15.5.08

Patrão, funcionários da Tong Lei, e familiares de Ao Man Long ontem em julgamento
Confiança cega

O casal Ao Man Fu e Au Chan Wa Choi, irmão e cunhada de Ao Man Long, asseguraram ontem em Tribunal que foram enganados pelo familiar – em quem confiavam cegamente – nos procedimentos de aberturas de contas em Hong Kong e Inglaterra. O antigo Secretário terá hoje oportunidade de rebater as acusações ao depor como testemunha no Tribunal Judicial de Base

Alfredo Vaz

Uma boa parte dos procedimentos de ontem estavam condenados à partida: já se sabia que os empresários Tang Kim Man, e Lao Chong Hong, figuras centrais no processo conexo que envolve a empresa de construção civil Tong Lei, iam estar ausentes da fase processual do processo conexo ao de Ao Man Long que decorreu ontem de manhã e à tarde numa das salas de audiências do Tribunal Judicial de Base (TJB) da RAEM. Assim, as figuras centrais acabaram por ser os familiares do antigo governante e o advogado Pedro Leal, para quem o Ministério Público pediu – mas não viu satisfeito o pedido – uma multa por “levantamento de um incidente” durante a parte da tarde da sessão.
Antes, e no primeiro depoimento, Leong Chi Tong, funcionário da Tong Lei, garantiu em tribunal que não teve qualquer envolvimento com os projectos das seis vivendas da praia de Hac-Sá (uma delas alegadamente prometida – eventualmente em forma de suborno tentado – a Ao Man Long), nem sabia dos contactos promessa que previam que uma das vivendas fosse dada à empresa Ecoline, uma off-shore controlada por Ao Man Long, embora estes documentos fossem assinados por si.
O arguido disse nunca ter suspeitado de qualquer irregularidade, e disse em tribunal que nunca presenciou qualquer reunião entre Tang Ki Man - o patrão da Tong Lei – e Ao Man Long. Disse também que assinou os documentos porque isso lhe foi pedido pela secretaria do patrão. Sobre o dinheiro que recebeu da Tong Lei, disse que só recebeu o décimo terceiro mês e o bónus anual “tal como todos os outros funcionários da Tong Lei”, empresa que deixou em 2005.

“Não me considero estúpido, mas não percebo”

Dois momentos definiram a sessão da tarde: uma troca de ‘galhardetes’ entre o delegado do Ministério Público e o advogado Pedro Leal, defensor de Ao Man Fu, irmão de Ao Man Long; e as declarações emocionadas e eloquentes da arguida Ao Chan Wa Choi, mulher de Ao Man Fu, cunhada do antigo Secretário.
“Não percebo parte da acusação. Juntando o número das contas que a acusação e que o senhor delegado do MP refere, somando os valores, não chego a uma conclusão coerente. Peço portanto aos senhores juízes que me ajudem na defesa. Eu não me considero uma pessoa estúpida, e sinceramente não percebo”, disse Pedro Leal, advogado de Au Man Fun.
Pedro Leal pediu à juíza presidente do colectivo para apresentar um requerimento em que fossem identificados os crimes, datas, e conclusões: para que do delegado do MP fizesse prova, facto que ‘obrigou’ à interrupção do julgamento por um período de dez minutos.
No regresso aos trabalhos, o delegado do MP foi particularmente duro para com Pedro Leal, dizendo que o causídico era, provavelmente, a única pessoa que em toda a instrução não conseguiu perceber os fundamentos da acusação, considerando por isso que o pedido não devia ser deferido e pedindo ao colectivo do TJB uma multa para o advogado “por este ter levantado um incidente.”
O pedido suscitou nova pausa – deste feita sem interrupção de facto da sessão – para que os três juízes do colectivo conferenciassem entre si sobre a resposta a dar. Tam Hio Wa, juíza presidente colectivo, lembrou ao advogado que o Tribunal Judicial de Base não tem poderes para ordenar ao Ministério Público a medida pedida pelo causídico – indeferindo assim o requerimento – mas deliberou por não multar o advogado, como foi pedido pelo delegado do MP.

