18.8.08

Lei das relações de trabalho aprovada na generalidade
Empate técnico

Quatro votos contra aqui, sete ali...com maior ou menor dificuldade o Governo conseguiu levar avante a nova versão da lei de trabalho (que agora se passa a chamar lei das relações de trabalho), sem que qualquer diploma tivesse sido chumbado. Apesar das muitas ameaças tanto dos representantes dos trabalhadores, como dos empresários e empregadores, a legislação foi aprovada e entra em vigor a 1 de Janeiro do ano que vem.

Alfredo Vaz

A sessão final de aprovação dos últimos 27 dos 97 pontos da nova lei das relações de trabalho começou com um debate quente e prolongado. Foi um debate longo e acalorado em que ficaram muito bem vincadas as posições e distanciamento dos deputados empresários, e daqueles associados à defesa dos interesses dos trabalhadores
O artigo em causa, o 73º diz que o “o contracto de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: (alínea 2) por impossibilidade superveniente do trabalhador prestar o trabalho, nomeadamente por motivos de doença permanente e invalidez.”
Quem deve arcar com as responsabilidades em casos de acidente que invalidem em definitivo a capacidade funcional profissional de um trabalhador? O debate – de quase duas horas - centrou-se à volta do conceito do doença permanente, ressaltando deste uma clara divisão de posições entre representantes dos sectores laboral e patronal. Falou-se de questões de consciência e de responsabilização, até onde deve ir a responsabilidade do patrão à altura do acidente, e onde começa a intervenção do Estado, enquanto garante de providência.
A discussão tinha começado na parte final da sessão de segunda-feira (interrompida devido ao avançar da hora), e prometia que a troca de galhardetes prosseguisse ontem. No primeiro ‘round’ a deputada Kwan Tsui Hang fez um apelo à consciência dos deputados, dizendo recear que “o contributo dado por nós, deputados, para a feitura desta lei vai para o caixote do lixo. Faço um apelo à vossa consciência, porque apedrejamos o cego e viramos a norma contra o trabalhador?”,
Ontem, o debate foi também aproveitado pelos deputados do sector empresarial para se defenderem nas chamadas ‘questões de humanidade, rebatendo em uníssono que não se pode passar cá para fora a imagem de que os empresários não têm escrúpulos
O empresário Tusui Wai Kuan – deputado nomeado pelo Chefe do Executivo - foi o porta-voz de defesa do grupo: “lamento que hoje, na imprensa (nos relatos e reportagens sobre a sessão de segunda-feira, primeira parte da votação da lei das relações de trabalho) os jornais tenham dado grande destaque aos chamados votos de consciência. A ideia com que se fica é que os deputados que estão a favor desta norma são pessoas sem escrúpulos, o que rejeito terminantemente”, protestou o deputado.
No fundo, os deputados ligados ao sector empresarial querem que as responsabilidades sejam repartidas entre patronato e Governo, numa fórmula a encontrar, e que não penalize os seus interesses.
Outro deputado nomeado, Ieong Tou Hong defende as responsabilidades devem ser partilhadas, repartidas entre empregadores e Executivo: “devemos empurrar responsabilidades para o empregador ou alongar a nossa visão? É preciso que se reveja o sistema de segurança social para que os trabalhadores possam viver com mais dignidade”, defendeu o deputado.
A presidente da Assembleia Legislativa tentou esclarecer os deputados, explicando que existe legislação – Decreto-lei 40/95/M) que consagra os direitos e deveres dos prejuízos decorrentes das doenças profissionais e acidentes.
O deputado Leonel Alves (eleito pelo sistema de sufrágio indirecto, e 2º secretario da AL) usou da sua formação académica e experiência profissional (jurista, advogado) lembrou que o sistema de caducidade é uma figura normal de outras leis para dizer que “uma coisa é o debate, outras são as questões sociais, que têm que ser levadas em conta.” Ou seja, que a lei já está aprovada, e agora há que arrepiar outros caminhos e há que encontrar outros mecanismos ou normas que salvaguardem e protejam os interesses de todas as partes envolvidas, empregados e patrões.
Pelo meio, o quarteto de deputados associados ao sector laboral queixou-se ainda de a nova lei não prever o regime de diuturnidade para os trabalhadores do sector privado.

