ARTM abriu novo departamento para alargar alcance dos serviços aos toxicodependentes
Maomé vai à montanha
A ARTM, a mais activa das instituições que em Macau luta contra a droga, inaugurou um departamento que tem por missão chegar àqueles toxicodependentes que desistiram de procurar ajuda. Augusto Nogueira acha que vale a pena, e não se engana
Hugo Pinto
Maomé vai à montanha
A ARTM, a mais activa das instituições que em Macau luta contra a droga, inaugurou um departamento que tem por missão chegar àqueles toxicodependentes que desistiram de procurar ajuda. Augusto Nogueira acha que vale a pena, e não se engana
Hugo Pinto
No passado dia 16, a Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM) abriu o novo departamento de rua e de “redução de danos”. Ao contrário do que acontece de cada vez que há uma inauguração em Macau, à porta do novo centro não foram colocadas as enormes coroas de flores, muito menos se estendeu uma passadeira vermelha. Aqui, manda a discrição.
Muitos vizinhos ainda se interrogam “o que será isto”, parando em frente ao centro de apoio, que ostenta no exterior apenas as iniciais “ARTM”, deitando o olhar inquisidor para o interior. Houve até quem entrasse, se sentasse a uma das mesas e pedisse, alto e bom som, “tchau siu fan”. Mas não há que enganar, apesar do aspecto acolhedor e asseado, a fazer inveja a muitos “estabelecimentos de comida.”
Este espaço (cuja morada vamos resumir à Areia Preta) nasceu com a missão de chegar àqueles toxicodependentes que vagueiam, literalmente. Ou porque estão velhos, cansados ou desiludidos, ou tudo ao mesmo tempo, desistiram de procurar ajuda e não pensam entregar-se aos cuidados de uma instituição e reabilitarem-se. Em muitos casos já não têm casa. Vivem na rua, à espera. Agora podem ter direito ao seu quinhão de “dignidade”, diz Augusto Nogueira, o incansável presidente da ARTM.
O objectivo deste centro, e o que a curta experiência já mostra, é que as pessoas que ali se deslocam não vão à procura de "ajuda". Vão ali para depositar seringas, algo simples, mas só aparentemente, porque se arriscam a serem detidas pela "posse de material que indicia o consumo de droga". Vão ali para comer, beber, tomar banho, vestirem-se ou sarar feridas.
Até sábado, tinham sido depositadas 26 seringas naquele que é o primeiro ponto de recolha de Macau. São menos 26 motivos de preocupação para a saúde pública, observa Augusto Nogueira, que se mostra surpreendido pelo número. Menos 26 seringas espalhadas como vulgar lixo pelas ruas, nos parques, nos jardins.
Esta semana, muitos residentes na Zona Norte de Macau vão receber nas suas caixas de correio panfletos da ARTM a informar que a associação está disponível para recolher as seringas que forem encontradas pelos moradores. Estes só têm que entrar em contacto com a ARTM.
Isto, enquanto em Macau as autoridades continuarem a não autorizar a troca de seringas, uma prática que até já existe na “progressiva” China.
Expectativas superadas
As verbas que o Instituto de Acção Social (IAS) dispensa a este espaço dão para oferecer 12 refeições diárias (almoços). Tem chegado, mas é insuficiente face às necessidades que o futuro avizinha. “Temos o objectivo de dar 24 almoços por dia, mas para isso precisamos do dobro do apoio”, observa Augusto Nogueira.
Além de refeições, distribuem-se garrafas de água, pensos de álcool e preservativos. Os toxicodependentes têm ainda a possibilidade de tomarem banho e de se vestirem com roupas limpas.
Com o tempo é provável que o novo centro seja procurado por mais toxicodependentes. Uma vez que a sua abertura não foi publicitada - apenas o IAS informou os toxicodependentes com quem mantém contacto -, é de crer (e esperar) que a "boa nova" passe entre os necessitados deste apoio.
Todos os dias, das 10 da manhã até às 7 da noite, trabalham ali três funcionários, ex-toxicodependentes que dão agora o melhor de si a ajudar, e uma psicóloga. Duas vezes por semana, a enfermeira que presta serviços no centro de reabilitação de Coloane desloca-se a este novo espaço. Há ainda o apoio, uma vez por semana, de uma enfermeira de um dos hospitais de Macau, que se voluntariou. A ARTM pode ainda, caso seja preciso, transportar toxicodependentes ao hospital.
Ainda que não seja essa a vocação, o apelo destes serviços básicos já “encaminhou” dois toxicodependentes para o centro de Coloane. Um deles começa já hoje a reabilitação, o outro amanhã. É uma nova fase das suas vidas cujo desenlace é sempre incógnito. “Podem ficar uns dias, podem ficar meses. Nunca se sabe. É preciso ter paciência”, comenta Augusto Nogueira, com a prudência de quem já viu muito.
Ainda que mal tenha passado uma semana, Augusto Nogueira mostra-se satisfeito com o que já se conseguiu com este novo projecto. Os números contam: “20 banhos, 60 refeições distribuídas, duas entradas no centro de reabilitação, mais 4 pessoas que vêm aqui todos os dias mudar o penso e tratar de abcessos... Acho óptimo. O IAS depositou muita confiança em nós e já disseram, na abertura, que o centro superou as expectativas que tinham.”
A localização deste departamento permite também, nota o presidente da ARTM, acompanhar de perto o que se vai passando no inconstante mundo da droga. Saber, por exemplo, quais os preços ou que produtos são agora utilizados pelos traficantes para “cortar” a heroína.
Do mesmo modo, estão mais próximos da prostituição praticada por mulheres vindas do continente e que vão ficando em Macau, a maior parte ilegais. Oferecem o corpo por 30 patacas e dão a escolher a não utilização de preservativo com a “agravante” de mais vinte patacas... e o risco de contrair ou espalhar doenças.
Neste sentido, um dos projectos da ARTM passa por começarem a fazer testes HIV neste novo espaço, o que será possível apenas dentro de 3 meses.
Até lá, cativam-se todos os que vivem “à margem” nesta Macau do grande desenvolvimento. Sem aliciantes, sem falsas promessas. Sem obrigações e sem forçar. A esperança de Augusto Nogueira é que quem viva privado de tudo perceba que há coisas por que vale a pena lutar. Assim haja quem lhes mostre.