‘Big Brother’

Antes, Au Man Fu, irmão do antigo Secretário, acusado de três crimes de branqueamento de capitais, e quando questionado sobre as contas abertas em Inglaterra, disse que estas o foram para preparar o futuro do filho, que ia estudar para aquele pais. Disse que foi o irmão que propôs que fosse com a mulher a Inglaterra abrir pessoalmente as contas. Disse ter assinado os documentos porque confiava totalmente no irmão. Ao Chan Wa Choi, mulher de Ao Man Fu, corroborou a seguir as declarações do marido.
Sobre as contas abertas em Hong Kong, empresa City Grand, Ao Chan Wa Choi lembra-se de ter ido a um escritório de advogados, mas disse ter assinado de cruz papeis que lhe foram postos à frente pelo cunhado, e escritos em inglês, língua que disse não dominar. Depois, contou, “o meu cunhado mandou-me ir esperar por ele para um café de um prédio ao lado, e eu fui. Não voltámos a falar do assunto e voltámos a Macau de helicóptero.”
As declarações da arguida suscitaram uma chamada de atenção e uma série de perguntas e observações da parte do juiz Jerónimo Gonçalves Santos. Este membro do colectivo do TJB disse a Ao Chan Wa Choi que devia ter em atenção que no tribunal julgam-se comportamentos: “E isto [as declarações da arguida] foge um bocadinho da normalidade das coisas. A senhora disse em tribunal que foi de helicóptero a Hong Kong com o seu cunhado, que assinou documentos sem fazer perguntas que a mandaram esperar num café ao lado, e que foi. E que depois foi a Inglaterra abrir contas em seu nome, e que não fez quaisquer outras perguntas. Diz que foi a Inglaterra para preparar a ida futura do seu filho, que abriu contas em seu nome próprio – que o seu filho é menor e não as pode movimentar – e que não sabe como lá depositar o dinheiro, nem como o seu filho as vai movimentar. Não seria mais normal abrir as contas em Macau e começar a preparar as coisas a partir daqui?”, perguntou o juiz. A arguida respondeu que foi a Inglaterra e que lá abriu as contas seguindo as instruções do cunhado – Ao Man Long – e que depositava confiança no futuro do filho porque eles iriam estudar na mesma escola dos primos, os filhos de Ao Man Long.
Ao Chan Wa Choi disse por mais de uma vez durante a sessão de ontem não ter desconfiado de nada, porque além dos pedidos lhe terem sido feitos pelo irmão do marido, Ao Man Long era governante da RAEM “do qual nem o próprio Executivo desconfiava.”
A Ao Chan Wa Choi foram mostrados dois cheques que disse não ter assinado nem reconhecer. Sobre os mais de cinco milhões de dólares de Hong Kong depositados numa de uma das contas por si abertas, para constituição da empresa City Grand (passadas por procuração para controle do cunhado), Ao Chan Wa Choi disse que “se tivesse esse dinheiro todo, não acordava todos os dias às oito da manhã para ao fim do mês receber nove mil e 800 patacas de salário.”
Da parte da manhã tinham testemunhado Ao Veng Kong, pai de Ao Man Long e Ao Man Fu, e Lo Chi Cheong. Lo, empresário, disse não ter tido conhecimento de qualquer acordo com a Ecoline para a concessão de uma loja num edifício a construir na Avenida Fernão Mendes Pinto, na Taipa, zona onde a empresa queria construir um prédio de dez andares, projecto que acabou por ser indeferido pelas Obras Públicas, uma vez que na zona só era permitida a construção em altura até três andares
A juíza presidente tinha agendado dois dias para a fase de inquirição dos arguidos, mas os procedimentos ficaram concluídos ontem. Esta manhã inicia-se a fase de inquérito às testemunhas, destacando-se a ida ao TJB de Ao Man Long, a figura central de todo este processo e que em Janeiro foi condenado a 27 anos de prisão pelo Tribunal de Última Instância por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, e enriquecimento não declarado.

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