DURA LEX

Mais morno do que quente acabou por ser o debate em torno da redacção da nova lei que passa a contemplar a possibilidade dos patrões cumprirem penas de prisão efectiva – que podem ir até três anos - se não cumprirem com os compromissos assumidos para com os trabalhadores. No artigo 87º lê-se que “A pena de mula prevista na alínea 6) do nº 1 é convertível em prisão nos termos do Código Penal.” “Uma possibilidade, não tem força e é vaga,” queixou-se o deputado Ng Kuok Cheong. Shuen Ka Hong, director da Direcção de Serviços de Trabalho e Emprego, interveio para dizer que “qualquer acto de não pagamento de salários é criminalizado, já na actual lei é assim.” A observação foi contrariada pela presidente da AL. Susana Chou explicou que “na actualidade, o que a lei em vigor fala de contravenções, o que é diferente da criminalização dos actos (de omissão do pagamento dos salários).
Shuen pareceu apanhado de surpresa pela observação e correcção, e “agradeço o alerta” de Susana Chou.
Com os deputados de candeias às avessas, Leonel Alves suou de exemplos e de bom senso para lançar alguma água na fervura. O deputado começou por dizer que entende o esforço da comissão legislativa que ao longo de mais de um ano (14 meses, e 51 reuniões, 42 delas contando com membros do Executivo, um recorde), mas reconheceu que houve questões de foro técnico- jurídico que tiveram que ser levados em consideração na redacção desta nova lei “voto a favor, mas este seria beneficiado se alguns dos conceitos fosse clarificados”, observou o deputado. Leonel Alves partiu então para um exemplo, uma situação que se poderá vir a pôr no futuro. Ora se na nova lei não está escrito que a pena de prisão só deve ser aplicada se houver dolo, intenção, o justo pode vir a pagar pelo pecador. Com um exemplo concreto: imagine-se um empresário que foi declarado falido, sem que essa falência tenha sido fraudulenta “um azar da vida”; ora que pode acontecer é que – dependendo da interpretação do juiz, se ela aplicar a lei sem olhar para a singularidade do objecto em causa – pode ser condenado a pena efectiva de prisão sem que tenha tido intenção de fraude, sem ter havido dolo. O deputado disse que “é preciso esperar para ver como as coisas vão funcionar na prática.”
Também a presidente destacou esta possibilidade, esperando que as observações de Leonel Alves possam ser levadas em consideração; “Esta redacção da lei não tem margem de flexibilidade, eu pelo menos não reconheço. A AL não vai andar atrás dos juízes – nem pode, pela separação de poderes – a pedir que tenha atenção a esta ou aquele caso. A lei deva ser mais flexível”, considerou Susana Chou.
Duro na declração de voto foi o deputado nomeado, e empresário, Vítor Cheung Lup Kwan ao dizer que com esta nova lei “ já não se pode falar em conluio entre empresários e Governo, mas agora – sim – em conluio entre Governo e trabalhadores.”
Apesar da discussão e divergência de pontos de vista, o artigo 87 passou sem qualquer voto contra.

CONVENÇÕES TRIPARTIDAS

O momento insólito do dia aconteceu quando a presidente Susana Chou pediu a um dos seus assessores que interviesse em plenário para tirar as dúvidas que se tinham instalado entre os próprios deputados e representantes do Executivo a propósito da aplicação a Macau de duas convenções da Organização Internacional de Trabalho (OIT). Pereira Coutinho levantou a questão por entender que as convenções 103 (protecção dos direitos de maternidade, 84 dias de licença de parto) e 158 (impede despedimentos sem justa causa) estão em vigor na RAEM. O deputado entende que elas se estendem a Macau porque foram publicadas – em 1999 – no Boletim Oficial. Instado a esclarecer, Shuen Ka Hung, o director da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSAL), disse que não, e explicou porquê: “durante a Administração Portuguesa, foram estendidas algumas convenções. Mas após o retorno (de Macau à soberania chinesa) a AL reuniu-se durante a noite (as célebres Reuniões da Meia-Noite) e apreciou quais as leis que entrariam em vigor. E estas convenções não estão abrangidas pela lei da reunificação.”
Este empurrar de responsabilidades não agradou à presidente da Assembleia Legislativa. Susana Chou disse não poder aceitar as explicações de Shuen Ka Hung; “na altura (na sessão extraordinária que decorreu na madrugada de 20 de Dezembro de 1999, nas primeiras horas sob administração chinesa) não se disse que as convenções perderiam efeito”, justificou a presidente do hemiciclo.
E foi para melhor esclarecer este ponto que a presidente pediu a intervenção de um dos seus assessores (ontem, Pedro Sena). Esta figura está contemplada no regimento da AL mas é muito pouco comum: a presidente pode pedir explicações a peritos – de dentro ou de fora da estrutura da AL – em situações de dúvida. Sena disse que entendimento que existe na RAEM sobre estas duas convenções é que – mesmo tendo sido publicadas em Boletim Oficial – para que produzam efeitos é necessário que a República Popular da China assuma a sua aplicabilidade a Macau através de uma comunicação como entidade depositária, uma vez que a RAEM não tem soberania para tal (pela Lei Básica, a República Popular da China é soberana nas questões de Defesa Nacional e Relações Externas nas Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong). Um depósito que a RPC não exerceu e que invalida a aplicação das convenções.
Ou seja, segundo o jurista, nem Coutinho, nem o director da DSAL têm razão nos argumentos que apresentam. Pedro Sena lembrou que “no dia 20 de Dezembro de 1999, a Assembleia Legislativa não se pronunciou sobre esta matéria, nem tinha que se pronunciar”, no seu entendimento “não é por aí,” pelos argumentos apresentados que se vai conseguir levar à aplicação da lei.
Pereira Coutinho ainda tentou insistir, reiterando que mantém a convicção de que as duas convenções da Organização Internacional de Trabalho estão ‘estendidas por si’ à Região Administrativa Especial de Macau, não saindo convencido do hemiciclo: “chego à conclusão de que há interpretações diferentes: a minha, a do senhor assessor e a do Governo (apresentada ontem por Sheung Ka Hung, da DSAL). Até à data, nunca tinha ouvido dizer que as convenções da Organização Internacional de Trabalho não se aplicavam a Macau.” O deputado lembra que pediu por várias vezes, ao longo dos tempos, por escrito e em sede de comissão, que lhe fosse dada uma resposta concreta, mas lamentou que tal nunca se tenha materializado. Mesmo com a explicação de Pedro Sena, Coutinho terminou a sua intervenção vincando não se dar por convencido. Aliás, convencido está – como à partida: o deputado insiste que as convenções da OIT, número 103 (protecção dos direitos de maternidade, 84 dias de licença de parto) e número 158 (impede despedimentos sem justa causa) estão em vigor na RAEM.
O remate no debate acabou por ser dado pela presidente da Assembleia Legislativa: “está explicado, não vale a pena insistir”, concluiu Susana Chou.

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