser visto em vários museus espalhados pelo mundo, como o Victoria & Albert Museum, da capital inglesa. Em Macau, o seu trabalho pode ser visto na Fundação Oriente. Num texto que hoje publicamos, Edgar Martins fala, em discurso directo, sobre o seu trabalho, o prémio, Macau e Nova Iorque, cidade onde reside actualmente
"De relance, pode-se dizer que o meu trabalho aborda tanto o impacto do Modernismo no meio-ambiente (a Modernidade está muito presente no meu trabalho), como as questões pertinentes na representação fotográfica, com a fotografia como um processo. Gosto de pensar que o meu trabalho comunica ideias sobre a dificuldade da comunicação. Mas também espero que vá muito além disto.
Interesso-me pelo teatro, pela performance. Mas não no sentido tradicional do termo.
Interesso-me no registo da performance do mundo como um conjunto de processos e factos. A única forma de o fazer é tornando o tempo mais lento.
É por isso que utilizo longas exposições e, de certa forma, porque utilizo a minha câmara fotográfica como se fosse uma câmara de vídeo.
Trabalhar desta forma permite-me captar aquilo que eu designo de 'energia cinética das coisas'. Ou seja, a energia e o movimento inerentes a tudo. Até aos objectos estáticos.
O Princípio da Incerteza de Borg declara que temos o poder de mudar as coisas através da mera observação.
Embora eu não tenha argumentos para comentar profundamente esta teoria, agradam-me as possibilidades e portas que ela abre: gosto da ideia de alterações no espaço, apenas para nós próprios, sempre que observamos esse espaço. E, se tornarmos o tempo mais lento, talvez sejamos capazes de captar essas alterações.
Interpreto essas mudanças como uma performance do espaço, como uma manifestação da sua energia cinética.
Embora o meu trabalho tenha uma aparência de formalismo e rigor, o processo pelo qual as imagens são criadas tem tudo menos precisão. Durante muito tempo, a fotografia teve tudo que ver com controlo: eu gosto de renunciar a algum desse controlo.
Sempre encarei a fotografia como um meio extremamente impróprio para comunicar ideias; um sujeito ou um objecto de necessidade, se quisermos.
No entanto, é esta ansiedade própria deste meio que me leva a procurar uma nova linguagem para trabalhar e, suponho, um novo léxico a partir do qual se cria o meu glossário da vida.
'The Accidental Theorist', a série que foi premiada no New York Photo Festival, aborda esta e outras questões.
Sinto-me extremamente honrado por receber este prémio, não só porque é um dos prémios mais desejados da indústria, mas também pelo reconhecimento de todo o grande trabalho no qual tenho vindo a investir ao longo dos anos.
Não é fácil afirmarmo-nos no meio artístico actual, e é com grande satisfação que fui adoptado por esse meio.
Já percorri um longo caminho desde que fiz a minha primeira exposição na Galeria de Exposições Permanentes do Leal Senado, em 1996.
Desde então, desenvolvi uma relação completamente diferente com a fotografia, e também pude redefinir a minha relação com o mundo (tal como seria de espera de alguém que está em crescimento - tinha apenas 17 anos quando fiz a primeira exposição e publiquei o meu primeiro livro).
Dito isto, Macau desempenhou um papel instrumental na pessoa que sou hoje. Ao ter dividido a minha existência entre 3 países, não me sinto com raízes em algum lugar. Isto dá-me a distância crítica suficiente para interiorizar os espaços em que vivo, de uma forma objectiva e pragmática, e para estudar as contínuas alterações nos ambientes que me rodeiam. O urbanismo sempre fez parte do meu trabalho.
Em muitos dos meus projectos, retratei o urbanismo como um movimento de isolamento, enfatizando a ideia de que já não podemos compreender a cidade "descentrada", os seus sinais ou a linguagem que grita.
Olhemos para Macau, por exemplo: transforma-se a um ritmo alucinante.
Uma vez, encontrei um pequeno livro de Salman Rushdie sobre o Feiticeiro de Oz, que terminava com estas palavras: 'Não é que não haja lugar como casa, é só que já não existe mais nada como casa.' Identifico-me profundamente com isto. Esta ideia está presente no meu trabalho artístico e na generalidade da minha atitude para com o mundo.
Nova Iorque (e é por isso que este prémio é tão importante para mim) representa uma nova fase da minha vida, um outro país que eu espero conhecer melhor, onde eu espero também produzir muito e, quem sabe, onde eu possa vir a assentar. Mas não indefinidamente. Neste momento, não procuro encontros decisivos. Tudo é fluxo e tudo flui. Na verdade, e parafraseando Carlo McCormick: 'Num mundo onde tudo é válido, são os encontros indecisos que se tornam nos actos decisivos.'"
Edgar Martins